sábado, março 16, 2013

PAULO VARELA GOMES

Era uma vez uma soalheira manhã de quinta-feira. Na Praça Afonso de Alburquerque chilreavam os passarinhos e chilreava também uma fila de turistas japoneses prontos a entrar no Museu dos Coches.
Em frente do Palácio de Belém, onde o presidente reunia com o primeiro-ministro, como era habitual, dois guardas nacionais republicanos executavam com absoluta exactidão aquilo que, com igual desvelo, executavam todos os dias: andavam de um lado para o outro a fingir que eram militares a sério e não soldadinhos de chumbo.
A certa altura, como acontece em todas as histórias e todos os filmes, este panorama bucólico e turístico sofria uma interrupção brutal: uma carrinha Citroen Berlingo, o melhor carro do mundo, com indicações abundantes e muito legiveis de pertencer à Câmara Municipal de Lisboa, detinha-se no jardim que ocupa o centro da Praça e dela saíam quatro homens, vestidos com fatos-macaco, usando capacetes e panos a disfarçar-lhes os rostos, que encostavam uma escada de metal a um dos candeeiros de iluminação pública situados a cerca de cem metros do Palácio. A seguir, decorria tudo muito depressa. Os homens voltavam de novo à carrinha e saíam de novo, um deles com um RPG-7 armado de foguete e granada, outro com mais foguetes (diz-se em inglês, rocket) e mais granadas. Subiam ambos a escada, o primeiro à frente. Fazia pontaria e disparava. O foguete acertava em cheio na janela da sala do Palácio onde o PR reunia com o PM, e a explosão da granada matava-os aos dois instantaneamente, e a um assessor. Ainda eram disparadas mais duas granadas por segurança, que faziam mais doze baixas, entre mortos e feridos. Toda a frente do Palácio ficava destruída, o que não tinha mal nenhum porque o edifício era uma porcaria sem graça. Os homens desciam a escada e a carrinha fazia-se ao largo. Nessa tarde era mandado às redacções de jornais e televisões um comunicado assinado Forças Armadas de Libertação de Portugal (FALP), que reivindicava o atentado e acabava com as seguintes palavras: «Viva Portugal, morte aos traidores!»

Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012, Tinta da China, 2013, pp. 136-138

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