quarta-feira, setembro 13, 2006

A INFÂNCIA CONFISCADA

Desenho de Alejandra Pizarnik
Nunca como agora a infância foi tão vigiada, controlada, programada. É certo que aquilo a que hoje chamamos infância eram os primeiros seis anos de vida, pouco mais, até há pelo menos 100, 80 anos. Pelo menos seria assim para a grande maioria das crianças, as que não pretencenciam às classes abastadas e tinham que começar a trabalhar em tenra idade, sem frequentar a escola. A infância começou com o controlo da natalidade através dos métodos contraceptivos e do fim da calamitosa taxa de mortalidade infantil que andaria, ainda no início do século passado muito acima dos 50 por cento.
É nos últimos anos que a infância se tornou, cada vez mais, politizada, comercializada, mediatizada (tanto zada!). É certo que Freud, e seus seguidores, já tinham no começo do século passado utilizado a infância como matriz de todo o comportamento do homem pela vida fora. Mas é também com os psicanalistas, os pedo-psiquiatras, os psicologos e tantos outros técnicos que se vão ocupar - e viver, no sentido económico - da infância, que esta ganha o seu lugar na cidade. Hoje ao mesmo tempo que qualquer ameaça à infância é notícia de abertura de telejornal, geralmente protagonizada por essa figura por excelência da actualidade que é o pedófilo, as crianças, são controladas de todas as formas numa negação do espaço que configura a infância. É assim que o tempo de aulas é aumentado, a pressão para o chamado sucesso escolar compete com a pressão no trabalho dos adultos, aumentam as actividades extra curriculares, os ATL, etc. Tudo visa uma ocupação do espaço da infância, que entretanto foi alargado a nível etário: hoje alguém com 18 anos é considerado uma criança. Ao mesmo tempo a infância, com o seu alargamento etário, é considerada um lugar de inocência quando, por vezes se assiste à pratica das maiores crueldades por essas criancinhas (veja-se o caso Gisberta) que sem nenhuma condenação, e conscientes da sua inimputabilidade, não mostram a mais miúda culpa.
Por outro lado, e no que diz respeito á infância dos adultos, esta é objecto de todo um trabalho de reescrita por parte de psicoterapeutas e psicanalistas que culmina na criação de falsas memórias (veja-se a este respeito o trabalho de Elisabeth Loftus) ou no apagar da memória da infância.

domingo, setembro 10, 2006


9/11:O DIA EM QUE O MUNDO MUDOU?

Por todo o lado, nesta altura em que se assinala o 5º aniversário do 11 de Setembro de 2001, os média falam do "dia em que o mundo mudou". Será que o ataque às torres gémeas mudou o mundo? No essencial o mundo permanece o mesmo, embora vá mudando um pouco todos os dias - faz parte da condição do mundo mudar lentamente - e se o mundo mudou em catástrofes foi mais nas catástrofes naturais que nas provocadas pelo homem. No entanto, nestas últimas temos os exemplos de Hiroshima e Nagasáqui transformadas pelos americanos de um momento para o outro. Aí a vida nunca mais foi o que era. De Nova Iorque apenas desapareceram dois dos seus maiores símbolos.
É certo que as tragédias crescem na medida em que se tornam colectivas, ou se colectivizam pelo número de vitimas, e pelo efeito de proximidade: o que aconteceu em Balí não teve a mesma reprecursão do que aconteceu em Londres. É uma regra do jornalismo e não só: primeiro os mais próximos, os outros...
O ataque ao WTC, o centro (símbolico) do capitalismo, teve um outro efeito: a criação de espetacularidade que fez com que um acontecimento real fosse, na altura, visto pela televisão, como se tratando de uma ficção. Para além de tudo o 11 de Setembro foi um desses raros acontecimentos globais onde - e aqui ao contrário da encenação radiofónica da guerra das estrelas por Orson Welles - a ficção e a realidade se confundiram.
Mas o 11 de Setembro foi, a nível político, o acontecimento que permitiu a George W. Bush iníciar a sua cruzada bélica. Daí as teorias da conspiração: o 11 de Setembro teria sido fabricado pelo governo americano. Importa destacar do 11 de Setembro e dos ataques que se seguiram assinados pela Al-Qaida, ou mesmo dos ataques falhados como o deste verão, que o verdadeiro ataque à forma de vida e liberdade do Ocidente tem sido praticado pelos seus governos quando, em nome da segurança, põem as liberdades e direitos dos cidadãos em risco. Abdicar das liberdades que as sociedades ocidentais construiram durante séculos em nome da "guerra ao terrorismo" seria dar a vitória ao fundamentalismo terrorista islâmico.

quarta-feira, setembro 06, 2006

O FIM DA INDEPEDÊNCIA

O Independente acabou, já foi há uma semana (ou melhor terá sido há uns anos atrás quando Inês Serra Lopes tomou conta do jornal) e este post vai atrasado, depois de muitos posts e artigos de jornal sobre o finado jornal. O certo é que de alguns comentários que li parecem sobresair dois ou três aspectos: a satisfação pelo fim do jornal por parte de personalidades que foram atacadas pelo jornal (Eduardo Prado Coelho, Macário Correia, etc), a crítica pessoal aos seus fundadores e directores (Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas) e por causa de Portas, a leitura redutora d' O Independente como um projecto político. Todas estas leituras esquecem o que mais importa no caso d' O Independente: o quanto o projecto editorial do jornal foi, sem fazer escola, uma lufada de ar fresco na Imprensa portuguesa. Dito de outro modo, e muito haveria e haverá a dizer sobre O Independente, o jornal de MEC e PP, nos seus tempos áureos, foi uma proposta a nível estético conjugado com um atitude insubordinação únicas na imprensa portuguesa dos últimos 20 anos. O jornalismo de O Independente, embora tenha deixado muitas vezes de lado a ética foi o contrário do que é o actual jornalismo: o mais subserviente possível. Algo que na altura, sem blogosfera, só podia ser feito num jornal ou numa rádio pirata. Entre o muito que passou por O Independente, desde escritores e poetas como M. S. Lourenço, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães (que pôde publicar parte dos poemas de Alta Noite em Alta Fraga ) destaco o papel reservado para a fotografia.