sexta-feira, dezembro 15, 2006

Jorge Fallorca

LISBOA, 21 JUN 74

Um doido sorri-me do táxi. Poucos doidos em Lx. Uma cidade, um país, uma cidade-país, que não tem doidos, mesmo poucos, não interessa. Tá bem eu sei que em Lx. é tudo doido, ou melhor: louco, eu sei, mas refiro-me a doidos mesmo doidos, com quem se possa aprender alguma coisa...
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(in Sião)
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Laranja

A estrada para o Caramulo acendia-se de laranjas.
A berma ladeava-se de cestas traiçoeiras, que desafiavam a atenção dos condutores e atiçavam discussões familiares.
A que lhes era alheio o sabor e o preço.
Pelo caminho ficavam as confidências das meninas.
Seios à dimensão de uma laranja, revelados em aulas improvisados pela curiosidade.
Os gomos adoçicavam-nos o tacto, sem que os dedos se quebrassem na expectativa.
Miller fez-me correr pomares à procura de das laranjas de Hieronymus.
Mas tudo quanto vi foram as cascas deixadas por Al-Mu'tamid, junto ao sabor uniformizado pela Europa.
Uma vez, o vento atirou-me uma azahar para dentro do chá em Tânger.
Finalmente, a flor de laranjeira sossegava-me a cabeça no regaço das estradas.
in Longe do Mundo, Frenesi, 2004, p. 25
Jorge Fallorca nasceu em 1949 (15 de Junho), em Mortágua. Poeta, tradutor, jornalista, radialista (na Rádio Comercial) e viajante, é autor de entre outros os seguintes livros: A luva in Love (1977) Alpendre (1988), Fruta da Época (2001), A cicatriz do Ar ( 2001) e Longe do Mundo (2004)

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