sexta-feira, fevereiro 09, 2007

VAMOS ABORTAR ISTO?


O que está em jogo no referendo sobre o aborto (chamado eufemisticamente ivg: interrupção voluntária da gravidez) não é somente o direito da mulher a dizer "este é o meu corpo, faço o que quiser com ele, portanto, tenho o direito de terminar com uma gravidez indesejada", atitude que tem total sentido se não existisse uma outra vida em gestão (em devir) dentro dessa mulher, de que resulta um conflito de interresses entre o direito da mulher sobre o seu próprio corpo e o direito do feto à vida. Para além deste conflito de interesses em que o "não" pretende ver no feto um ser de pleno direito e o "sim" mais uma "coisa"(estranha como um Alien?), desenha-se algo mais tenebroso a que a argumentação estilo PC (mulheres que morrem por prática de abortos clandestinos, hipócrisia, mulheres julgadas, etc) ainda não chegou. Vejamos um exemplo dessa argumentação. No Público de hoje (pág. 8) uma psicologa e psicanalista afirma que "a gravidez é um processo complexo e completo que envolve a barriga, o coração e a cabeça. Uma gravidez só de barriga, sem desejo, sem afecto e sem projecto é uma gravidez de risco para todos e em particular para a criança que venha a nascer", e acrescenta a senhora que "a criança não pediu para nascer". Pois. O que encerra esta argumentação? É simples: todo um projecto eugénico à luz de determinadas disciplinas psicológicas (que Foucault já denunciou como "estado terapêutico"). O que esta senhora afirma não é somente o direito da mulher pôr fim a uma gravidez - a questão que está no referendo -, mas o facto de que para uma criança nascer ela tem de preencher determinadas condições (que neste caso são o desejo e o afecto da mãe pelo bebé e um projecto - depreende-se que se trate de um projecto de vida, expressão aliás utilizada por outra iluminada cabeça, o Prof. Quintanilha, numa entrevista à RTP). Se a gravidez não reunir estas condições, para a Drª Teresa Sá e outras doutoras, está aí o aborto, já não como um recurso mas como uma obrigação. Não estou a inventar: há uns anos outra doutora, também psicanalista, defendia que as mulheres toxicodependentes deveriam ser impedidas de ter filhos. É disto que se trata na argumentação desta doutora. Já não é o direito à escolha, estamos perto de formas de aborto eugénico. Com a prevista vitória do "sim", teremos um cenário onde o aconselhamento sobre o aborto, mas sobretudo o seu encorajamento ou mesmo coacção será feito por psicologas, assistentes sociais e outros técnicos/as do "estado terapêutico" que vão decidir quais as crianças que reúnem as condições para nascer e aquelas que devem ser abortadas. Assim as toxicodependentes (de quem ninguém se lembra que são presas e humilhadas porque cometem crimes para comprar uma substância quimica sem a qual a sua vida se transforma num inferno), as crianças concebidas em familias problemáticas, as mães do rendimento mínimo, etc. Assim, por eugénia, talvez se chegue à sociedade sem classes, onde todos são felizes, bonitos, jovens, saudáveis, cultos, realizados, amados, etc. Práticos e burgueses, vivendo na utopia socialista que nem Sócrates sonhou.

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