sexta-feira, fevereiro 15, 2008

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Bénédicte Houart


engoli uma gaivota anteontem
tinha um travo a mar muito suportado essa gaivota que
já lá vai
despenhando-se garganta abaixo
um acidente tão desejado
num pequeno corpo tão desastrado
embora por vezes uma gaivota desatine
ou quase
a alegria do afogado quando regressa à tona de água

Bénédicte Houart, Reconhecimento, Angelus Novus e Cotovia, col. Inimigo Rumor, 2005, p. 13.

Bénédicte Houart nasce na Bélgica em 1968. Foi docente de Estética na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Reconhecimento é o seu primeiro, e até agora único, livro de poesia.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

PHILIP LARKIN


JANELAS ALTAS

Quando vejo um casal de miúdos
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diafragma ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso

Com que os velhos sonharam toda a vida -
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem debulhadora fora de moda,
E toda a gente nova a descer pelo escorrega,

Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isto é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,

Ou medo do inferno, ou ter de esconder
do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros?
E de imediato,

Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.

Philip Larkin, Janelas Altas, Trad. de Rui Carvalho Homem, Cotovia, 2004, p.45