sexta-feira, dezembro 23, 2011

O QUE DIZEM JORNAIS


Ler jornais, nesta altura do campeonato, pode tornar-se num acto deprimente, algo que pode levar-nos ao psiquiatra em busca de Prozac ou mesmo à psicanalista para nos levantar a libido (vd. Um método perigoso de David Cronenberg, um filme medíocre). Se Henrique Raposo, no Expresso de hoje, se queixa que as redacções dos telejornais estão cheias de perigosos esquerdistas que deturpam as palavras do nosso querido líder, já Pedro Lomba, no Público de ontem, arremete contra o deputado socialista Pedro Nuno Santos que terá dito que “se está a marimbar para os credores”. O argumento de Lomba é moral, e parece ser esse o novo argumento da direita portuguesa: temos que pagar a dívida, nem pensar em não o fazer, senão o que somos? Caloteiros, uma nação sem moral, sem crédito (no amplo sentido da palavra). Ora Lomba, como a restante direita, esquecem-se do exemplo da Islândia. Esquece-se Lomba e esquecem-se os telejornais, que na realidade não passam de pasquins tablóides obedecendo a Relvas e Balsemão e Pais do Amaral. Mas a direita no poder e o seu séquito mediático (cujo exemplo maior é Medina Carreira, na TVI, em quem deve ter encarnado o espírito de Salazar) teimam em achar que devemos pagar a dívida aos usurários da troika – e nem pensar em renegociar. Uma dívida que tem um juro de 44 por cento.
Vasco Pulido Valente é o expoente máximo da asneira na opinião publicada em jornais portugueses. Embora por vezes pareça padecer de uma demência senil, é sobretudo um profundo ódio e ressentimento contra Portugal e os portugueses que o movem nas crónicas da última página do Público ao fim-de-semana. Ao seu lado estão Maria Filomena Mónica e António Barreto. Se detestam assim tanto Portugal, porque não emigraram, porque não ficaram pela tão amada Inglaterra ou Suíça? A resposta é simples: lá não seriam ninguém, nem as universidades desses países lhes dariam lugar. Alguém que emigrou, acabando por se tornar professor numa universidade da província em França, foi Eduardo Lourenço. Lourenço vivendo entre França e Portugal, abraçou a neurose da portugalidade, algo que consiste em escrever sobre um assunto tão inefável como o que é ser português. Lourenço que queria ser romancista, mas escreve entre o ensaio e a filosofia, ganhou o prémio Pessoa 2011, do qual foi júri durante alguns anos. Lourenço escapou à mal afamada filosofia portuguesa, mas vai dizendo estas preciosidades tão ao gosto dos jornalistas: “Há uma frase de Nietzsche que gosto de recordar porque é muito crística e que diz que ‘só’ os túmulos conhecem a ressurreição. Portugal desceu ao túmulo. A história de Portugal é muito curiosa. Aí se vê a nossa tendência milagrenta. De que Portugal assenta num milagre”.
Podia continuar, mas já vai longo o post. Com jornais destes, de referência, propriedade dos senhores Azevedo e Balsemão, o melhor é ler jornais desportivos. Talvez se encontre a afirmação, de um treinador ou futebolista, que determinada vitória assentou num milagre.

terça-feira, dezembro 20, 2011

QUERIDOS LÍDERES

(Pedro Passos Coelho)
(Kim Jung-un, 29 anos, novo líder da Correia do Norte)
(Angela Merkel, Chanceler da Alemanha desde 2005)
(Raymond W. McDaniel, CEO da Moody's)
(Stephen W. Joynt, CEO da Fitch)

(Douglas L. Peterson, CEO da Standard & Poor's)

quarta-feira, novembro 30, 2011

PAULO DA COSTA DOMINGOS


Um cordão policial, na socialização
da falência, debrua as sanefas.
Julga-se que a lógica é
salvar os ricos e esperar

que eles deixem cair,
dos seus sacos a abarrotar
de dinheiro, algum
na praça pública.

***

Coragem. Simulacro por
simulacro, qualquer um pode
ter um brinquedo destes
para sair ao domingo. Só que

com menos motor, menos ideias.
Talvez por decreto d'óbito e
acordo da cristandade e de outros
ela morra: a economia de mercado.

Paulo da Costa Domingos, Averbamento, & etc, 2011.

quarta-feira, novembro 02, 2011

AFONSO CRUZ


A visão do céu era ainda mais fantástica do que aquela que tinha tido no balão de observação durante a Primeira Guerra Mundial. As pessoas eram ainda mais pequenas e chegavam mesmo a não existir. Quanto mais se sobe, mais as pessoas desaparecem. Os governos não sabem que as pessoas existem, de tão em cima que estão. Falam do povo, mas é uma entidade abstracta, tal como nós falamos de Deus. Ninguém, lá do alto da governação, sabe se o povo realmente existe, é uma questão de fé. Chega-se até a descrever as suas características e a temê-lo, mas nunca ninguém o viu, senão uns místicos que desceram ao nosso nível e que acabaram descredibilizados e ridicularizados. O místico diz que o povo sofre e que é preciso mais justiça e que cada pessoa tem uma vida e não são uma Unidade, mas que são, isso sim, pessoas realmente separadas umas das outras, com existência própria. Ele, como um profeta do fim dos tempos, avisa os seus congéneres de que o povo pode ser perigoso e pode derrubar coisas muito altas. É preciso não esquecer, diz ele com o dedo esticado para baixo, que, por mais alta que seja uma árvore, o seu tronco mantém-se ao alcance de um machado. Mas ninguém dá ouvidos ao mistico que viajou até à terra e a sua carreira política termina imediatamente e de forma ultrajante.

Afonso Cruz, O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, Caminho, 2011, pp.147-8

sábado, outubro 22, 2011

O PIOR POEMA DA LITERATURA PORTUGUESA


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

Nota: é evidente que há muitos maus poemas, mesmo entre os poetas canónicos da literatura portuguesa, mas a cacafonia do primeiro verso associada à ideia e, sobretudo palavras (alma, minha, gentil, partiste), têm dado um forte contributo para o ódio à poesia, aprendido nas escolas por sucessivas gerações.

sábado, outubro 15, 2011

15O - INDIGNAÇÃO MUNDIAL

Lisboa
Zurique
Hong Kong
Sidney
Hong Kong
Seul, Coreia do Sul
Barcelona
Madrid
Roma

(Fotos do Diário de Notícias, The Guardian, El Pais, agências)

sábado, setembro 03, 2011

ANIQUILAR UM PAÍS



O que este governo se prepara para fazer com o anúncio de novas medidas de austeridade que vão além das medidas exigidas pela "troika" é destruir um país. Um país é feito de pessoas, o governo de Sócrates fez tudo para tornar o interior de Portugal num deserto - fecho de escolas, centros de saúde, etc. O Governo de Passos Coelho - que é bom lembrar é o responsável pela situação a que Portugal chegou ao não procurar um entendimento com Sócrates -, prepara-se agora para aniquilar este país. Pelas mãos deste ministro das finanças Portugal será incinerado, sacrificado como um cordeiro perante os deuses dos mercados e as agências de rating - afinal é para eles que este governo executa estas medidas que a prazo vão destruir a economia portuguesa. Mas a economia, na sua pulhice, é o menos. Os cortes na saúde são criminosos porque vão levar a um aumento da mortalidade.O ministro da economia sabe do que fala quando diz que serão tomadas medidas nunca tomadas antes de 1950. Ora em 1950 estavamos em pleno salazarismo. É para lá, como que viajando no tempo, que este governo quer conduzir a vida dos portugueses. E os portugueses que votaram em Passos Coelho e em Portas, o que fazem perante a aniquilação do seu modo de vida? Nada, simplesmente nada, como se tudo fosse um fatalismo, um fado. Alguns regressados de férias, e enquanto não são despedidos, vivem como se nada se passasse, como se nada fosse com eles, habituados a informar que nada é ali - é no outro guichet, na outra repartição, na outra loja, num outro país, talvez mesmo num outro planeta.

quarta-feira, agosto 31, 2011

JOÃO URBANO





Introduziu, no regresso a Lisboa, uma cassete no rádio-gravador a ver se punha no ar um som de jeito. A cassete nem ia para a frente nem para trás. Parou numa estação de serviço para reabastecer. Aquele era um lugar de passagem, um não-lugar quase desolado, apesar do brilho dos néones. Quando se fez de novo à estrada o gravador pôs-se a funcionar sem porquê e derramou tons crus de guitarra, um baixo rápido a saturar, uma batida quase desconexa e uma fina cobertura de vozes andróginas e vaporosas. Pouco depois percutia um dos temas de Closer dos Joy Division. A precipitação das batidas, um tamborilar em pequenas quedas de água, a guitarra plangente de caos e This is the way, step inside a sair das goelas ternas de Ian Curtis, tudo num estrugido demorado, em câmara lenta, o que o transportou para um estado raro de turbulência. Porra, vivia no melhor dos mundos.

João Urbano, Romance Sujo, UR, 2010, pp. 103-104

quarta-feira, agosto 10, 2011

A POLÍTICA FAZ-SE NA RUA

















Aquando das manifestações no Norte de África (Praça Tharir e outras) o Ocidente aplaudiu. Mas agora a revolta chegou a Londres e outras cidades inglesas e o PM inglês, como vários dos comentadores que apoiaram as revoltas àrabes não gostam desta revolta de "vandalos". Pode ser até que alguns sejam vandalos, mas ao ponto em que as democracias ocidentais chegaram, dominadas pela pulhice financeira, estes "Punks" (punk is not dead, pode-se dizer por estes dias) manifestam o seu nojo pelo estado em que as democracias definham. Fazer política também é isto. Ameaçar com a prisão estes "vandalos", utilizando mecanismos de vigilância dignos de um Big Brother (o de Orwell), como Cameron fez é uma atitude muito próxima de um ditador encurralado.

terça-feira, julho 12, 2011

TERRORISMO FINANCEIRO



Para os criminosos da Moody’s e restantes agências de rating, o mundo em breve será uma lixeira. Talvez os ecologistas, por motivos bastante diferentes, concordem. Mas ou os Estados reagem perante o terrorismo financeiro das agências de rating, como reagiram perante o terrorismo da Al Qaida, ou estas agências vão aniquilar país por país. A Grécia, onde se fundou a civilização em que vivemos está a ser o primeiro país a ser aniquilado; segue-se Portugal, a Irlanda, a Itália, e por ai fora. O que o terrorismo Islâmico não tem conseguido fazem-no as agências de rating e os mercados.

sábado, junho 18, 2011

ASSALTO AO PODER





Quando Pedro Passos Coelho sucedeu, no início de 2010, a Manuela Ferreira Leite na liderança do PSD, e Portugal estava ainda longe de pedir ajuda externa mas já na mira das agências de rating e dos seus interesses ocultos, o actual primeiro-ministro indigitado colocou-se à disposição de colaborar com o governo de Sócrates. Durou pouco tempo o par de tango. Passos abandonou a postura de estado que a situação exigia e iniciou a ascensão para ocupar o cargo dos seus sonhos, ser primeiro-ministro. Em Novembro, aquando da aprovação do Orçamento de Estado, o país ficou pendente da decisão do líder do PSD. Passos mostrava a sua força, encurralando Sócrates e dando sinais para o exterior de uma previsível crise política. Os juros da divida pública subiam à medida que as agências de rating iam desvalorizando Portugal. Já este ano, em Fevereiro, o BE apresentou uma moção de censura que o PSD não votou. Mas Passos não perdeu por esperar: aproveitando a aprovação do PEC IV retirou legitimidade política a Sócrates, levando-o à demissão. Enquanto na imprensa estrangeira escrevia que o PEC IV era insuficiente, internamente criticava as duras medidas do Plano de Estabilidade. A inviabilização do PEC IV levou a uma subida insustentável dos juros da divida externa e ao consequente pedido de ajuda externa pelo governo de gestão.
Para ser primeiro-ministro Passos Coelho apenas tinha que se manter na liderança do PSD e criar uma situação que levasse a eleições antecipadas. Ao projecto pessoal de Passos juntaram-se uma série de interesses económicos e financeiros que a participam de Belmiro de Azevedo num dos últimos comícios do PSD resume. Passos Coelho chegou ao poder e para isso atirou com o país ao tapete. É num jogo bastante perigoso que a direita ultraliberal e os grandes interesses económicos estão a lançar Portugal: o da bancarrota. Mas é também perante a perspectiva da bancarrota, perante esta ameaça, que a direita se prepara para transformar Portugal, fazendo regredir as políticas sociais ao nível do Estado Novo. Este governo, cujos ministros foram agora anunciados, é o exterminador do estado social. Veja-se o caso do ministro da saúde: Paulo Macedo é um eficaz quadro do BCP (tão eficaz que era um dos nomes apontado para a pasta principal do governo, as finanças) onde administrava a principal seguradora médica portuguesa, a Médis. Ora esta nomeação de um administrador de uma seguradora no ramo da saúde para ministro da saúde deveria levantar logo um problema ético. Mais: deveria existir legislação para impedir esta promiscuidade entre pessoas que representam interesses privados e depois passam, como governantes, a ter capacidades de decisão política na área de interesse que representavam. Mas a missão de Paulo Macedo é acabar com SNS, assim como a de Pedro Mota Soares (ministro da solidariedade e segurança social, CDS) é acabar com o rendimento social de inserção, e a missão de Álvaro Santos Pereira (economia e emprego) é facilitar ao máximo os despedimentos (algo aliás exigido pela troika).
Pedro Passos Coelho conseguiu realizar o seu sonho de criança. Ao Financial Times não hesitou em dizer que os próximos anos serão terríveis. Em breve os portugueses que votaram PSD vão arrepender-se de o terem feito e vão sussurrar de novo a ladainha dos políticos “que o que querem é tacho”. Sussurrar ou gritar, faz toda a diferença. Porque a partir de agora a política vai estar na rua, nos espaços públicos. Contra a ditadura da troika, contra um governo que pretende ir além das medidas dessa ditadura.

(A imagem foi retirada de
http://antonio-mp.blogspot.com/2010_05_01_archive.html)

sábado, junho 04, 2011

ELEIÇÕES OU A MANIPULAÇÃO PELAS SONDAGENS



Quem chegasse a Portugal na passada sexta-feira, ao olhar para uma banca de jornais e ler a manchete do Expresso, julgaria que as eleições já se tinham realizado na passada terça ou quarta-feira e o novo primeiro-ministro português era o líder do PSD Passos Coelho que estava a formar governo com Paulo Portas e talvez o PS. Olhando um pouco para os outros jornais facilmente tomaria os gráficos das sondagens por resultados eleitorais. Num café ou restaurante, o nosso visitante, espanhol ou italiano ou de outro pais, com médios conhecimentos de português, ao ouvir os comentários de uma SIC-Notícias, RTPN ou TVI 24, reforçaria a ideia de que as eleições se tinham realizado num dia desta semana e que a direita tinha conquistado mais um pais europeu. Tudo isto é absurdo, contrário a qualquer espírito democrático, mas foi o que se passou nos últimos dias de campanha. Os vários meios de comunicação social tomaram a virtualidade de sondagens pouco representativas pela realidade. A manchete do Expresso é sintomática de tudo isto. O desejo estúpido de banir Sócrates do governo foi tomado por realidade antes de o ser. Mas não só: os média, cujos patrões têm interesse num governo de direita (o fundador do PSD é o patrão do grupo que detém o Expresso, a SIC, a Visão e outros média, enquanto o líder da Sonae é proprietário do Público) tentaram – e possivelmente vão conseguir – criar uma realidade que apresentava a vitória do PSD como um facto adquirido. Neste sentido as eleições que se realizam hoje não são senão uma confirmação, um plebiscito, às sondagens que diariamente apareceram nos meios de comunicação. Estas eleições são um case study sobre a forma como o jornalismo, as empresas de comunicação social e as empresas e universidades responsáveis pelas sondagens manipularam a opinião pública como há muito tempo não acontecia, ou talvez nunca tenha acontecido em Portugal.
A manipulação da opinião pública não se faz apenas através dos números, mas do discurso que enforma esses números. Aqui cabem três actores: o jornalista que elabora a peça sobre a sondagem, e que foge a sete pés da obrigatoriedade legal de ter que ler ou publicar a ficha técnica da sondagem, o especialista em sondagens e o comentador. Este último é uma espécie que se tem reproduzido, ocupando cada vez mais tempo de emissão, podendo facilmente ser equiparada a comendador, uma espécie de comendador Acácio (personagem de Os Mais). O comentador / comendador não diz senão algumas evidências, verdades de La Palice, mas goza da autoridade de uma sibila. Não existe grande diferença entre o que diz um comentador e o que diz um taxista. Os comentários do último são muitas vezes mais inteligentes. Mas o comentador existe com o pressuposto de que os espectadores são acéfalos, cabeças vazias a quem tem que ser revelada a verdade. O comentador toma o lugar do profeta ou num tom menos grandiloquente, da bruxa; ele anula, ao esboçar cenários, qualquer possibilidade de um político precisar de recorrer ao professor Bambo. O último actor nesta manipulação é o especialista e responsável pelas sondagens. Este só dá a cara na emissão especial das eleições para corrigir e comentar a última sondagem, aquela que foi feita no próprio dia das eleições para que as televisões às 20h00 possam anunciar o próximo primeiro-ministro. Se a sondagem falha é muito mau. Se hoje, quando começarem a ser conhecidos os resultados reais – os das eleições –, estes não coincidirem com os das sondagens é porque algo falhou. Mas como nada costuma falhar, as eleições apenas servem para confirmar as sondagens. Aliás as eleições são algo dispendioso que podia ser dispensado. Em vez de eleições podia-se distribuir os deputados pelo novo parlamento através do rigor de uma sondagem. Mas os portugueses são obedientes e a estatística uma ciência exacta.
Dito isto, importa ainda dizer algo óbvio: seja qual for o governo saído destas eleições (ou direi melhor sondagens) o seu programa já está definido: é o plano da troika (FMI/BCE/UE). Isso foi quase totalmente ignorado nesta campanha, não só porque convinha aos partidos que querem o poder, mas porque os meios de comunicação social assim o quiseram.

quarta-feira, junho 01, 2011

A IMPOSTURA DA DECO



A DECO é uma das entidades que goza de maior prestígio em Portugal. Não sendo a única associação de defesa de consumidores, aparece como a única. Deve figurar nas agendas das redacções dos vários média como única – qualquer questão relacionada com consumo leva o jornalista à DECO. Há em volta da DECO uma aura de credibilidade, de quase santidade. No fundo a DECO é a boa da fita que defende o pobre do cidadão, e o cidadão pobre, contra as grandes empresas sem escrúpulos. Ora esta é uma falsa ideia, uma ideia feita, mas sobretudo trabalhada por uma agressiva estratégia de marketing. Um conto do vigário disfarçado de conto de fadas.
Quem já recebeu na caixa de correio cartas ou mails da DECO – Proteste facilmente percebe o tom de agressividade que esta alegada associação de defesa do consumidor usa. Ou para ser mais claro, a lata. A lata de enviar mails onde se oferece, na assinatura da revista Proteste, um “medidor de distâncias digital” (que raio de bicho será esse?), onde tudo é “gratuitamente e sem compromisso” – um mundo que toma por acéfalos os consumidores. Ora como pode uma associação de defesa dos consumidores fazer isto? Como pode uma alegada associação de defesa dos consumidores ter parcerias com empresas como a Bosch, disponibilizar (no mesmo sentido que o fazem os bancos) um cartão de crédito, uma conta poupança-reformado em parceria com o banco Nova Caixa Galicia, outro “protocolo” com o Banco Carregosa para corretagem on-line. São várias as empresas e serviços que a DECO “oferece”. Ora qual é a isenção que uma associação de defesa do consumidor pode ter ao associar-se com estas empresas? Nenhuma, como é evidente.
A verdade é que a DECO não é uma associação de defesa dos consumidores. É uma fraude, uma impostura, uma farsa. A DECO é hoje uma empresa, oferendo vários tipos de serviços - desde financeiros a saúde - em parceria com outras empresas, que disfarçada de associação de defesa dos consumidores “construiu uma sólida credibilidade junto da generalidade dos portugueses e, muito particularmente, dos órgãos de comunicação social”. Precisamente: um tal capital junto dos meios de comunicação não podia ser desperdiçado na defesa dos consumidores. Torna-se, agora, imperioso desmascarar esta impostura.

sexta-feira, maio 06, 2011

A DITADURA ECONÓMICA



Os chamados mercados financeiros, comandados pelas agências de rating, com a ajuda da oposição que vetou o PEC IV, conseguiram instaurar uma ditadura em Portugal, 37 anos depois do derrube do Estado Novo. De facto, o que são as imposições feitas pela troika (FMI, BCE, CE) senão uma ditadura? Como pode o próximo governo governar se tem que se reger pelas imposições da troika? Mais: para que servem as próximas eleições se, como todas as sondagens apontam, o partido vencedor (PS ou PSD) não terá maioria, mas a troika exige que o próximo governo seja maioritário – e aqui surge um problema: como fazer com que Sócrates e Passos Coelho se entendam para a formação de um governo maioritário (um governo PSD + CDS possivelmente não terá maioria e um entendimento do PS com o BE e o PCP parece algo de completamente impossível). Perante este cenário, que o presidente da república nada fez para contrariar – antes parece ter fomentado – , Portugal, como já anteriormente a Grécia e a Irlanda, tornam-se alvos e reféns de uma determinada perspectiva economicista que está a minar as democracias parlamentares.
A economia, os mercados financeiros, a globalização estão a tornar as sociedades reféns de estúpidos critérios económicos onde lentamente as populações vão perdendo os seus direitos e as suas liberdades. São retrocessos civilizacionais num mundo idiota onde a única ideologia é o dinheiro acumulado por grandes empresas e empresários. E esse dinheiro, já incontável, de nada serve senão como afirmação de poder. Perante este “horror económico”, perante esta nova forma de ameaça à democracia chegou a hora de dizer BASTA. Mas um BASTA suficientemente sonoro que rompa os tímpanos da alta finança, que paralise a máquina financeira. Ou o mundo ocidental se congrega em força contra a nova ordem económica ou passamos todos a viver sob uma ditadura económica. Portugal já está nesta situação (juntamente com a Grécia e a Irlanda), outros países estão na mira das agências de rating.

terça-feira, abril 12, 2011

FMI


Hoje foi dia importante para o Silva e para o Coelho e restantes estarolas. Pena os foguetes que o Silva tinha preparado estarem molhados: o caniche da Carmelinda Pereira mijou neles. Hoje foi o dia tão esperado em que os senhores do FMI entraram em Portugal. “Que saudades eu tinha destes senhores. Vão pôr o povo em ordem”, disse Silva. “E eu vou poder despedir metade dos meus empregados e a outra metade reduzir os salários em metade” disse o Belmiro. “Pois é. Vamos ser todos mais felizes com o FMI. E eu finalmente vou ser primeiro-ministro, o meu grande sonho desde que fui desmamado. Onde estão os banqueiros?”, disse o Coelho.

terça-feira, março 15, 2011

A POLÍTICA SAIU À RUA











Sábado, 12, a política saiu à rua. Não foi uma manifestação de uma geração, foi a manifestação de muitas gerações. É rara esta espontaneidade, esta vontade de fazer da rua o lugar da política contra as instituições.

terça-feira, março 08, 2011

A CANÇÃO COMO ARMA HILARIANTE


Os Homens da Luta ganharam o Festival RTP da Canção. Algo escandaloso, que provocou o abandono da sala por parte de muitos espectadores. Mas, como salientaram Gel e Falâncio, foi o povo que votou - e o voto do povo veio desestabilizar a previsibilidade de um festival entre o nacional cançonetista e a música pimba. Os Homens da Luta não são cantores de intervenção como na sua altura foram José Afonso ou José Mário Branco. Os tempos são outros (mas muito parecidos com os de há 30 anos atrás), mas a canção de certa forma continua a ser uma arma – veja-se o caso dos Deolinda. Ao contrário de outros tempos a canção é uma arma hilariante: é pela ironia e pelo humor que hoje se pode intervir politicamente; é criando situações inesperadas (como os Homens da Luta já fizeram na últimas legislativas) que se conseguem efeitos políticos. Agora os Homens da Luta vão à Alemanha, mandar “a Merkel à merkel”.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

MILAN KUNDERA


Uma dezena de anos mais tarde, recentemente emigrado, conversava em França com um jovem que de repente me perguntou:«Gostas de Barthes?» Nesse tempo, já não era ingénuo. Sabia que estava a submeter-me a um exame. E também sabia que Roland Barthes já nessa altura figurava à cabeça de todas as listas de ouro. Respondi:«Com certeza que gosto. E gosto! Está com certeza a referir-se a Karl Barth, não é verdade? O criador da teologia negativa! Um génio! A obra de Kafka é inconcebível sem ele!» O meu examinador nunca ouvira o nome de Karl Barth mas, atendendo a que eu o relacionara com Kafka, o intocável dos intocáveis, nada mais tinha a dizer. A discussão derivou para outros temas. E eu fiquei contente com a minha resposta.

Milan Kundera, Um Encontro, D. Quixote, 2011, p. 56

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

PRAÇA THARIR


Nos últimos dias a Praça Tharir (Praça da Libertação) tem sido o ponto para onde convergem todos os manifestantes contra o regime de Mubarak. (Ontem apareceram os manifestantes pró-Mubarak, o que resultou em inevitáveis confrontos, com pelo menos 5 mortos e 800 feridos). A Praça Tharir, no Cairo, é o Egipto; é como se um país imenso se transformasse apenas numa praça, ai joga-se tudo politicamente. Dos edifícios junto à Praça da Libertação a comunicação social de todo o mundo observa a multidão, os confrontos. Como num teatro. Os militares assistem sem intervir.
Nestes dias a Praça Tharir tornou-se num misto de Agora grega e teatro. Aqueles que acedem à Praça transformam-se nos cidadãos, mas não os cidadãos como na antiga democracia grega que discutiam os assuntos da cidade. É através da sua presença física contra um regime fraudulento e ditatorial que os manifestantes se tornam cidadãos, homens e mulheres dispostos a tudo, inclusive a sacrificar as suas vidas. Fazer política num regime ditatorial implica arriscar o corpo (à tortura, às balas, ao cansaço, etc), é a vida de cada um que se joga. Foi assim em Tianamen há vinte anos, é agora – para já de forma diferente – na Praça Tharir.

segunda-feira, janeiro 31, 2011

Catarina Nunes de Almeida


Três moças cantavam d'amor
os braços debulhados dispostos no lençol.

A casa era um corpo
invertebrado.
Um bicho sem concha
à sombra das coxas mas moças
que d'amor cantavam

e sobrevoavam o linho
de pernas para o mar
uma de dentro da outra para dentro da outra

e trocavam de sapatos
e teciam véus e vulvas
como quem ensaia a perfeição de um delito.

***

Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago u eu vi andar
a las aves meu amigo.

Vamos carregadas de braços
lavrar as aves tardar nas aves
do meu amigo.

Vamos, irmã, vamos folgar
pingar com as aves
nós duas estreitas
para o amigo.

Vamos carregadas de noites
acender as aves pousar as aves
boca a boca
no amigo.

Catarina Nunes de Almeida, Bailias, Deriva, Porto, 2010, pp. 14 e 15.

Catarina Nunes de Almeida nasceu em Lisboa em 1982. Licenciada em Língua e Cultura Portuguesa pela FLUL, foi docente na Universidade de Pisa (Itália).Como poeta estreou-se com o livro Perfloração (Quasi, 2006) que obteve o Prémio de Poesia Daniel Faria e o Prémio do PEN Clube Português para a Primeira Obra. Em 2008 publicou A metarmofose das Plantas dos Pés (Deriva) e, no ano passado, Bailias (Deriva) que faz uma revisitação dos Cancioneiros medievais.

terça-feira, janeiro 18, 2011

BASTA


Aníbal Silva, mais conhecido como Cavaco, esteve no poder durante mais de 16 anos. Primeiro como ministro das finanças num governo da AD; depois dez anos, entre 1985 e 1995, como primeiro-ministro, e, finalmente, nos últimos cinco anos como presidente da república. Agora prepara-se para continuar mais cinco anos no poder, se como indicam as sondagens, for reeleito. É altura de dizer Basta. Nunca um político depois do 25 de Abril esteve tanto tempo no poder. Mário Soares que foi por duas vezes primeiro-ministro e outras duas presidente, não deve contabilizar 15 anos. E, no entanto, Soares – como Manuel Alegre – foi sempre um político. E isto faz toda a diferença – ser político, entender o que é a política, algo que herdamos dos gregos antigos. Aníbal Silva tem sido um pára-quedista, um oportunista que aparece apenas para ocupar o poder. Foi assim em 1985 quando aproveitou o desgaste do PS e a entrada de Portugal na então CEE. Qualquer governo que detivesse o poder nesses anos tinha condições para ter sucesso; afinal Portugal voltava a ter dinheiro com as avultadas ajudas de Bruxelas. Mas seria de exigir muito mais que gastar dinheiro na construção de auto-estradas, e Aníbal só soube gastar o dinheiro que caia do céu. Vinte e cinco anos depois (15 depois do fim do governo Cavaco) Portugal continua a ser um dos países mais pobres da União Europeia, que hoje conta com 27 países membros. Ou seja, estamos hoje ao nível de países que saíram de ditaduras comunistas.
Os cinco anos da presidência de Aníbal Cavaco Silva, que têm andado esquecidos do debate desta campanha, foram desastrosos. Comunicações ao país sobre assuntos menores, discursos incongruentes, vetos hesitantes. Mas o mais grave é que um professor catedrático de economia, ao mesmo tempo que é presidente da república, tenha deixado que Portugal seja alvo da ganância dos ditos mercados financeiros. Acresce um pormenor que não é de somenos: Aníbal Cavaco Silva é autor de uma brochura de 25 páginas, entre outros livros de economia, intitulada Os Efeitos Macroeconómicos dos Défices Orçamentais Financiados por Dívida Pública (1986) e outra com o significativo título em inglês de Economic Effects of Public Debt . Ele, deve ser a pessoa melhor preparada em Portugal para evitar a situação em que o país se encontra. Se, nas suas várias passagens pelo poder não fez nada é porque não quis. Porque, no fundo, Cavaco pertence a uma elite que tem um imenso desprezo pelo país onde nasceu e pelas suas pessoas. Essa elite que estudou em Inglaterra ou nos EUA as melhores formas de controlar as populações. Essa elite, com Cavaco à cabeça, o que mais deseja por estes dias é rever os seus colegas do FMI.

(A imagem foi retirada do blogue de João Branco, Entre o nada e o Infinito)

domingo, janeiro 16, 2011

Liberato


À CABEÇADA À TELEVISÃO O CALÃO
(Ás vezes também o desempregado precisa de esquecer o desemprego e que trabalha...)

Há intelectuais e muitas cabeças à cabeçada à televisão.
A mim faz mais impressão, ver, o Televisor na televisão.
Esta pequena indiscrição, deve-se ao facto de um dia ser convidado,
a casa de um casal, pensava eu de amigos,
que tinha o televisor no guarda-vestidos.
Diziam eles que nao gostavam de televisao.
É mentira pensava eu, com as mãos nos bolsos,
que antes vi-os, com os olhos na televisão, no café.
Para mim gostavam de televisão,
o que não gostavam era do Televisor;
senão, porque o tinham fechado no guarda-vestidos?!...
É por estas e por outras que sou pessoa de poucos amigos!


FOGO DE ARTIFÍCIO

Com esta sede, tenho apagado tanto fogo
dentro de mim,
e ainda tenho tanto verde por queimar.
Estas coisas podiam não ser assím;
Podiam-me põr pelo menos no Verão, subsidiado,
qual, guardador de rebanhos a guardar,
do que resta; aqui um pássaro, ali uma árvore,
desta floresta, que o criminoso com a ajuda do tempo
e do empresário, continua a queimar.
Podia ser que com outra política,
nós desempregados, desse-mos conta do recado,
ao fogo posto que o fogo de vista, desta política,
parece continuar a não querer dar.
Que para quem desempregado,
já nem vai nem na festa popular,
só lhe resta roer, assim, os ossos do ofício,
e olhar para o balão que leva no ar o S. João,
a arder nesta noite com Fogo de Artifício.

Liberato, Manual do Desempregado, Edições Mortas, (2007) pp. 8 e 13.