domingo, março 30, 2008

JORGE LUIS BORGES


Os Borges

Nada ou bem pouco sei dos meus maiores
Portugueses, os borges: vaga gente
Cumprindo em minha carne, obscuramente,
Seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se não tivessem sido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente fazem parte
Do tempo e da terra e do olvido.
Melhor assim. Cumprida a sua ideia,
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E ao mar se deu e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura estar desperto.

in O Fazedor, Obras Completas II, ed. Teorema, 1998, Trad. Fernando Pinto do Amaral, p. 206

terça-feira, março 18, 2008

DIOGO PIRES AURÉLIO


RELER DURREL




sugiro o verão para as grandes metáforas do saber
as intermináveis certezas de um só dia apavoradas
p'lo cair da tarde em meio do labirinto
à hora em que desperta o minotauro e o cio enreda
cada frase em mil projectos de minúcia

á beira ti o verso é mais precário e o tempo
das falésias se desprende em símbolos antiquíssimos
desfaz a teia de penélopes traindo enquanto esperam
outros rumos nos incautos remos do dizer

e se eu disser que os peixes se dissolvem
no azul inclino a fala para outras
mais subtis razões que o vinho ou a quimera esquecem
no bater de cada sílaba e no susto que a percorre

in A Herança de Holderlin, Assírio & Alvim, 1978, pp. 15-16


Diogo Pires Aurélio nasceu em 1946. É professor universitário de filosofia e ensaista. A Herança de Holderlin é o seu único livro de poesia. Em 1984 publicou um livro de crítica literária, O Próprio Dizer (IN-CM, col. Plural).

segunda-feira, março 03, 2008

MARIA GABRIELA LLANSOL (1931-2008)


Maria Gabriela Llansol era não só uma escritora hermetica, mas de difícil classificação. Digamos que estava nas margens da literatura, não porque tivesse uma qualquer atitude marginal (como Luiz Pacheco), mas porque o seu texto, de difícil classificação entre o romance, o ensaio, a poesia e o diário, a colocava num lugar estranho na literatura portuguesa contemporânea (apesar de ter recebido por duas vezes o prémio de romance e novela da APE). O texto llansoliano alimentava-se de figuras históricas de vário tempo e lugar como Bach, Pessoa, Eckart ou Espinosa. "A rapariga que temia a impostura da língua", na expressão de Eduardo Prado Coelho, iniciou a sua actividade literária em 1962 com a obra Os Pregos na Erva a que se seguiram cerca de três dezenas de títulos, o último dos quais Os Cantores da Leitura foi publicado no ano passado. Mais sobre Maria Gabriela Llansol no blogue Espaço Llansol