quinta-feira, dezembro 31, 2015

LIVROS EM 2015

 
Num programa televisivo, como 5 para a meia-noite, desfilavam livros a ponto de um espectador incauto, ou sem som na televisão, julgar por momentos estar perante um programa literário. 5 para a meia-noite é um programa de entretenimento, um talk-show em horário late night. Por ali passam figuras públicas: actores, músicos, enfim os cromos da sociedade de espectáculo. É isto sintomático de como funciona a edição e a leitura actualmente em Portugal (e não só): as editoras pedem a figuras públicas que escrevam livros, ou então quando estes não os sabem escrever há sempre um escritor fantasma para os escrever (o que deve de acontecer na maioria dos casos). Pretende-se que o grande público, ignorante da literatura, compre livros nas grandes superfícies pelo reconhecimento de uma figura pública cuja notoriedade nada tem a ver com a literatura. Mesmo no caso do jornalismo, cujo paradigma de sucesso é José Rodrigues dos Santos, a maior parte das vezes não corresponde a nenhum talento literário, seja isso o que for, mas a uma imagem e ao reconhecimento dessa imagem pelos compradores de livros. Esta situação, em que o livro é um objecto de consumo cujo reconhecimento resulta de factores externos ao campo literário, tornando-o mais uma mercadoria sujeita às regras do marketing, resulta também da perda de espaço crítico nos jornais (esses que estão em vias de extinção) ou noutros média. Quando um ou outro programa radiofónico ou televisivo aborda a literatura, os livros, fá-lo numa perspectiva superficial e apenas informativa (a excepção talvez seja Luís Caetano na Antena 2). Perante isto as poucas livrarias que restam vão-se enchendo de lixo, e a oportunidade que um escritor poderia esperar está também restrita a prémios como o Leya, que funciona com a mesma lógica já esboçada. Restam os blogues, mas estes perderam espaço para esse monstro que os média têm alimentado, e que dá pelo nome de facebook. Ora o facebook é o contrário de qualquer espaço crítico. Ele cria uma aparente utopia, que é uma distopia, onde só há espaço para dizer "gosto", para o breve elogio que nada acrescenta. Portanto, o espaço da polémica, do diferendo, da crítica, que é por natureza mesmo quando se trata de cultura ou literatura um lugar político, está a desaparecer. O mais grave de tudo isto é a criação de um pensamento único, correspondente e irmão gémeo da TINA nas políticas económicas, que não permite a liberdade da expressão do pensamento. E este espectro que paira sobre nós, para parafrasear Marx, ultrapassa os lugares da cultura para se disseminar pela sociedade, principalmente onde existem relações assimétricas e de poder. Ou seja: estamos a perder a liberdade. 

Deixando estas questões, e restringindo-me ao que foi publicado em livro impresso (os e-books são outra questão que quero ignorar) em 2015, optei por uma abordagem do sector mais fraco da edição: a poesia. Apresento mais abaixo uma lista do que me foi possível reunir através de blogues, sites, suplementos literários. É uma lista incompleta e talvez com certa imprecisões, mas a possível. A poesia, no ano da morte de Herberto Helder (e também Vítor Silva Tavares), continua a ser algo extremamente minoritário, cujos livros apenas se vendem em poucas livrarias, tornando o mapeamento da sua edição algo bastante difícil. A isso corresponde, naturalmente, a dificuldade que os poucos leitores de poesia têm em aceder aos livros. Uma forma de contornar isto está nas revistas, como a Telhados de Vidro ou a Relâmpago, com uma existência já longa, mas também nas reuniões de poetas, colectâneas que dão a conhecer novas poéticas e novos poetas. De destacar duas publicadas este ano, e creio que ignoradas pelos dois suplementos literários que restam na imprensa portuguesa. Voo Rasante, publicado pela Mariposa Azual (editora que este ano publicou sete livros de poesia, batendo em número a Averno - 6 - e a Assírio & Alvim com 6) é uma montra que mescla autores conhecidos com outros desconhecidos ou até inéditos. Não se percebe porque razão a editora e coordenadora do livro, Helena Vieira, lhe chamou antologia. A outra colectânea foi publicada pela Língua Morta com o título de Hidra. Não se destaca tanto pela quase dezena de poetas que nela participam, mas pela presença de António Guerreiro que será o crítico mais acutilante e lúcido da "praça" (veja-se a sua crónica no semanal no Público). Neste sentido parece haver uma perca de espaço e influência dos chamados "poetas sem qualidade" e do "grupo" que gira em volta de Manuel de Freitas (que este ano reuniu uma série de ensaios sob o título Incipit, e foi alvo de mais uma antologia - desta vez de Rui Pires Cabral). Também por isso não podemos descurar outras editoras e outros autores. Miguel-Manso que publicou Persianas na Tinta da China ou Paulo da Costa Domingos com Cal (Averno) ou ainda Armando Silva Carvalho com A sombra do mar (Assírio & Alvim). Entre as cerca de dez editoras que vão publicando poesia, destaque-se duas: a 50 kg e a não (edições). A primeira, do Porto, de Rui Azevedo Ribeiro, faz do livro um objecto artesanal, impresso com caracteres móveis impõe-se como forma de resistência às tecnologias digitais. Foi, curiosamente ou não, na 50 kg, que Vítor Silva Tavares, um dos últimos Editores portugueses publicou Púsias, volume de versos, poucos meses antes de desaparecer. Quanto à não (editores) tem vindo a publicar pequenos livros de poetas, uns já conhecidos outros desconhecidos ou em estreia e outros em tradução. Este ano terá publicado mais de meia dúzia de livros, entre os quais traduções de Lauren Mendinueta e Pablo Javier Perez Lopes. 

Segue-se a lista. Na ficção e no ensaio apenas uma selecção de alguns dos livros publicados em 2015. De fora ficaram as traduções.

POESIA PORTUGUESA
Herberto Helder - Poemas Canhotos - Porto Editora
Vítor Silva Tavares - Púsias - 50 kg
Anónimo - Fósforo de Anónimo - 50 kg
Carlos Alberto Machado - Pôr as pernas do lado da cabeça e partir - 50 kg
Rui Caeiro - Deus e outros animais - Averno
António Barahona - Pássaro-Lyra - Averno
Paulo da Costa Domingos - Cal - Averno
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Abel Neves -Úsnea - Averno
Telhados de Vidro nº 20 (com a plaquete de Adília Lopes Comprimidos) - Averno
Gastão Cruz - Óxído - Assírio & Alvim
Rui Pires Cabral - Morada - Assírio & Alvim
Ana Luísa Amaral - E todavia - Assírio & Alvim
Armando Silva Carvalho - A sombra do mar - Assírio & Alvim
Adília Lopes - Manhã - Assírio & Alvim
Luís Quintais - Arrancar penas a um canto de cisne - Assírio & Alvim
Andreia C. Faria - Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração - Artefacto
Luís Amorim de Sousa - Mera distância - Artefacto
Daniel Francoy - Calendário - Artefacto
Sónia Balacó - Constelações -Mariposa Azual
Ricardo Domeneck - Medir com as próprias mãos a febre - Mariposa Azual
João Bosco da Silva - Trepanações de Jerónimo Bosh- Mariposa Azual
Sónia Baptista - Tempus fugit - Mariposa Azual
AA VV - Voo Rasante - Mariposa Azual
Marília Garcia - Um teste de resistores - Mariposa Azual
Elisabete Marques - Cisco - Mariposa Azual
Duarte Drumund Braga - Voltas do Purgatório - Língua Morta
AA VV - Hidra - Língua Morta
Rui Manuel Amaral - Polaróide - Língua Morta
Nuno Júdice - A convergência dos ventos - D. Quixote
Miguel-Manso - Persianas - Tinta da China
José Ricardo Nunes - Andar a par - Tinta da China
Pedro Mexia - Uma vez que tudo se perdeu  - Tinta da China
Manuel de Freitas - Sunny Bar (antologia org. por Rui Pires Cabral)- Alambique
José Carlos Soares - Rã - Alambique
Marta Chaves - Perda de inventário - Alambique
Inês Lourenço - O segundo olhar (antologia org. por J. M. Teixeira Silva) - Companhia das Ilhas
Nunes da Rocha - Sabão offbach - & etc
Miguel Cardoso -  À barbarie seguem-se os estendais - & etc
João Miguel Fernandes Jorge - Mirleos - Relógio d´ Água
Frederico Pedreira - Presa Comum - Relógio d' Água
Helder Macedo - Romance - Presença
Miguel Castro Caldas - Chaconne ou a arte de mudar de assunto - Douda Correria
Miguel Carvalho - No princípio não era o verbo - Debout Sur L'Oeuf
manuel a. domingues - Baço - Ed. Medula


Rui Pires Cabral - Elsewhere / Alhures - não (edições)
Ricardo Tiago Moura - 1 gato para 2 - não (edições)
Sónia Baptista - E na queda repousar - não (edições)
Rita Natálio - Artesanato - não (edições)
Ricardo Marques - Metamorphoses - não (edições)
Manuel Alberto Valente - Poesia Reunida - Quetzal

FICÇÃO PORTUGUESA

Teresa Veiga- Gente melancolicamente louca - tinta da china
Fernando Assis Pacheco - Bronco-angel: o cowboy analfabeto - tinta da china
Gonçalo M. Tavares - O torcicologista, excelência - Caminho
_______________ - Notas sobre a Música - Relógio d' Água
Ana Teresa Pereira - Neverness - Relógio d' Água
António Lobo Antunes - Da natureza dos deuses - D. Quixote
Mário Cláudio - Astronomia - D. Quixote
Paulo Castilho - O sonho português - D. Quixote
Vasco Luís Curado - O país fantasma - D. Quixote
Clara Ferreira Alves - Pai nosso - Clube do Autor
Rui Zink - Osso - Teodolito
______ - O Destino Turístico - Teodolito
Francisco Duarte Mangas - Jacarandá - Teodolito
Julieta Mongino - Os filhos de K. - Teodolito
Alexandre Andrade - Quartos alugados - Exclamação
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Ana Cássia Rebelo - Ana de Amerterdam (sel. de textos do blogue com o mesmo título) - Quetzal

ENSAIO
José Gil - Os poderes da pintura - Relógio d' água
Manuel de Freitas - Incipit - Averno
Filipa Leal -Pelos leitores de poesia - Abysmo
João Barrento - Como um hiato na respiração - Averno
AA VV - Natural in verso - Mariposa azual
Marinela de Freitas - Emily Dickinson e Luiza Neto Jorge: quantas faces - Afrontamento
Joana Matos Frias - Cinefilia e cinefobia no modernismo português (vias e desvios) - Afrontamento






sexta-feira, dezembro 25, 2015

O PULHA DOS ÚLTIMOS ANOS

 
Numa altura em que os média fazem o balanço do ano e elegem as personalidades do ano, seria interessante, e necessário, eleger o pulha do ano. É certo que a revista Time elegeu como "pessoa de 2015" Angela Merkel, o que é natural para uma revista que já fez o mesmo com G. W. Bush, Vladimir Putin ou mesmo, em tempos mais recuados Hitler. De facto, a Time sempre tão subserviente ao poder tem elegido vários pulhas. Mas se Angela Merkel pode ser facilmente considerada como a pulha não só de 2015, mas dos últimos anos, no caso português temos também alguém que deve ter esse título - o pulha de 2015 -, mas também dos últimos anos. Não é difícil adivinhar de quem se trata. Exactamente: Pedro Passos Coelho. Essa nódoa na História do Portugal actual, que os meios de formação de massas têm tratado com algum carinho, é não só o pulha de 2015, mas de 2011, 2012, 2013 e 2014. Porque PPC, que finalmente deixou o governo na sequência das últimas eleições de Outubro, foi o destruidor em quatro anos e meio de um país. Não só destruiu o país. Destruiu a vida de muitos portugueses. O que Passos Coelho fez, com a ajuda de Cavaco Silva (outro candidato a pulha do ano, e dos últimos anos), Vítor Gaspar, Miguel Relvas, Maria Luís Alburquerque, Paulo Portas e outros, foi empobrecer Portugal a níveis dos tempos de Salazar. Os cortes nas pensões e prestações sociais como o RSI, o desemprego, a emigração...Mas também nenhuma hesitação em dar o dinheiro dos contribuintes para os banqueiros e os bancos que estes levaram à falência. Tornar Portugal (e os países do sul da Europa) num país cujo modelo económico era a China foi durante estes quatro anos o objectivo desta direita ultra-liberal. Mesmo depois de ter abandonado o governo, o caso Banif rebentou nas mãos do governo socialista com apoio da esquerda. Não se trata só de incompetência, mas de manifesta maldade, ou seja, de pura pulhice.