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quarta-feira, janeiro 31, 2024

A POLÍTICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 


1, José Sócrates foi detido há dez anos, quando regressava de Paris. Há sua espera, no aeroporto tinha não só a polícia, mas também uma equipa de televisão para filmar o “acontecimento”. Depois de ser ouvido pelo super-juiz Carlos Alexandre, por ordem deste ficou meses em prisão preventiva. Por essa altura Portugal era governado pela coligação PSD/CDS e pela troika. Passos Coelho, o primeiro-ministro, fazia a apologia do empobrecimento, do ir além da troika que controlava a política portuguesa, em troca dos mais de 70 mil milhões de euros que o BCE, FMI e UE nos tinham emprestado. Nem o Ministério Público, nem o juiz Carlos Alexandre tinham, nessa altura, provas contra o líder de dois governos do PS, entre 2005 e 2011. Falava-se na imprensa, nomeadamente no Correio da Manhã, de uma série de casos que apontavam para que José Sócrates fosse um corrupto. Por outro lado, a sociedade portuguesa estava dividida em relação à figura de Sócrates: para uns ele fora o responsável por Portugal ter chegado à quase bancarrota, mas, ao mesmo tempo, viviam-se tempos de que não havia memória. O desemprego tinha chegado aos 17, 18%, o governo de Passos e Portas tinha cortado o subsídio de férias e Natal, os mais jovens emigravam. António Costa, que tinha substituído o apagado António José Seguro como Secretário-Geral do PS, criou a frase “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” – foi um mantra que repetiu durante quase nove anos. Mário Soares, com 90 anos, que só conhecera as prisões de Salazar, mostrava-se inconformado à porta da prisão de Évora, onde estava Sócrates.

2, Foi no início dos anos 1990 que pela primeira vez, desde o PREC, um político, neste caso ex-político, Costa Freire, foi detido e julgado. O ex-secretário de Estado da Saúde de Leonor Beleza, apesar de condenado em 1994, conseguiu, de recurso em recurso, que o seu caso prescrevesse em 2004. Por essa altura Portugal vivia um outro grande processo judicial-mediático: o caso Casa Pia, instituição onde durante décadas crianças tinham sido abusadas sexualmente. Entre os acusados do processo Casa Pia estava o nome mais sonante da televisão portuguesa: Carlos Cruz. Mas as crianças, ouvidas pela PJ, também apontaram o jovem deputado do PS Paulo Pedroso. Pedroso, então uma promessa nas hostes socialistas, ficou 4 meses em prisão preventiva. Foi depois inocentado, e processou o Estado português, ganhando o processo. Mas a sua carreira política estava liquidada – é hoje professor universitário e comentador político na RTP. Por essa altura, correram boatos que implicavam também Ferro Rodrigues, então líder do PS.

3, Durante os primeiros seis anos dos governos de António Costa não constam grandes problemas com a justiça, para além de Sócrates. Mas o governo maioritário, obtido pelas eleições de janeiro de 2022, foi um desastre de “casos & casinhos”, uns que implicavam a justiça, outros que apenas implicavam a administração de empresas como aconteceu com a TAP. Costa sobreviveu politicamente até ao ponto de afrontar o presidente da República, em maio de 2023, ao não aceitar a demissão do ministro João Galamba, como o PR pretendia. Marcelo, o comentador-mor transformado em Presidente da República, chegou a demitir ministros em directo. As relações entre PM e PR azedaram, mas entre maio e novembro, essa manhã de 7 de novembro de 2023, em que a polícia irrompeu pela residência oficial do primeiro-ministro, em que Lucília Gago, a Procuradora- Geral da República, escreveu um parágrafo assassino onde referia que António Costa era suspeito, tudo esteve calmo. Mas nesse dia, mesmo ainda não sabendo que a polícia encontrara 75 mil euros em notas no gabinete do seu assessor, António Costa apresentou, em directo, para as televisões a sua demissão. O país foi apanhado de surpresa, Marcelo não aceitou um outro primeiro-ministro que o PS indicou e marcou eleições para 10 de março. Por essa altura, entre outras coisas, ficou-se a saber que Galamba foi escutado durante 4 anos.

4. Se é certo que o poder gera corrupção, que os anos de poder do Partido Socialista ajudaram a criar essa corrupção, não é menos certo que o MP se tornou num actor político todo-poderoso, capaz de lançar acções que demitem governos (algo que nunca tinha acontecido na democracia portuguesa). António Costa não repetiu o seu mantra, “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Porque, na realidade, essa frase não é verdadeira. Existe separação de poderes, ninguém está acima de ninguém na alegada cegueira da justiça. Mas o código penal, o código civil, o código do processo penal, toda a legislação sobre a qual o poder judicial actua, emana do poder político. À justiça apenas cabe a interpretação dessas leis. Mas também os meios de que as polícias, o MP, os juízes, dispõem, são dados pelo poder político. E, pela últimas e espectaculares intervenções da justiça junto de políticos, o Partido Socialista foi generoso para com a justiça, em particular para com a Polícia Judiciária.

5, Já depois da demissão do governo, num período que é já de campanha eleitoral, o MP voltou a atacar. Agora, como que querendo equilibrar a perseguição ao PS,  o MP atacou Luís Montenegro, o actual líder do PSD. Em causa algo que já era sabido: a casa que este construiu em Espinho. Esquecido esse assunto, a semana passada foi a vez de atacar em grande na Madeira. Um avião da Força Aérea levou140 operacionais da PJ para o Funchal onde fizeram buscas na Câmara Municipal do Funchal e na residência do presidente do governo regional da Madeira. Tão espetacular operação, resultou na detenção do presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e na constituição de Miguel Albuquerque como arguido. Daqui resulta uma incerteza quanto ao futuro político da Madeira: ou a continuação deste governo com o apoio do PAN, ou a marcação de novas eleições.

6, Em 2017 o juiz Sérgio Moro condenou “Lula” da Silva a mais de nove anos de prisão, impedindo-o assim de concorrer às eleições presidenciais que foram ganhas pelo candidato da extra-direita Jair Bolsonaro. Sérgio Moro viria a fazer parte do governo de Bolsonaro. A justiça, no Brasil, serviu uma muito má causa política. Em Portugal, a frenética actividade do Ministério Público parece querer corroer a democracia. Tal como no Brasil, o partido que parece sair mais beneficiado da suspeita que recaiu sobre António Costa, é de extrema-direita. Mas, sobretudo, e embora com o desgaste do PS de António Costa, temos um MP que se arvora no poder de lançar uma suspeita (apenas isso, nem sequer o constitui arguido) sobre um primeiro-ministro enfraquecido, sabendo que isso vai despoletar eleições legislativas. O mesmo é verdadeiro para o caso recente da Madeira. O grande beneficiário de tudo isto, no fundo da ideia populista de que os políticos são todos corruptos, é o partido de extrama-direita, manifestando-se contra o sistema (político), contra a III República saída do 25 de Abril, ganhando votos, porque, na realidade, como disse Freud, a tarefa de governar é uma das tarefas impossíveis. Ora, quando essa tarefa exige os melhores de uma sociedade, a suspeita a priori de que todo o político, qualquer pessoa que exerça um cargo público é um corrupto, é o código postal para a derrocada de uma difícil democracia.

 

sexta-feira, abril 30, 2021

Sobre a histeria anticorrupção



1. Nunca como agora se falou tanto no espaço mediático de corrupção. Esta fala é reactiva aos casos que têm sido, principalmente na última década, apresentados aos média pelo Ministério Público (MP), outras entidades judiciais e repercutidos nos média. A reacção, agora, é política e mediática, e decorre da leitura pelo juíz Ivo Rosa, em directo para as televisões, da súmula da instrução do processo chamado "Operação Marquês", em que estavam envolvidos o ex-banqueiro Ricardo Salgado, dois ex-administradores da Portugal Telecom, e sobretudo o ex-primeiro-ministro José Sócrates (e o seu alegado corruptor, o amigo e empresário Carlos Santos Silva), além de outras figuras secundárias. Há, nos comentários que se seguem a este evento, pelos comentadores da praça, a maioria políticos, alguns juristas e alguns jornalistas, um repúdio histérico pela decisão instrutória de Ivo Rosa, que decide levar José Sócrates a julgamento por "apenas" 6 dos 31 crimes que estava acusado. Além disso, na leitura da sua súmula, Ivo Rosa "arrasa" a acusação do MP. O incómodo, numa primeira reacção é generalizado; depois na complexidade do processo, os comentadores vão salientar das três horas de leitura do acórdão, quase só, o que incrimina José Sócrates.

2. Viajemos, virtualmente, a esse inferno que se tornou o Brasil de Bolsonaro. É aqui necessário lembrar o golpe de Estado judicial levado a cabo pelo juíz Sérgio Moro. Foi este super-juiz que ao mandar prender o ex-presidente do Brasil e candidato às últimas eleições, com base em alegados crimes de corrupção, acabou por dar a vitória nas presidenciais a Jair Bolsonaro. Não contente com isto, Sérgio Moro viria a integrar o executivo de Bolsonaro com a pasta da Justiça. Ou seja, em nome da luta contra a corrupção, o juiz torna-se corrupto, porque a sua acção (mandar prender Lula da Silva para dar a vitória a Bolsonaro) é premiada por Bolsonaro com um convite para o governo. Para além do paradoxo já evidenciado, o Brasil tornou-se num país com um chefe de Estado risível, mas que com o evoluir da pandemia se tornou trágico: enquanto morriam milhares de pessoas, Bolsonaro gozava, como um líder fascista ou nazi, sobre os efeitos da covid.

3. Regressemos a Portugal. Em Novembro de 2014, à chegada ao aeroporto da Portela, José Sócrates, regressado de Paris, era preso. Desde a sua vigência como primeiro-ministro, o ex-líder do PS era acusado por alguns média, nomeadamente o Correio da Manhã, cuja televisão - CMTV - esteve presente no acto da prisão, de vários casos de corrupção. Presente ao juiz Carlos Alexandre, e embora o MP não tivesse provas dos crimes por que acusava o ex-primeiro-ministro (que na altura tinha um programa de comentário ao Domingo na RTP-1), o super-juiz português decreta prisão preventiva para Sócrates. Durante quase um ano Sócrates vai ficar preso preventivamente. Cabe aqui referir, que se o Código Penal português tem molduras penais, comparativamente com outros países europeus mais brandas, existe uma cultura de abuso da prisão preventiva por parte dos juízes, o que leva a que pessoas depois declaradas inocentes em julgamento tenham estado presas. Esta atitude da justiça portuguesa é ofensiva dos direitos humanos e não se coaduna com um Estado de direito democrático. Mas é recorrente: primeiro prende-se, e depois investiga-se. Poucas pessoas se têm preocupado com este fenómeno, que implica muitos dos cidadãos alvo das acusações do Ministério Público, principalmente aqueles que tem menor poder de defesa, isto é, menor poder económico para pagar a bons advogados que os defendam. 

4. Embora José Sócrates acuse hoje os responsáveis pela sua prisão de o terem feito para evitar que ele concorresse às eleições presidenciais, o aspecto político desta prisão e posterior acusação vai para além disso. Em 2014, Portugal ainda está sob a vigência da troika, chamada ainda durante o governo presidido por Sócrates, após o PEC IV não ter passado na Assembleia da República, com os votos contra de toda a oposição, da direita à esquerda. Ora, numa altura em que o governo PSD-CDS, liderado por Passos Coelho, quis ir além das imposições austeritárias da troika, numa altura de profunda crise económica e social, duas narrativas (expressão usada por José Sócrates) ocupavam o espaço público: 1) a de que a culpa da crise e do pedido de "ajuda externo" era de Sócrates, e 2) a de que fora Passos Coelho ao não ajudar o governo socialista que quis a troika e quis ir além da troika. António Costa, ex-ministro de Sócrates, proferiu uma frase que ainda hoje mantém: "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política". No entanto, esta frase que tentava desvincular o "corrupto" Sócrates, do actual PS, como se fosse possível apagar o passado com uma borracha, não representa a verdade das relações entre política e justiça. O que tem acontecido sempre nos Estados de direito modernos é que a justiça, ou o direito, emana da política. É assim porque é o poder político (legislativo) que faz as leis. Aos tribunais compete administrar a justiça com base nessas leis. Portanto, existe uma subserviência de juízes e Ministério Público em relação ao poder político. Mas, se repararmos no caso brasileiro do juiz Sérgio Moro, é já a justiça a interferir na vida política, como outrora o faziam as forças armardas pela força de um golpe de Estado. No caso de José Sócrates, na altura a viver em Paris num luxuoso apartamento, parece ter existido por parte do MP a tomada de posição por uma destas narrativas. 

5. É evidente que em Portugal grassa a corrupção a nível do poder político. Ela será sobretudo uma pequena corrupção, a nível autárquico. Embora esta afirmação seja uma presunção, não baseada em factos, como seria uma presunção afirmar que existe corrupção a nível das chefias, ou mesmo dos funcionários, de determinada função pública. No entanto, a reactividade perante uma simples decisão de um juiz de instrução, faz lembrar a metáfora das virgens ofendidas - virgens que podem não ser tão virgens como querem a todo custo fazer parecer. Essas virgens ofendidas vagueiam pelo governo e pelo aparelho PS, depois de há alguns anos atrás terem pertencido ao governo Sócrates. E ofendidas, tornam-se histéricas, quer como comentadoras, quer como governantes. No último caso, note-se que 20 dias depois da decisão instrutória de Ivo Rosa, o governo prepara-se para atacar a corrupção através de vários mecanismos: do pedagógico ao de uma delação premiada encapotada que será o novo estatuto do denunciante (v. Público, 29-04-21, pp. 10 e 11, art. "Governo quer alargar regime de perdão de penas a quem confessar corrupção").

6. A histeria anticorrupção à portuguesa, que equacionou uma inversão do ónus da prova, torna-se num problema para as actuais democracias representativas. É certo que a corrupção pode ser uma fácil arma de arremesso por parte da crescente extrema-direita populista, mas o facto de se considerar alguém com funções governativas como um possível corrupto, atitude que tem sido tomada pelo Ministério Público, não só fomenta esse populismo de extrema-direita, como impede que os melhores sirvam o país. Aberta a caça ao político corrupto está legitimado o discurso populista de extrema-direita, e só por masoquismo alguém aceitará um cargo político: o escrutínio não é só mediático e político, mas passou a ser, também, penal    

 

domingo, julho 19, 2015

EU NÃO CONFIO NA JUSTIÇA PORTUGUESA



Uma das afirmações que mais se têm ouvido aos políticos sobre a justiça, decorrente dos inúmeros casos de envolvimento de políticos em processos judiciais e da prisão de José Sócrates em particular, é o “eu confio na justiça” ou “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – esta frase tem sido muito utilizada por António Costa em relação a Sócrates. Ora este respeito pela separação de poderes está muito bem do ponto de vista teórico no funcionamento de um Estado, embora se pensarmos bem ele não exista – porque são os políticos que fazem as leis que os magistrados aplicam, são eles, no fundo, os responsáveis pelo Código Penal, Código Civil ou Código do Processo Penal, instrumentos essenciais para a aplicação da justiça. Resta, nestas afirmações de confiança na justiça, uma confiança nos homens e mulheres que aplicam a justiça – os magistrados. Ora o que os vários casos mediáticos que têm envolvido políticos nas malhas da justiça mostram é mais que incompetência ou inépcia por parte de magistrados. É má-fé, abuso de poder, desrespeito pelos mais básicos direitos humanos, procura de protagonismo e poder, sistemática e intencional violação do segredo de justiça. A prisão de José Sócrates e o modus operandi do juiz que ordenou essa prisão, Carlos Alexandre, é exemplar sobre o despótico funcionamento da justiça portuguesa. Como se pode perceber que exista um juiz a quem vão parar todos os processos mediáticos, principalmente os relacionados com políticos? Que explicação tem a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, para isto?
Para a justiça portuguesa qualquer pessoa uma vez suspeita, e não falta imaginação aos magistrados e “investigadores” portugueses para inventar teorias da conspiração que corroborem que determinada pessoa é responsável por um crime, corre o risco de ir parar à prisão (preventivamente) durante meses e ficar com a vida desfeita. Prende-se para investigar, prendem-se preventivamente cidadãos inocentes, nega-se o princípio de inocência. Diria que hoje qualquer cidadão, porque qualquer cidadão pode ser alvo de uma denúncia anónima que é levada a sério pelos “investigadores”, deve ter mais medo da Polícia Judiciária, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes que dos reais criminosos. Não há que ter receio: em certo sentido a justiça portuguesa voltou a tornar-se pidesca e plenária.
Prende-se ao início da noite ou de madrugada, às vezes à sexta-feira, para que a pessoa presa passe o maior tempo possível na prisão antes de ser apresentada ao juiz; prende-se sem reserva de imagem, pelo contrário, chamam-se as televisões, os fotógrafos, todas as redacções de televisão e imprensa ficam a saber antes da prisão ser efectuada; prende-se com meios ostentatórios como os GOE gente que é simplesmente acusada de corrupção. Prendem-se pessoas simplesmente para ser ouvidas em processos. Prende-se, como bem disse José Sócrates numa entrevista, para humilhar e para quebrar. A polícia e a magistratura portuguesa cansaram-se de prenderem carteiristas, pilha galinhas, drogados ou homicidas passionais, gente que só passava pelas páginas d’ O Crime. A justiça portuguesa, e não só a portuguesa, quer protagonismo, quer que as suas prisões abram os telejornais e sejam capas de todos os jornais, a justiça quer o poder que pertenceu aos reis absolutistas, a justiça quer influenciar a política. Não vale a pena tentar negar: a justiça tem uma agenda política, o juiz Carlos Alexandre tem uma agenda política.

António Costa e José Sócrates

Perante isto o que devia dizer António Costa quando é interrogado sobre José Sócrates? A verdade que está no pensamento de muitos militantes, simpatizantes e não só do PS. Sócrates era alguém incómodo com a sua narrativa que vinha apresentando aos domingos na RTP desde que resolvera regressar de Paris. Ao negar Sócrates, quase como Judas traiu Cristo, António Costa está o negar o passado, onde aliás ele também participou como ministro. Tudo isto lhe fica muito mal como candidato a primeiro-ministro, como cidadão, e pode voltar-se contra ele. O que quer dizer Costa quando diz que não tenciona visitar José Sócrates à cadeia? No fundo António Costa sabe que Sócrates tem que ser condenado – não é impunemente que a justiça, em que Costa como muitos outros políticos do sistema dizem confiar prende um ex-primeiro-ministro e o mantém em prisão por mais de meio ano sem uma acusação sólida. E para mais tratando-se de alguém com a capacidade de José Sócrates, um feroz animal político. É também por essa razão que todos os colectivos de juízes que apreciaram os recursos interpostos pelos advogados de Sócrates indeferiram os mesmos. E num caso, em que um juiz relator tencionava dar razão ao recurso de Sócrates, teve que ser chamado à razão da justiça por duas colegas que votaram contra o recurso.
A cobardia de António Costa pode sair-lhe cara politicamente, porque a coligação não deixará de usar como arma de arremesso na campanha eleitoral a prisão de Sócrates. E Costa ao abandonar Sócrates retira-se da narrativa do ex-primeiro-ministro, deixando a narrativa da coligação PSD/PP virar ao de cima sem contraditório. É um erro político grave que pode explicar os fracos resultados que o PS tem tido nas sondagens.

sábado, abril 25, 2009

A LIBERDADE NÃO ESTÁ A PASSAR POR AQUI


Quando se fala de liberdade como algo plenamente atingido, algo vai mal no nosso reino. Está-se a escamotear que a liberdade política (e estou tão só a falar da liberdade política, porque a liberdade em sentido lato é impossível de alcançar) é algo que se constrói no dia-a-dia, algo que ameaça subitamente desaparecer perante novos poderes. Existe um discurso político estúpido que dá a liberdade política como algo de completamente adquirido e a censura como algo que acabou com o 25 de Abril. Nada mais errado. Na verdade existem sectores da sociedade portuguesa que nunca foram abalados pela revolução; outros adaptaram-se à democracia espectacular.
Os magistrados são um dos poucos sectores da sociedade portuguesa que se mantêm tão fascista quanto eram antes de 25 de Abril. Alguns acontecimentos, bastante mediatizados, ocorridos nos últimos anos dão-nos a prova disso. No caso Casa Pia, assistiu-se ao linchamento público de alguns membros do Partido Socialista; à prisão preventiva de pessoas que, ou já foram declaradas inocentes, ou ainda aguardam o final do julgamento. Mas o caso Casa Pia veio apenas mostrar como era a justiça portuguesa, como era tão fácil acusar e colocar na cadeia qualquer pessoa. E mesmo depois da revisão do Código do Processo Penal, motivada talvez pelo caso Casa Pia, continua a ser bastante fácil para os magistrados (juízes e Ministério Público) restringir a liberdade de pessoas por simples calúnias. Tudo se passa num sistema paralelo, fortemente corporativo e sedento de um poder que não tem – o poder político. É um sistema onde predomina a mediocridade, a estupidez, a ignorância (qual é a formação dos nossos magistrados? O que é necessário para se ser juiz ou delegado do ministério público? Que formação em Ética, por exemplo, têm estes doutores e doutoras?), a insensibilidade, a ausência de reflexão sobre o sistema judicial, que termina num lugar gerador por excelência de crime: a prisão. A sociedade apenas pede justiça, não quer saber como ela é aplicada, que crimes se cometem nas prisões. É claro que sem o sentimento de segurança não há liberdade – liberdade, por exemplo, de circular na rua à noite. Mas essa é uma questão a que os magistrados estão a leste.
O que importa a determinados magistrados vai para além da sua carreira, de acusar, de vencer processos, por vezes de forma promíscua pelas relações que existem entre Ministério Público e juízes. O que importa a determinados magistrados é alargar o seu campo de acção, fazer da justiça um terreno de salvação de lutas políticas perdidas. Um caso concreto: Maria José Morgado. Esta ex militante maoista dedica-se agora a perseguir corruptos especialmente no futebol. O futebol cheira a um mundo mafioso, de facto. Mas Maria José Morgado, na sua ânsia contra os corruptos, no seu protagonismo, faz demasiado lembrar a sede de sangue que a ex dirigente do PCTP-MRPP teria numa chamada democracia popular como a China.
Outro caso concreto: Cândida de Almeida. A procuradora do DCIAP tornou-se na responsável por um processo demasiado quente: o Freeport. Foi ela quem foi buscar o processo que envolve, ainda que indirectamente, o nome de Sócrates. Ou seja, e se não estou errado, existindo este processo há mais de quatro anos, porque razão Cândida de Almeida o foi “desenterrar” agora, nas vésperas de eleições? Porque o não fez antes? A batata parece quente demais para a procuradora que, arrependida, faz agora a defesa do Primeiro-Ministro. Não podia estar calada? Creio que Cândida de Almeida tem a ilusão que consegue estar acima do Presidente da República: enquanto defender Sócrates, ela está a segurar o governo, se deixar de defender o PM está a demitir o governo.