Por estes dias vivemos tempos
históricos na política portuguesa. A seguir à proclamação de vitória da
coligação PaF – vitória minoritária – desenhou-se uma outra alternativa: a
possibilidade de uma maioria de esquerda, que saiu das eleições de 4 de Outubro
vir a formar governo. Ou seja, pela primeira vez em quarenta anos, poderemos
vir a ter um governo constitucional formado pelo PS, Bloco de Esquerda e CDU.
Durante os 40 anos de governos constitucionais (alguns de iniciativa
presidencial durante o primeiro mandato de Ramalho Eanes) nunca o PCP ou outro
partido à esquerda do PS participou num governo. Daí a famosa expressão “arco
governamental”, que se cinge a três partidos: PS, PSD e CDS-PP. Agora, o
aparente derrotado destas eleições, António Costa e o PS, tornou-se no centro
político. É ele quem vai decidir se forma um governo com a coligação de
direita, ou se forma um governo com os partidos à sua esquerda, PCP e BE, que
nunca estiveram num governo constitucional. De repente, o vencido tornou-se no
vencedor. Mas é também uma enorme responsabilidade para o PS, e algo que pode
marcar o futuro do partido. António Costa quando presidente da Câmara de Lisboa
já formou coligações com esses partidos. Durante a campanha eleitoral teve
simpatia pelos partidos à sua esquerda. Agora, nestes dias quentes de Outono,
tem tido sucessivas reuniões com todos os partidos com assento parlamentar.
Essencialmente trata-se de uma oportunidade única: um governo de esquerda: PS,
BE, CDU. Esse governo corresponderia a uma maioria parlamentar, que resulta da
governação destrutiva e austeritária que a coligação PSD/CDS-PP levou a cabo
durante mais de quatro anos criando pobreza, desemprego, emigração,
privatizando quase tudo o que havia para privatizar, etc. Enfim, Portugal é
hoje, depois da passagem da troika e das medidas para além da troika do governo
Passos Coelho, um país irreconhecível, vivendo numa pobreza envergonhada. Em
quatro anos regredimos nalguns sectores décadas. A vida dos portugueses, neste
quadro político tornou-se em alguns casos desesperante. E tudo isto é consequência
das políticas austeritárias neoliberais que pululam por alguns países da
Europa. Fomos alvo de ataques por parte das agências de rating que forçaram o
país a um “pedido de ajuda”. De tudo isto que os portugueses sofreram nos
últimos anos, e ainda sofrem, é hora de dizer basta. Por isso os partidos da
coligação não podem governar (e porque, naturalmente, estão em minoria no
parlamento). Não podemos repetir tudo de novo, embrulhado em piedosas e
salazarentas mentiras. Por isso o PS não pode, nem deve, formar um governo com
a coligação de direita – é em nome do respeito que o partido de António Costa
terá pelos portugueses e pelas suas vidas que não o deve fazer. Resta,
portanto, ao PS interpretar o sentido do voto da maioria e formar um governo
com Bloco e a CDU. Não será uma experiência fácil, há muitos pontos significativos
que separam os socialistas dos bloquistas e dos comunistas, mas será a
alternativa necessária, será – finalmente – um governo de esquerda. É claro que
esse governo será julgado pelos portugueses e não terá a vida facilitada numa
Europa ainda dominada pelo neoliberismo e por políticas que privilegiam os
mercados financeiros e os bancos às pessoas. E para que esse governo quase
utópico se realize terá também a nível interno um forte opositor: o presidente
da República, que terá que tomar sais de frutos para dar posse a um governo de
esquerda.
terça-feira, outubro 13, 2015
segunda-feira, outubro 05, 2015
O VOTO MASOQUISTA
Ontem quase dois milhões de pessoas foram
votar na coligação PSD/CDS-PP. Votaram e deram a vitória, ainda que sem maioria
absoluta, a quem governou Portugal nos últimos quatro anos. Ou seja, a quem fez
um “aumento colossal de impostos”, a quem quis retirar o 13º mês e subsídio de
férias, a quem cortou nas pensões, a quem aumentou o desemprego para níveis
nunca atingidos em Portugal, a quem cortou nas prestações sociais, a quem foi o
responsável pela saída do país de quase meio milhão de pessoas, a quem
privatizou tudo o que havia a privatizar. Ontem dois milhões de pessoas
legitimaram um governo que destruiu Portugal, que empobreceu como nunca se
tinha visto nas últimas décadas os portugueses. A questão que se coloca é como
é possível que tanta gente tenha entregue o seu poder de acção política nas urnas
de voto a quem lhes fez tão mal. Como foi isto possível? É certo que não tinham
grandes opções: António Costa pelo PS prometia pouco, mas ainda assim tinha um
programa de governo que procurava repor algumas das coisas que antes da entrada
em cena do governo Passos-Portas eram dados adquiridos na democracia
portuguesa. E depois havia toda uma série de opções políticas, como o Bloco de
Esquerda que beneficiou da má campanha do PS, ou o Livre que acabou por não
eleger nenhum deputado. Então a questão persiste: porquê, porquê tanta gente a
votar em quem lhes fez tão mal, a eles ou aos familiares ou amigos. Porquê
votar em quem mentiu tanto e agora se escondeu de cartazes, entrevistas ou
debates, continuando a mentir. Será que foi por medo? Será que engoliram a
estória de que votar à esquerda seria desperdiçar os sacrifícios feitos durante
quatro anos? Ocorre-me, como explicação, uma canção de Sérgio Godinho, de 1971,
do álbum “Sobreviventes” e que seria retomada nos tempos pós revolucionários: “Que
força é essa, amigo/que te põe de bem com outros/e de mal contigo”. O que se
encontra aqui é a base antropológica, sociológica e psicológica do masoquismo. Nesse
sentido esta canção não está nada datada, continua a ser tão actual como há 44
anos atrás. É a única explicação plausível que encontro para que dois milhões
de portugueses tenham votado em quem lhes fez tão mal: masoquismo.
PS: O dito presidente da República, Cavaco, faltou às comemorações do 5 de Outubro. Mais uma canalhice para quem é presidente da República. A acompanhá-lo na ausência esteve Passos Coelho. Será que querem uma monarquia?
sábado, outubro 03, 2015
Vítor Nogueira
VARANDA
Desta vez tinhas razão: frente fria prematura
no início de Setembro. Sentados na varanda, a beber
a altas horas. Estou cansado e não me importo.
Ouve-se o ruído intermitente de um motor
e uma voz transportada pelo vento, levantada
sem esforço em direcção ao céu. Temos de ir
e vir, conforme necessário, retomar a conversa
no ponto em que ficámos: se puderes, quer dizer,
se tiveres disponível esse tipo de orçamento,
despachavas o Cavaco para outro fuso horário?
Vítor Nogueira, Telhados de Vidro nº 18, Maio de 2013, ed. Averno, p. 91
Desta vez tinhas razão: frente fria prematura
no início de Setembro. Sentados na varanda, a beber
a altas horas. Estou cansado e não me importo.
Ouve-se o ruído intermitente de um motor
e uma voz transportada pelo vento, levantada
sem esforço em direcção ao céu. Temos de ir
e vir, conforme necessário, retomar a conversa
no ponto em que ficámos: se puderes, quer dizer,
se tiveres disponível esse tipo de orçamento,
despachavas o Cavaco para outro fuso horário?
Vítor Nogueira, Telhados de Vidro nº 18, Maio de 2013, ed. Averno, p. 91
Vítor Nogueira nasceu em 1966, em Vila Real onde dirige o teatro local. É autor de dezena e meia de livros, entre a poesia e o ensaio sobre questões ecológicas. Na poesia estreou-se em 1999 com A volta ao mundo em 50 poemas (Minerva). Entre os seus livros de poesia destaque-se O Senhor Gouveia (Averno, 2006), Comércio Tradicional (Averno, 2009) ou Quem diremos nós que viva? (Averno, 2010). A sua poesia segue a linha do quotidiano e do real, tendo os seus livros um teor temático.
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