terça-feira, novembro 25, 2014

O CASO SÓCRATES OU NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS




Há uns anos a escritora de literatura light Margarida Rebelo Pinto deu como título a um dos seus romances “Não há coincidências”. Na detenção e consequente prisão preventiva de José Sócrates podemos nos interrogar se há ou não coincidências. Porquê prender o ex-primeiro-ministro e líder do PS durante cerca de seis anos, quando o PS estava a eleger um novo líder? E quando a nova liderança do PS estava a reabilitar José Sócrates? E porquê prender Sócrates quando, a menos de um ano das eleições, ninguém pode esconder que já começou a campanha eleitoral para as mesmas?
Todas estas questões parecem ter uma resposta incerta, mas entram dentro de uma teoria da conspiração que nos atira para o pior cenário político que a democracia portuguesa viveu. Porque embora qualquer cidadão possa ser alvo do juiz justiceiro Carlos Alexandre, e José Sócrates por ter sido primeiro-ministro não possa estar acima ou abaixo de qualquer outro cidadão, o timing e a forma como esta prisão foi feita aponta para uma preocupante judicialização da política. De repente, desde o processo Casa Pia, a chamada justiça portuguesa tornou-se mediática – lembram-se daquele primeiro juiz do processo Casa Pia? Ora a justiça portuguesa vive numa promiscuidade: no mesmo edifício trabalham juízes e magistrados do Ministério Público. Essa promiscuidade, aliada a uma má formação desses elementos – notoriamente em questões de direitos humanos – leva a um desrespeito total pela presunção de inocência dos arguidos. Por isso se aplica tantas vezes a prisão preventiva.
Mas o caso José Sócrates é especial. Desde que foi convidado pela anterior direcção de informação da RTP para comentador, Sócrates assumiu a sua defesa, a sua “narrativa”, contra a narrativa do actual governo de direita. Embora o ódio a Sócrates prevalece-se, a sua mensagem ia passando todos os domingos. Uma mensagem incómoda para o governo, contrastando com o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. Uma vez iniciada a campanha eleitoral, ou pré-campanha, com a eleição de António Costa para a liderança do PS, a direita de Passos Coelho, Portas e Cavaco não podia permitir que a mensagem de Sócrates continuasse a passar. Este governo fez tudo para destruir o país, é bom que os portugueses tomem consciência que no próximo ano fará tudo para impedir a esquerda de ganhar as eleições. Acabar com o comentário de Sócrates na RTP era demasiado evidente nesta altura de que se tratava de uma medida de ingerência do governo na televisão pública. Havia que fazer algo mais eficaz. Para alguma coisa serve o SIS que depende directamente de Passos Coelho. Arranjar forma de incriminar José Sócrates, e entregar o caso ao juiz justiceiro Carlos Alexandre. E fazê-lo precisamente na altura em que António Costa era eleito secretário-geral do PS e a uma semana do congresso do PS. Não há coincidências. (É claro que esta é uma teoria da conspiração, mas enquanto o processo permanecer indevidamente em segredo de justiça, com fugas de informação ou mentiras propaladas pelo Correio da Manhã e por Felícia Cabrita do Sol – lembram-se que foi ela quem despoletou o caso Casa Pia? – esta narrativa é tão válida como a que tem vindo a ser publicada na imprensa.)
Com Sócrates preso, numa operação pidesca, o PS parte para as próximas eleições fragilizado. E a narrativa que Sócrates vinha defendendo, a de que não foi ele o culpado do pedido de ajuda à troika – antes esta foi desejada pela direita, e mesmo a esquerda ajudou na sua vinda ao chumbar o PEC 4 – vai por água abaixo. Mais: António Costa torna-se um líder do PS fragilizado – ele que pertenceu ao governo de Sócrates e outros elementos do PS que também estiveram com Sócrates durante seis anos de governo. É quase todo um partido.
A prisão de Sócrates resulta de um abuso da prisão preventiva – prender alguém preventivamente é declara-lo culpado antes de ser julgado. Este método tem sido utilizado pela justiça portuguesa tanto para o pilha galinhas, como para o traficante de droga, como para o político ou empresário. Quase sempre que a moldura penal do crime permite a utilização da prisão preventiva ela é utilizada. Ora isto não pode continuar. É um grave atentado aos direitos humanos que se prenda alguém só porque é suspeito.
Há na prisão de José Sócrates algumas ironias. Foi Sócrates quem inaugurou o campus da justiça onde cinco anos depois viria a ser interrogado; foi Sócrates que assinou alterações legislativas que agora lhe são imputadas; Sócrates publicou um livro de filosofia política, A Confiança no Mundo, resultante da sua tese de mestrado, sobre a tortura. Ora tanto a forma como foi detido, como o regime de prisão preventiva que lhe foi aplicado podem ser consideradas formas de tortura light.
Quanto ao futuro de Sócrates, como "animal político" ele não está completamente terminado. Mas perante este sistema judicial as suas hipóteses são
escassas.
P. S. - Durante o dia de sábado, quando a PJ foi com grande aparato fazer buscas à casa de José Sócrates, viram-se populares e uma bandeira do PNR, o partido de extrema-direita que é um equivalente da Frente Nacional francesa.

quarta-feira, novembro 19, 2014

ÁLVARO MANUEL MACHADO

 CORES - 2

Uma simples laranja.
Loucura do amarelo
sobre a toalha branca.

*

VENTO

Maneira de
beber o dia

*

ROSTO

Paisagem
ao longe

*

TEU ROSTO

Lâmpada   oval
tensa
recolhida

pão
ovo
berço
rio

Álvaro Manuel Machado, Íntimo Rigor, Arcádia, Lisboa, 1981, pp.21, 29, 42 e 43