quinta-feira, maio 06, 2010

JOSÉ CARLOS BARROS


As páginas dos romances


Arriscávamos o salto mortal
voando com uma venda nos olhos
dos andaimes para o monte de areia da póvoa.
As obras da escola eram a nossa perdição:

as fasquias de alumínio, o ondulado de luzalite
das coberturas, o entulho, o ressalto
exacto do encaixe das tijoleiras, o pó quase de talco
dos sacos de cimento da cimpor. Nos sábados

à tarde erguíamos muros no combarro com tijolo
de quinze, marcávamos com estacas de pinho
o perímetro exterior do pavilhão, ligavamos a betoneira
a olhar em sobressalto os movimentos oscilatórios

do balde. Penso que era assim. Às vezes
pergunto o que fica dos livros, o que pertence
e não pertence à literatura, o que acrescentaram
à nossa vida as páginas dos romances.

José Carlos Barros, Resumo: a poesia em 2009, Assírio & Alvim, 2010, p. 70.


José Carlos Barros não é, ao contrário do que um leitor menos atento possa supor, um jovem poeta estreante. Nasceu em 1963 em Boticas. O primeiro livro de JCB, Pequenas Depressões, em colaboração com Otília Monteiro Fernandes, foi publicado em 1984. Seguiram-se mais cinco livros de poesia, em edições o suficientemente discretas para passarem despercebidas. Publicou os livros em prosa O Dia em que o Mar Desapareceu (2003) e O Prazer e o Tédio (2009). Nos anos oitenta foi um dos principais colaboradores do suplemento juvenil do Diário de Notícias, o DN-Jovem. Recentemente venceu o prémio de poesia Sebastião da Gama, com o livro, ainda inédito, Os Sete Epígonos de Tebas. O poema aqui apresentado foi publicado originalmente no nº 3 da revista Criatura, revista mantida por alguns jovens poetas como António Ramos Pereira, David Teles Pereira, Diogo Vaz Pinto ou Ana Salomé. É autor do blogue Casa de Cacela

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