segunda-feira, abril 30, 2018

António Pedro Ribeiro


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DECLARAÇÃO DE AMOR AO PRIMEIRO-MINISTRO

Estou apaixonado pelo primeiro-ministro
por todos os primeiros-ministros
e pelos segundos
e pelos terceiros
estou apaixonado por todos os presidentes de Câmara
e de Junta
por todos os benfeitores de obra feita
por todos os que erguem e mandam erguer
estradas, pontes, casas, estádios, fontanários, salões paroquiais
estou apaixonado por todos aqueles que governam, que executam,
que decidem sem pestanejar
por todos aqueles que dão o cu pela causa pública
que se sacrificam pelo bem comum sem nada pedir em troca.

Quero votar entusiasticamente em todos eles
Afogá-los em votos
Até que se venham
em triunfo

Estou apaixonado pelo primeiro-ministro
quero vê-lo num bacanal
com todos os ministros
e todos os ministérios
a arfar de prazer
a enrabar o défice, o orçamento,
o IVA, a inflação, a recessão
ágil e empreendedor
como um super-homem
Estou apaixonado pelo primeiro-ministro
Quero vê-lo num filme porno.

(de Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, Objecto Cardíaco, 2006)

*
A ALMA AO GOVERNO

Quero entregar a minha alma ao governo
deixar-me colectar em êxtase
amar-te ordeiramente
como um cidadão cumpridor
quero lançar uma OPA
em directo no telejornal
imolar-me no mercado global

(de Queimai o Dinheiro, Corpus, 2009)

FODA A TODA A HORA

No “Piolho” as estudantes cantam que querem foder a toda a hora. No meio de cânticos estudantis banais as gajas gritam a coisa e incomodam os futeboleiros presos à glória do FCP no ecrã. Gosto desse novo hedonismo regado em cerveja que despreza a ditadura do pontapé na bola. É pena que as estudantes se fechem nesses rituais e não abram as pernas aos poetas.

(de Um Poeta no Piolho, Corpos, 2009)

Com cerca de uma dezena de livros publicados, António Pedro Ribeiro aparece como um marginal ao tom altissonante ainda prevalecente na poesia actual. António Pedro Ribeiro, nascido em 1968, poeta já deste século, habitando a zona do grande Porto e os seus cafés agora invadidos pela turbamalta turística, tem uma poesia desempoeirada, libertária (pelo lado situacionista), imanente, biopolítica (fica sempre bem este conceito), sarcástica, erotizada… retomando a tradição dos Cancioneiros medievais. Em 2017 a editora Exclamação publicou uma antologia da sua poesia, desaparecida em pequeníssimas editoras – Dez Pés Abaixo do Mundo, com selecção dos poemas de Rui Manuel Amaral e prefácio de Nelson de Oliveira.