domingo, junho 30, 2019

REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ


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A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno não poderia permitir.  
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora, durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado, mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.