sábado, março 30, 2013

ALBERTO PIMENTA

ao que parece
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta

segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem

os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não

ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem

outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem

por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer

Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca

domingo, março 17, 2013

ZAPING PELA IMBECILIDADE



Vivemos tempos sem qualidades, tempos em que quem detém algum poder, seja no for, é um imbecil. A começar, somos governados por imbecis do calibre de um Vítor Gaspar. Este imbecil junta-se a outros imbecis no eurogrupo, e produz uma decisão que nenhum grupo de mongolóides produziria: um imposto sobre contas bancárias no Chipre como medida de penalização e resgate. Quem manda na Europa? Frau Merkel, uma mulher vulgar, que lembra uma dessas donas de casa estupidificadas pela televisão, castradas pelo tempo no after menopausa, engordando e tomando para si a administração do orçamento conjugal. Assim é Merkel que toma por verdadeira a metáfora de que a Europa é uma casa comum e delira uma vida com um harém de homens com quem vive em conjugalidade económica. O gozo mentecapto de frau Merkel passa pela imposição da máxima austeridade aos cônjuges da “casa comum”. 
Esta imbecilidade que nos governa vem de uma outra imbecilidade que se criou nas últimas décadas – a da sociedade do espectáculo. Ora, nunca como hoje a sociedade do espectáculo, que tem o seu ponto mais alto na omnipresente televisão, foi tão estúpida e imbecilizante. Que um jornal tablóide, especialista na notícia de choque, sensacionalista, como o Correio da Manhã, lance um canal televisivo que pretende adaptar o formato do jornal à televisão, é uma má notícia. Mas pior é perceber que mais cedo ou mais tarde o pouco de imprensa de referência que ainda resta vai fechar. Como será um mundo sem jornais? 
Talvez seja nostalgia. Porque os actuais jornais já nada mais fazem do que se comportarem como cães dóceis. E no meio disto tudo, deste paraíso de imbecilidade e mesquinhez, é sempre a televisão que ganha – o espectáculo e a emoção na “força da imagem”, na tagarelice e na asneira. E aqui entram os comentadores: eles estão por todo o lado, desde os programas da manhã às últimas notícias pela meia-noite. São gente iluminada que tem o dom de saber interpretar as notícias. Mais: eles são capazes de prever o futuro. Numa usurpação de funções ao professor Bambo, o professor Marcelo já anunciou que o Benfica vai ser campeão. Entretanto espera-se na Faculdade de Direito pelo professor Bambo. A astróloga Maya enveredou por outro caminho: recauchutou as mamas e ei-la a apresentar programas de entretenimento para manter os zombies zombies na tal CMTV. Um programa de comentadores/comendadores a não menosprezar pela sua atracção para a asneira é o Governo Sombra. Vindo da TSF, tem agora honras televisivas na TVI 24. A boçalidade está lá representada pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, pelo jornalista João Miguel Tavares (nada como ser processado por Sócrates), pelo crítico literário e poeta (entre outras coisas) Pedro Mexia e por Carlos Vaz Marques, o maior especialista português em interrogar intelectuais depois de um inspector da PIDE de cujo nome não me lembro.

sábado, março 16, 2013

PAULO VARELA GOMES

Era uma vez uma soalheira manhã de quinta-feira. Na Praça Afonso de Alburquerque chilreavam os passarinhos e chilreava também uma fila de turistas japoneses prontos a entrar no Museu dos Coches.
Em frente do Palácio de Belém, onde o presidente reunia com o primeiro-ministro, como era habitual, dois guardas nacionais republicanos executavam com absoluta exactidão aquilo que, com igual desvelo, executavam todos os dias: andavam de um lado para o outro a fingir que eram militares a sério e não soldadinhos de chumbo.
A certa altura, como acontece em todas as histórias e todos os filmes, este panorama bucólico e turístico sofria uma interrupção brutal: uma carrinha Citroen Berlingo, o melhor carro do mundo, com indicações abundantes e muito legiveis de pertencer à Câmara Municipal de Lisboa, detinha-se no jardim que ocupa o centro da Praça e dela saíam quatro homens, vestidos com fatos-macaco, usando capacetes e panos a disfarçar-lhes os rostos, que encostavam uma escada de metal a um dos candeeiros de iluminação pública situados a cerca de cem metros do Palácio. A seguir, decorria tudo muito depressa. Os homens voltavam de novo à carrinha e saíam de novo, um deles com um RPG-7 armado de foguete e granada, outro com mais foguetes (diz-se em inglês, rocket) e mais granadas. Subiam ambos a escada, o primeiro à frente. Fazia pontaria e disparava. O foguete acertava em cheio na janela da sala do Palácio onde o PR reunia com o PM, e a explosão da granada matava-os aos dois instantaneamente, e a um assessor. Ainda eram disparadas mais duas granadas por segurança, que faziam mais doze baixas, entre mortos e feridos. Toda a frente do Palácio ficava destruída, o que não tinha mal nenhum porque o edifício era uma porcaria sem graça. Os homens desciam a escada e a carrinha fazia-se ao largo. Nessa tarde era mandado às redacções de jornais e televisões um comunicado assinado Forças Armadas de Libertação de Portugal (FALP), que reivindicava o atentado e acabava com as seguintes palavras: «Viva Portugal, morte aos traidores!»

Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012, Tinta da China, 2013, pp. 136-138

sábado, março 02, 2013

O POVO É QUEM MAIS ORDENA



Ontem mais de um milhão de pessoas saiu à rua para se manifestar contra o governo e a troika ocupante. O lema é bem claro, retirado de um verso de “Grândola”: “O povo É quem mais ordena”. Porque este povo que saiu à rua, e muitos outros que não saíram, já não suportam mais as políticas de destruição do país, de destruição de vidas que este governo está a levar a cabo. Por isso basta. Este governo já há muito que perdeu a legitimidade política para governar – porque se tornou um governo que está a aplicar medidas que não foram plebiscitadas, este governo é inconstitucional. Mais: na sua arrogância é um governo ditatorial numa aparente democracia. Por isso o povo tomou a rua, a praça, e cantou, emocionado, de novo, Grândola, vila morena, a senha da revolução de Abril de 74. O governo, os comentadores políticos das televisões podem fazer orelhas moucas a esse profundo grito, mas ele regressará até ao governo cair. Uma outra constatação do que se passou ontem e se tem passado nos últimos tempos: as pessoas estão fartas dos partidos, de serem enganadas como totós. Portanto, os dirigentes partidários e todos aqueles que se empoleiram nos partidos, alguns já bastante preocupados com as eleições autárquicas, deviam pensar no que se passou hoje, nesta força já quase desesperada que já não confia nos partidos, nos seus discursos idiotas ou nas suas ligações corruptas. Olhe-se para as últimas eleições em Itália, e a conclusão será a mesma.
(Fotos retiradas do site do El Pais)