sexta-feira, agosto 29, 2008

COPY & PASTE (1) - A. Guerreiro sobre Agamben


Para percebermos o alcance deste ensaio de Agamben [Bartleby - escrita da potência], devemo-nos referir a um dos seus conceitos mais recentes: o de «inoperosità», inoperância, o processo que consiste em desactivar a obra, seja ela humana ou divina, Não se trata de uma inacção, mas da actividade de desactivar. Isso é, no fundo, o que faz a poesia, que desactiva a linguagem da comunicação; e esse é também o dispositivo ético que Agamben propõe para tornar inoperantes as operações da máquina despolitizada da economia do poder. A inoperância, diz algures Agamben, é a substância política do Ocidente. Só ela é capaz de restituir a linguagem de que fomos expropriados. Bartleby, com a sua fórmula, é a figura dessa restituição.

António Guerreiro, "A potência da linguagem", excerto da recensão a Bartleby - escrita da potência de Giorgio Agamben, Expresso-Actual de 23.08.2008, p. 26

sexta-feira, agosto 01, 2008

É O FIM?


Hoje, pela primeira vez em 140 anos, O Primeiro de Janeiro não saí para a rua. Em editorial, na edição de ontem, a directora, Nassalete Miranda, despede-se “até para a semana”, mas tudo indica que a regressar o jornal apenas volte em Setembro como diário gratuito depois de uma reconversão gráfica. Para já foram despedidos os 30 trabalhadores do jornal, ainda com salários em atraso.
Durante anos, sob a direcção de Manuel Pinto de Azevedo (director entre 1946 e 1976), o PJ foi um dos principais jornais portugueses, opositor ao salazarismo. Nos anos 80 o jornal entrou em decadência, de que resultou um despedimento em larga escala em 1991 e a iminência do encerramento do jornal. Adquirido pelo empresário Eduardo Costa, o jornal têm nos últimos anos tentado recuperar algum do seu passado glorioso. Está neste caso o suplemento “Das artes, das letras”, publicado à segunda-feira, que pode ser considerado o único suplemento literário da imprensa portuguesa. De facto, o Janeiro acolheu nas suas páginas alguns dos maiores escritores portugueses. E pelo jornal que esteve durante décadas sediado num magnífico prédio da rua de Santa Catarina, no Porto, onde hoje funciona mais um centro comercial do grupo Sonae, também passaram alguns dos melhores jornalistas de Porto.
Depois do encerramento, há três anos d’ O Comércio do Porto, jornal igualmente histórico para a cidade do Porto e para o país, e de A Capital, espera-se que o Janeiro apareça em Setembro.

FERNANDO GUERREIRO


AS CINZAS DE LENINE

Será desculpável a facilitação do discurso? A ligeireza
com que as águias passam, deixando cair as suas penas
sobre as acabrunhadas raízes (e ruínas) do absoluto?!
A partir de que ponto se altera (perde) o pensamento?
Quantas vezes é preciso repeti-lo até ele se constituir
como um símbolo capaz de assolar o futuro? Marx refere-se
ao «espectro do comunismo» (no Manifesto, em 1847) e tanto
para Burke (Reflections) como para Michelet (Le Peuple)
o fantasma da História reveste a forma de uma sanguinária
Medusa. Mas era verdadeiro o seu Terror face ao que ante
os seus olhos acontecia: o abismo que tornava o raciocínio
sempre inconcluso. Da mesma forma, as cinzas da Revolução
o nosso imaginário ainda perturbam. Putrefacta, seria mais
acessível à repulsa? É neve, neve, que o cérebro nos atulha,
enquanto lá fora os pássaros voam baixo, à procura
das sementes que nos resguardem do futuro.

Fernando Guerreiro, Toeria da Revolução, Angelus Novus Editora, 2000, p.31