terça-feira, janeiro 27, 2015

AUSCHWITZ, 1945 – ATENAS, 2015



Há 70 anos o campo de concentração nazi de Auschwitz era libertado por tropas Soviéticas. Era o fim do Holocausto empreendido pela Alemanha de Hitler. Auschwitz, onde morreram mais de um milhão de pessoas, terá sido o lugar de máximo terror e horror do século XX e talvez da História da humanidade. Por isso a sua constante referência – o filósofo T. Adorno escreveu que depois de Auschwitz não era possível voltar a escrever poesia. Mas o tempo passou, ocorreram os julgamentos de Nuremberga, a desnazificação, o julgamento de Eichmann, na década de 1960, em Jerusalém, do qual Hannah Arendt extraiu a sua tese da “banalidade do mal”. Muitos dos responsáveis pelo Holocausto conseguiram fugir, viver incógnitos em países como a Argentina. Na Alemanha, dividida até 1989 pelo muro de Berlim, a vida continuou, a indústria da Alemanha ocidental prosperou, e as grandes empresas que utilizaram mão-de-obra escrava cedida pelo nazismo voltaram a tornar-se grandes exportadoras. Houve sempre um esquecimento do horror do regime nazi sem o qual a prosperidade da Alemanha não seria possível. Depois da reunificação a Alemanha terá passado por momentos difíceis, mas a águia levantou-se. E quem não quer ter um BMW, um Mercedes, ou mesmo um Audi? A magnífica tecnologia alemã, a sua produtividade baseada muito num sistema de ensino que aos 10 ou 12 anos selecciona o futuro dos seus cidadãos, espanta o mundo. Mas também os seus escritores, a sua filosofia, os seus compositores. Como pode uma terra de gente tão grandiosa como Kant, Hegel, Nietzsche, Heidegger, na filosofia, ou Goethe, Holderlin, Novalis, na literatura, ou ainda nas música Bach e Beethovan, entre muitos outros, ser também a pátria do crime mais hediondo contra a humanidade?
A verdade é que a Alemanha renasceu. Não é a Alemanha nazi, mas a actual Alemanha de Angela Merkel, a Alemanha que chama “porcos” (PIIGS) aos países do sul, a Alemanha da austeridade é uma versão light da Alemanha nazi. Porque a austeridade tem feito vítimas nos países em que foi implantada – e vítimas quer dizer mortos, pessoas com depressão, desesperados sem emprego, fome, pessoas que ficam sem a casa que não podem continuar a pagar aos agiotas bancários. Em Portugal tudo isso tem um responsável político: Pedro Passos Coelho e o seu governo, com destaque para Vítor Gaspar, que embora já tenha abandonado o governo é o ideólogo dessa política de destruição. Pela Europa do sul, a Europa dos “porcos”, a direita tem executado as ordens de frau Merkel.
Até que domingo os gregos elegeram o Syriza. É certo que as coisas não são comparáveis porque a dimensão das atrocidades é diferente, mas é como se 70 anos depois da libertação de Auschwitz houvesse uma nova libertação – a da austeridade. É certo que os povos do sul da Europa não podem ter como certa e imediata essa libertação, mas há uma forte promessa.
Ontem Alexis Tsipras tomou posse como primeiro-ministro grego e a primeira coisa que fez foi uma homenagem a 200 membros da resistência grega fuzilados por nazis na II Guerra Mundial. O primeiro acto ou medida de um primeiro-ministro é sempre simbólico e sintomático e Alexis Tsipras ao homenagear aqueles que foram fuzilados pelos nazis alemães estava também a homenagear aqueles que foram vítimas da austeridade – pessoas que não foram fuziladas mas morreram por falta de assistência médica ou suicídio. De Auschwitz, 1945, a Atenas, 2015, vai uma longa distância temporal, mas também pequenas coincidências.   

domingo, janeiro 25, 2015

SYRIZA: A VITÓRIA DE UMA NOVA POLÍTICA



Ao quinto ano de recessão, de completa destruição de um país empreendida pela Europa comandada pela chanceler Merkel, o povo grego ergueu-se do fundo de um poço. Ao votar maioritariamente no Syriza (apelidado de extrema-esquerda) os gregos estão a matar o lobo que lhes guardava as galinhas; estão a reconquistar a sua dignidade. Mas mais que isso estão a permitir que a Europa antidemocrática, onde o sul tem sido esmagado pelo norte, volte não só à democracia mas a uma nova forma de fazer política. Uma política que se faça para as pessoas e não para as grandes empresas e grupos financeiros.
A Grécia, o povo grego, sofreram muito ao longo destes últimos cinco anos – alguns perderam a vida na sequência das dementes políticas exigidas pela troika. É tempo de acabar com as estúpidas exigências da troika, é tempo da Europa do sul, incluindo Portugal, exigir aos seus governantes que governem em seu nome. Com a vitória do Syriza pode iniciar-se na Europa uma nova forma de fazer política que tem em partidos como o Podemos, de Espanha, um dos seus expoentes. Não será um milagre, nem uma tarefa fácil destruir toda a escumalha burocrática, financeira e espectacular que nos governa. Mas talvez hoje seja o primeiro dia de uma nova era, uma nova política que se ergue.

quarta-feira, janeiro 14, 2015

OLGA GONÇALVES


 
 (Moledo. Uma hora depois. Quando fui sentar-me entre
as ervas finas da primeira duna. Onde há camarinhas e as
austrálias podem ver o mar.)

1. Uma gaivota num tremor de frio
fechou os olhos sob os meus cabelos
(a paz já me não dói?)

2. Há sangue na orla das vagas
há maravilhamento nos ecos da praia
- a paz deixou de doer

*
Como a palavra nua
que partiu sem regresso
a angústia voltou

*
Sentir o cobre da argola do portão
agarrar os passos que se deram
para trás num caminho de rostos

*
As alvoradas brancas nasceram
para o lado de lá do desespero
campo aberto

Olga Gonçalves, Movimento, Círculo de Poesia / Moraes Editores, Lisboa, pp. 35, 38, 45, 50.

domingo, janeiro 11, 2015

DESFILE CONTRA O TERRORISMO COM TERRORISTAS



Chateia. Chateia toda esta hipocrisia de estado e da sociedade do espectáculo em volta do ataque ao Charlie Hebdo. Chateia até á ponta de um corno de um boi ver todos estes líderes desfilarem, eles, ou pelo menos alguns deles, também terroristas de Estado, quer directamente (ordenando aos seus serviços secretos a execução pessoas – como no caso do líder Israelita e de Abbas, líder que foi de uma organização terrorista), quer indirectamente como é o caso do terrorismo financeiro de Frau Merkel – cuja contabilidade de vítimas no sul da Europa está ainda por fazer. E aquele senhor do Mali? Deve ser um santo. Chateia tudo isto. Não conheço o tipo de cartoonismo que o Charlie Hebdo fazia, mas certamente que não se limitava a fazer caricaturas de Maomé, certamente que Hollande tinha sido várias vezes alvo dos cartoonistas que foram assassinados na quarta-feira, ele e também Merkel e muitos dos outros que ali desfilavam em nome da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão, palavras por estes dias repetidas à exaustão do nojo. O Charlie Hebdo não acabou quando dez elementos da sua redacção foram assassinados mas quando o que restava do jornal aceitou o abraço do poder político, a farsa que se viu na manifestação de domingo.
Este atentado, como outros perpetrados na Europa, vai certamente servir para limitar as liberdades de circulação na Europa – contra o espírito da UE – e para incutir ainda mais o medo nos cidadãos europeus que andam como ovelhas mansas guiados pela sociedade do espectáculo, aceitando o inaceitável, perdendo a democracia.
PS: a esta manifestação não faltou o nosso querido líder Pedro Manuel