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domingo, dezembro 31, 2023

LIVROS EM 2023

 

1, 2023 foi o ano em que o Ministério Público (MP) levou à demissão do governo de António Costa. Depois do ano ter começado com uma série de casos & casinhos que envolviam membros do governo, o golpe final foi dado em Novembro, quando a polícia entrou na residência oficial do primeiro-ministro e um comunicado do MP colocava Costa como suspeito. O primeiro-ministro demitiu-se nesse mesmo dia. Um mês antes, no Médio Oriente, o Hamas, num ataque terrorista, matava cerca de mil israelitas e fazia mais de 200 reféns. A resposta do governo de Benjamin Netanyahu foi uma acção de guerra que até agora fez mais vinte mil mortos palestinianos, na Faixa de Gaza, a maioria deles civis, e parece avançar com intenções de extermínio dos palestinianos.

Mas, no início do ano, algo de novo aparecia no reino da tecnologia em que estamos cada vez mais imersos: o Chat GPT. Concebido pela empresa OpenAi, o Chat GPT, e os modelos que lhe seguiram por parte da concorrência, o Chat Bing (Microsoft) e o Chat Bard (Google), permitem pela primeira vez uma interacção conversacional com um mecanismo de inteligência Artificial (IA). Embora já estivesse presente nos dispositivos electrónicos, nomeadamente nos smarphones, embora a investigação em IA tenha décadas, nunca a IA se apresentou assim perante os humanos: como um chatbot com o qual é possível “falar” (teclar), a quem é possível colocar questões, dúvidas ou pedir para criar algo. Tratando-se de um modelo de linguagem estatístico, o Chat GPT assume uma aura de uma entidade com uma sabedoria que não tem – ainda. A inteligência artificial apareceu como uma ameaça, a juntar a outras como a crise climática e as guerras (na Ucrânia e entre Israel e o Hamas), o que levou, paradoxalmente, alguns dos investigadores em IA a escreverem uma carta onde pediam uma desaceleração na investigação em IA. Vive-se assim entre o desejo que a IA resolva os problemas da humanidade, e o receio que se torne tão ou mais inteligente que os humanos. O certo é que ainda imberbe, a IA aparece como uma ameaça também ao mundo da criação literária. A greve dos argumentistas em Hollywood, que durou cerca de cinco meses, foi causada entre outros factores pela utilização da IA, num claro e primeiro efeito da IA no mundo da criação literária e artística. Os modelos como o Chat GPT têm já a capacidade de escreverem histórias infantis que podem rivalizar com as escritas por escritores humanos. Por altura do aparecimento do Chat GPT a Amazon foi inundada de livros para a infância. Vivemos, assim, num certo meio literário, já condicionado pela inteligência artificial. E o restante mundo editorial (tradutores, revisores, gráficos, etc) poderá ser afectado pela IA.

Num artigo publicado no El País, a escritora e activista Naomi Klein acusava a IA de “grande roubo” a todo o conhecimento humano, tendo o jornal The New York Times materializado essa opinião ao recentemente processar a Microsoft e a OpenAI por violação de direitos de autor. O filósofo José Gil, num ensaio publicado no Público (3-12-23) prevê um cenário distópico: “as obras de arte algoritmizadas serão saudadas como exemplos singulares de criação e engenho das máquinas inteligentes. Os romances, as traduções, os objectos de arte, as composições musicais resplenderão de originalidade inigualável. Produtos de uma enorme complexidade – nós seremos mais simples e pequenos, pobres e felizes.”  

 

2, De três importantes escritores e poetas se comemoraram em 2023 o centenário de nascimento: Eugénio de Andrade, Mário Cesariny e Natália Correia. Eugénio de Andrade (1923-2005), foi um dos principais poetas portugueses da segunda metade do século XX. A sua poesia imbuída de um Eros clássico, principalmente nas primeiras obras, teve ao longo de décadas uma excelente recepção entre os leitores. Treze anos depois do seu desaparecimento, importava averiguar o valor que esta poesia mantém no cânone – universitário, crítico, entre pares e junto dos leitores. Certo é que neste ano de centenário apenas um livro de Eugénio de Andrade foi publico – Aquela Nuvem e Outras (Porto Editora), um livro para crianças. Embora a Assírio & Alvim tenha vindo desde 2012 a publicar individualmente cada um dos livros de Eugénio de Andrade, e já tenha em 2017 publicado a poesia reunida do poeta que nasceu no Fundão e viveu no Porto, e em 2022 a prosa reunida, pouco se notou, a nível de iniciativas, o centenário do autor de As Mãos e os Frutos. Quer isto dizer que Eugénio de Andrade caiu num certo esquecimento, ou talvez num desgaste.

Num sentido contrário podemos falar da obra poética, e não só, de Mário Cesariny. O nome de Cesariny liga-se umbilicalmente ao surrealismo português (juntamente com Alexandre O`Neill e António Maria Lisboa, mas também Mário-Henrique Leiria ou Manuel de Lima), de que foi o criador e teórico (veja-se Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista). Mas a sua poesia maior pode ser resumida a quatro ou cinco poemas que estarão entre os melhores poemas da lírica portuguesa. Mário Cesariny praticou a insubmissão como forma de vida. E essa atitude terá levado a um propositado esquecimento da sua obra que foi recuperada no final da sua vida e nos últimos anos. Daí que ao Cesariny poeta se tenha recuperado o Cesariny artista plástico. A edição da antologia Poesia de Mário Cesariny, e do projecto datado de 1977 de uma heterodoxa antologia de poesia, cujo título Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea (ambas organizadas por Fernando Cabral Martins para a Assírio & Alvim) é já em si sintomático da rebeldia de Cesariny, mas também do acolhimento que a sua obra tem tido.

No caso de Natália Correia, não podemos falar apenas de uma escritora e poeta. É, para além disso, a sua biografia que a vai impor como uma figura pública:  deputada à Assembleia da República pelo PSD e depois pelo PRD, mas também pelo programa televisivo Mátria, que Natália Correia se torna conhecida do grande público, já depois do 25 de Abril. Mas, num outro círculo, mais restrito, Natália Correia vai afirmar-se, ainda durante o Estado Novo, como anfitriã e dona de um bar em Lisboa – o Botequim – que procurava ser um espaço de liberdade dentro da ditadura. Na sua actividade de escrita foi romancista, dramaturga, poeta, ensaísta, diarista, organizadora de antologias. Uma dessas antologias, Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1965, primeira edição) valeu-lhe uma condenação de três anos com pena suspensa; foi ainda processada por ser a responsável editorial do livro Novas Cartas Portuguesas (1973). A sua escrita andou pelos caminhos do surrealismo, e com Mário Cesariny partilhou além da rebeldia e insubmissão, a amizade e admiração.

 

3, No que respeita aos livros publicados em 2023, apresento uma lista abaixo, que é uma selecção, lacunar, do que foi publicado. A maior parte recebeu alguma atenção por parte da escassa crítica literária ainda existente (Expresso, Público, JL, pouco mais), outros livros foram ignorados por essa mesma crítica.

Da lista saliente-se, na poesia, uma nova edição da Poesia de Luiza Neto Jorge, revista e aumentada, que vai buscar poemas que a poeta não integrou na reunião da sua poesia em Os Sítios Sitiados (1973), mas estavam em outros livros anteriores; a edição pela primeira vez em português de um autor italo-argentino, Antonio Porchia, mestre no aforismo de forte tonalidade poética, ou no poema disfarçado de aforismo, que foi publicando ao longo dos anos na suas Vozes (Voces). A publicação da obra completa de um poeta mais conhecido como letrista de fados, Pedro Homem de Mello; e também das obras completas de dois autores muito distantes entre si, não só no tempo: o clássico Horácio, e o recente Roberto Bolaño. Ainda obras completas, ou completas até à data: Rita Taborda Duarte, Helga Moreira, Maria da Graça Varella Cid e Ernesto Sampaio, de quem a Maldoror e Língua Morta reuniram em cerca de 400 páginas os poemas e textos em prosa.

Na ficção, no ano que o Nobel da literatura foi para o romancista e dramaturgo norueguês Jon Fosse, os autores portugueses mais conceituados pouco ou nada publicaram (com excepção de Gonçalo M. Tavares, sempre prolifico). Destaque-se o trabalho editorial da E-Primatur que este ano publicou a tradução na integra de Gargântua & Pantagruel de François Rabelais.

No ensaio, destaque-se a reunião da obra ensaística sobre poesia de Joaquim Manuel Magalhães, num grosso volume de quase 1200 páginas, que colige os seus três livros de ensaios e acrescenta inéditos – pelo menos em livro –, assinado com o pseudónimo, ou heterónimo, de António Maria António Pedro. Joaquim Manuel Magalhães é sem dúvida um dos mais lúcidos leitores da poesia portuguesa, e não só. Ainda no ensaio sobre literatura Joana Matos Frias publicou Oscilações (Documenta) e Joana Emídio Marques Notícias do Bloqueio (Língua Morta). A Relógio d` Água publicou mais um ensaio do filósofo Byung Chul Han, desta vez sobre A Vida Contemplativa, mas nesta editora também se publicaram os Ensaios de Robert Musil, e um livro que denúncia os mecanismos tecnológicos de vigilância da ditadura chinesa: Estado de Vigilância de Josh Chin e Liza Lin. Também na linha da crítica das novas tecnologias ao serviço do poder, de Jonathan Crary a Antígona traduziu Terra Queimada – Da era digital ao mundo pós-capitalista. E, entre muitos outros livros destaque ainda para um clássico do pensamento anarquista, Que é a Propriedade? de Proudhon nas Edições 70.

 

 

POESIA

Mário Cesariny – Antologia (Assírio & Alvim, org. Fernando Cabral Martins)

Mário Cesariny – Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea (Assírio & Alvim, org. Fernando Cabral Martins)

António Porchia – Vozes (Língua Morta, trad. Nuno Azevedo)

Luiza Neto Jorge – Poesia (ed. Revista e aumentada por Fernando Cabral Martins e Manuele Masini, Assírio & Alvim)

Adília Lopes – Choupos (Assírio & Alvim)

Pedro Homem de Mello – Poemas 1934-1961 (Assírio & Alvim, ed. Luís Manuel Gaspar)

Horácio – Poesia Completa (Quetzal, trad. Frederico Lourenço)

Roberto Bolaño – Poesia Completa (Quetzal, trad. Carlos Vaz Marquez)

Rosa Maria Martelo – Desenhar no Escuro (Averno)

Margarida Vale de Gato – Mulher ao Mar e Corsárias (Mariposa Azual)

Helga Moreira – A Arte de Perder (Tinta da China)

Amadeu Baptista – Danos Patrimoniais. Antologia pessoal 1982-2022 (Afrontamento)

Alberto Pimenta – They` II Never Be the Same (Edições Saguão)

Cesare Pavese – Trabalhar Cansa (Penguin Clássicos, trad. Vasco Gato)

Fernando Guerreiro – Metal de Fusão (Black Sun Editores / 100 Cabeças)

José Amaro Dionisio, Helder Moura Pereira. Fátima Maldonado, F. Cabral Martins – Imperfeição (não) edições

Rita Taborda Duarte – Não Desfazendo (Imprensa Nacional)

Ernesto Sampaio – Luz Central (Maldoror/Língua Morta)

Maria da Graça Varella Cid – Poesia Incompleta (Tigre de Papel)

 

FICÇÃO

François Rabelais – Gargântua & Pantagruel (E- Primatur)

Gustave Flaubert – A Tentação de Santo Antão (Minotauro)

William S. Burroughs – Almoço Nu (Minotauro)

Rui Nunes – Neve, Cão e Lava (Relógio D` Água)

Gonçalo M. Tavares – As Botas de Mussolini (Relógio d` Água)

Gonçalo M. Tavares – Breves Notas sobre o Oriente (Relógio d` Água)

Joseph Conrad – Plantador de Malata (Sistema Solar)

Hélia Correia – Certas Raízes (Relógio D` Água)

Horace Walpole – Contos Hieroglíficos (Antígona)

Monteiro Lobato – Reinações de Narizinho (Tinta da China)

 

NÃO – FICÇÃO

Joaquim Manuel Magalhães – Poesia Portuguesa Contemporânea (Bestiário)

Byung Chul Han – Vida Contemplativa (Relógio d´Água)

Jonathan Crary – Terra Queimada – Da era digital ao mundo pós-capitalista (Antígona)

Joana Matos Frias – Oscilações (Ducumenta)

Josh Chin e Liza Lin – Estado de Vigilância (Relógio d´Água)

Robert Musil – Ensaios (Relógio d´ Água)

Joana Emídio Marques – Notícias do Bloqueio (Língua Morta)

Salvador Dali – Diário de um Génio (Sr. Teste)

Ian F. Svenonius – Contra a Palavra Escrita (Chili com carne)

Maria Filomena Mónica – Os Livros da Minha Vida (Relógio d´Água)

António Castro Caeiro – O que é a Filosofia? (Tinta da China)

João Barrento – Aparas dos Dias (Companhia das Ilhas)

Furio Jesi - Cultura de Direita (Edições 70)

Simon Sebag Montefiore – Mundo (Crítica)

António Vieira – Entrevista (Companhia das Ilhas)

Diogo Ramada Curto – Um País em Bicos de Pés (Edições 70)

José Gil – Morte e Democracia (Relógio d´Água)

Camilo Pessanha – China e Macau (Livros de Bordo)

Alexandra Lucas Coelho – Libano, Labirinto (Caminho)

Michel Eltchaninoff – Lenine Foi à Lua (Zigurate)

Roberto Calasso – O Cunho do Editor (Edições 70)

P-J Proudhon – Que é a Propriedade? (Edições 70)

(Em cima, intervenção sobre fotograma com Mário Cesariny)

 

 

 

quinta-feira, novembro 30, 2023

Leonardo Gandolfi

 


ESCALA RICHTER

    
    Samuel Butler
que verteu entre outros a Odisseia
para prosa tem uma tese curiosa.
Segundo ele, a mocinha
que dá guarida a Ulisses
quando está em maus lençóis
é na verdade o próprio Homero.
Cada linha sobre a volta para a casa do herói 
foi composta por ela
que participa da história como Nausícaa.
A filha do rei Alcínoo
e suas escravas lavando roupa.
Os panos secam enquanto elas tomam 
banho jogam bola cantam.
Agora porém ainda estão lanchando.
A coisa toda terminará
quando Ulisses surgir nu na praia
as meninas em roupa de banho correndo
menos Nausícaa.

    O caminho
que vai da princesa
a Homero tem pouco a ver
com autobiografia
biografia ou bobagens do tipo.
Como se sabe, isso é nada
ou tão só um desastre.
Butler, autor de The way of all flesh
e mentor de Chesterton, garante
o diabo é o detalhe.

    As aventuras de Nausícaa
e das suas coleguinhas escravas, distração
em tempos difíceis, tem chamado
minha atenção para tópicos realmente 
importantes como discrição e hospitalidade.
Acolher é tudo, ainda mais quando
não se espera nada em troca, diz nosso herói 
diante dos belos olhos da princesa.
Mas como o mundo não é feito apenas 
de dificuldades envolvendo autoria
a esperança é que esses dois tópicos 
me ajudem em alguns outros problemas, diz ele.

Leonardo Gandolfi, in Voo Rasante - Antologia de Poesia Contemporânea, Coordenação de Helena Vieira, Mariposa Azual, Lisboa, 2015, pp. 89-90.
Leonardo Gandolfi nasceu no Rio de Janeiro, em 1981. Tem publicado alguns livros de poesia no Brasil, ao mesmo tempo que tem exercido uma actividade de crítica literária especialmente sobre poetas portugueses (de Carlos de Oliveira a Adília Lopes), em revistas portuguesas e brasileiras.

quinta-feira, agosto 31, 2023

NATÁLIA CORREIA

 


REBIS

Oh a mulher como é cõncava
de teclas ter no abdómen
de sua porção de seda
ser o curso do rio homem

como é mina espadanar de água
na cama abobadada de homem
gargalhada de lustre se sentada
dique de nuvens estar de dólmen!

Oh o homem como é ângulo
aberto de procurar
o sítio onde nasce o ouro
na salmoura da mulher mar

como é cúpula de copular
nadador de braçadas de mirto
como é nado de a nado formar
o quadrado da mulher círculo!

Oh os dois como se fundem
na praia-mar dos lençóis 
despidos como fogo e água
deus de dois ventres ferozes
e quatro anos de fava!

In Edoi Lelia Doura - Antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, org. por Herberto Helder, Assírio & Alvim, 1985, p. 190.

Natália Correia nasceu em S. Miguel, Açores, há 100 anos (13.9.1923- 16.3.1993). Para além de poetisa de cariz surrealista, e também ficcionista, ficou conhecida pela sua actividade política, como deputada do PSD e, também, do PRD; pelo resistência boémia à ditadura do Estado Novo a partir do seu bar "Botequim", lugar de encontro de intelectuais, que manteve depois do 25 de Abril. Foi autora de um programa televisivo (Mátria), onde explanou as suas ideias de Pátria, Mátria e Fátria. Em 1966 foi condenada a 3 anos de prisão, com pena suspensa, pela organização de uma Antologia da Poesia Erótica e Satírica. Em 1973 organizou uma singular antologia sobre O Surrealismo na Poesia Portuguesa (2ª edição, frenesi, 2002), com comentários teóricos. Há, em Natália Correia, uma pensadora - do surrealismo, da mulher - que tem sido esquecida.  

domingo, abril 30, 2023

Fernando Esquio

 


Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
nas ribas do lago u eu andar vi
    a las aves meu amigo.

Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago u eu vi andar
    a las aves meu amigo.

En nas ribas do lago u eu andar vi
seu arco nas maão as aves ferir
    a las aves meu amigo.

En nas ribas do lago u eu vi andar
seu arco na mano a las aves tirar
    a las aves meu amigo.

Seu arco na mano as aves ferir
e las que cantavam leixá-las guarir,
    a las aves, meu amigo.

Seu arco na mano a las aves tirar
e las que cantavam nom nas quer matar,
    a las aves, meu amigo.

In Rosa do Mundo - 2001 poemas para o futuro, Assírio & Alvim/ Porto 2001, p. 735
Fernando Esquio foi um trovador galego, de quem se conservam nove composições: quatro cantigas de amigo, duas cantigas de amor e 3 cantigas de escárnio e mal-dizer. Terá vivido entre finais do século XIII e inícios do século XIV. 


sábado, dezembro 31, 2022

LIVROS EM 2022

 


1, A 24 de Fevereiro de 2022 a Rússia invadia a Ucrânia. Não era a primeira vez que a guerra eclodia na Europa depois de 1945, mas desta vez o ocidente (UE, Nato, EUA), não estava disposto a tolerar as ambições lunáticas de Putin. Nem os jornalistas a abdicar do modo monotemático dos telejornais: substituíram a covid pela guerra. O resultado é a divisão do mundo, de novo, em dois blocos, como durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos, com Biden, em nada mudaram: são os polícias do mundo, estão a alimentar a guerra através da ajuda militar à Ucrânia de Zelensky. Parece que ninguém quer a paz. E os Ucranianos, incentivados pelo nacionalismo do fantoche Zelensky, são as vítimas disto tudo. Eles e os soldados russos. A Ucrânia é no início deste século o solo onde se joga uma perigosa e barbara partida de xadrez, onde não pode haver xeque-mate. E, em fundo, ecoa a ameaça nuclear. Ora esse facto, deu lugar na actividade editorial, à publicação de uma série de livros relacionados com o tema. Desde histórias da Rússia, biografias de Putin, à publicação de escritores ucranianos. 

2, Byung-Chul Han. Vivemos em certo sentido "tempos sombrios" (H. Arendt), marcados pela emergência climática, pelo avanço da extrema-direita, por um mundo onde a nossa relação com as coisas, os objectos, se torna cada vez mais virtual, e onde essa virtualização corresponde a uma exploração dos nossos dados por mecanismos mais ou menos secretos de Inteligência Artificial (IA), como o tem vindo a denunciar, numa analítica da actualidade, o filósofo germano-sul-coreano Byung-Chul Han. De Han a Relógio d' Água tem vindo a publicar a sua já extensa obra de pequenos livros - cerca de 100 páginas cada um - onde se procede a uma crítica e elucidação do tempo presente. Este ano publicou Não-Coisas e Infocracia. Ora estes livros, levantando o problema da virtualização das coisas, estão também a levantar o problema da virtualização da leitura. No que respeita aos jornais isso é evidente: são os próprios jornais que cada vez mais apostam nas suas edições on-line. Mais: como tinha previsto Mcluhan, estamos a caminho de uma sociedade oral, onde a leitura em silêncio acabará por desaparecer. São disso exemplo, já, a leitura áudio de artigos por máquinas de IA, como faz, por exemplo, a edição on-line do jornal Público. Mas também o word do windows 11 possibilita a leitura áudio de documentos da mesma forma. 

3, Centenários. 2022 foi o ano do centenário de nascimento de dois dos mais importantes escritores portugueses da segunda metade do século XX: José Saramago e Agustina Bessa-Luís. Foram também personalidades politicamente nos extremos. José Saramago, filho de pobres agricultores, tornou-se militante do PCP durante a ditadura do Estado Novo; depois do 25 de Abril, e durante o chamado "verão quente" de 1975, foi director-adjunto do Diário de Notícias, então nacionalizado. Os escritos de Saramago, no Diário de Notícias não constam das suas Folhas Políticas, livro que recolhe textos entre 1976 e 1998. Mas terá sido um período de efervescência em que o escritor José Saramago começou a nascer para a escrita que o viria a consagrar com o Nobel da literatura (é certo que já tinha publicado um romance e 3 livros de poemas). Do outro lado, completamente oposto, temos Agustina Bessa-Luís, filha de uma família burguesa. Incorporou o espírito familiar na defesa de um reaccionarismo  bastante patente na sua vasta obra, estranha e por muitos julgada de quase genial. A origem social foi marcante para a obra destes dois escritores tão antagónicos. Mas no caso de Agustina, a sua defesa de classe torna-se por vezes enervante. A utilização da palinódia, esse dizer e desdizer, fazer e desfazer verbal; o aforismo, em que a escritora de Amarante foi prolifica, serviram sempre uma causa extremamente conservadora, escandalosa por vezes, como a caracterizou Eduardo Prado Coelho em A Noite do Mundo. Recorde-se um episódio sintomático: depois da SPA ter atribuído um prémio literário a Luandino Vieira, a PIDE destruiu a sede da SPA; Óscar Lopes escreveu a Agustina - entre outros escritores - para tomarem uma posição publica, mas a autora de A Sibila declinou qualquer compromisso. Agustina vivia num "mundo fechado" (título do seu primeiro livro) que não reconhecia a existência do outro - nisso, creio, reside o "escândalo" a que aludia EPC. Já o Saramago que terá participado dos saneamentos de trabalhadores do DN, fá-lo no período de uma efervescência revolucionária. 

Mas este ano de 2022 também foi o ano do centenário do nascimento de Pier Paolo Pasolini. Cineasta, dramaturgo, romancista, poeta, ensaísta, Pasolini foi sobretudo alguém polémico no meio intelectual italiano. Polémico porque lúcido, polémico porque pensava por si, fora de qualquer categoria de adestramento ideológico, porque sendo comunista, homossexual e católico era já o bastante para desarrumar as etiquetas que não lhe conseguiam colar. Por isso, também, incómodo. Pasolini é, ao mesmo tempo o realizador do filme Evangelho Segundo S. Mateus e o autor do romance Vida Violenta; o autor do filme Saló ou os 120 Dias de Sodoma onde denúncia o fascismo italiano de Mussolini e o que também existia de fascista, avant la lettre na obra de Sade; é contra o aborto e denuncia o desaparecimento dos pirilampos como signo do capitalismo e das luzes eléctricas que avançam pelo espaço da noite. De Pasolini foi este ano editado pela VS Entrevistas Corsárias - sobre a política e a vida, A Poesia é uma Mercadoria Inconsumível (Sr. teste) e O Odor da Índia (Desassossego) - relato de uma viagem à Índia na companhia de Alberto Moravia e Elsa Morante. João Oliveira Duarte publicou um glossário em forma de ensaio sobre temas pasolinianos: Não Sou da Família - Notas Sobre Pasolini (BCF Editores). Recorde-se que Pasolini seria assassinado a 2 de Novembro de 1975 na praia de Óstia, por um ragazzo di vita. Em homenagem a Pasolini os Coil compuseram esta magnifica canção, precisamente intitulada Ostia.

De Marcel Proust, o autor de um dos grandes romances do século XX, esse imenso Em Busca do Tempo Perdido (a tradução para português europeu é de Pedro Tamen e está publicada na Relógio d' Água), comemoraram-se este ano os 100 anos do falecimento. Por cá em silêncio total. Outro dos mais referenciados como grande romance do século XX, ou de sempre, é Ullises de James Joyce - livro quase intragável que comemorou este ano o centenário da sua primeira edição. A Relógio fez uma edição especial da tradução de Jorge Vaz de Carvalho, enquanto a Livros do Brasil reeditou a tradução de João Palma-Ferreira.

4, Pessoa. Fernando Pessoa continua a assombrar a literatura portuguesa e não só. Este ano publicaram-se duas biografias do poeta dos heterónimos: de Richard Zenith, um dos principais estudiosos e editor da obra pessoana, foi traduzida para português a sua monumental biografia de Fernando Pessoa - Pessoa. Uma Biografia (Quetzal) que foi finalista do Prémio Pulitzer. A outra biografia de Pessoa, é da autoria de João Pedro Gorge - O Super-Camões. Biografia de Fernando Pessoa (D. Quixote) - foi menos referenciada. João Pedro George é autor de biografias de Luiz Pacheco, da Marquesa de Paiva ou de Mota Pinto, o presidente do PSD que nos anos 80 formou governo com o PS de Mário Soares. A biografia de João Pedro George é também a segunda feita por um autor português, mais de 70 anos depois de João Gaspar Simões escrever a primeira biografia de Pessoa. Na verdade, descontando uma biografia feita por um brasileiro, há poucos anos, e que os pessoanos rejeitaram como pouco séria, existiam apenas duas biografias sobre Fernando Pessoa: a de Gaspar Simões e a de Robert Bréchon publicada nos anos 1990. 2022 foi o ano em que apareceram mais duas. Pessoa é tido, por uma ideia generalista, como quase não tendo biografia; o que viveu, os seus pensamentos, estão em fragmentos dentro da famosa arca. Em parte isto será verdade: se Wittgenstein poderia referir como o melhor da sua obra tudo o que não escreveu (mas pensou, ou mesmo verbalizou), já Pessoa parece ter apontado quase tudo o que pensou. E nenhuma biografia pode ultrapassar essa grande obra que é o Livro do Desassossego, onde existem resquícios auto-biográficos. Mas a vida de Pessoa vai para além da sua escrita, do seu "texto" que ele deixou para que outros o fixassem. E é nesse labirinto pessoano, quase um palimpsesto, que Pessoa continua vivo, nas múltiplas variantes dos seus textos, a "obra" pessoana é sempre incompleta.    

5. Pessoa, o Prémio. O Prémio Pessoa é atribuído desde 1987 pelo semanário Expresso. Tem galardoado poetas, escritores, cientistas, historiadores, artistas, juristas, arquitectos, etc. A lista já é longa e inicia-se com José Mattoso (em 1987). Como poetas o prémio foi entregue a António Ramos Rosa (1988), Vasco Graça Moura (1995), Manuel Alegre (1998), Mário Cláudio (2004) e - única rejeição - a de Herberto Helder (1994). Agora, em 2022 o júri entendeu voltar a atribuir o prémio a um poeta e escolheu... João Luís Barreto Guimarães. É simplesmente uma escolha que não se percebe - embora o júri, sempre presidido por Francisco Pinto Balsemão, não pareça perceber muito de poesia, tem entre os seus elementos a ex-crítica literária Clara Ferreira Alves. Qualquer que seja a lógica do prémio (galardoar consagrados ou pessoas de quem se espera que "ofereçam obras" á sociedade), o nome de Barreto Guimarães aparece no fim de uma lista onde há muitos outros poetas que mereciam o prémio. E nisso é bom não esquecer poetas como António Franco Alexandre, José Agostinho Baptista, João Miguel Fernandes Jorge, Paulo da Costa Domingos, Fátima Maldonado, Nuno Júdice, entre outros, que iniciaram a publicação da sua obra na década de 70. Mas se o júri queria dar o prémio a alguém que por várias razões o merece, mesmo porque pertencem à geração de Barreto Guimarães, a dos poetas dos anos 80, tinha dois nomes: Adília Lopes ou Carlos Poças Falcão. Adília é já um nome incontornável na poesia portuguesa, precisamente pela sua aparente apoeticidade, por uma poesia da imanência que sobrevaloriza - e bem - a vida à obra. Já Carlos Poças Falcão, poeta também dos anos 80, é um poeta extremamente discreto que só a reunião da sua poesia completa, em 2012, com Arte Nenhuma (republicada com acrescentos em 2020 pela Língua Morta) pôde dar uma visão geral da obra deste poeta que está entre os melhores da poesia portuguesa actual. J. L. Barreto Guimarães é apresentado como poeta tradutor e médico; vive no Porto e há anos que com Jorge de Sousa Braga edita o blogue Poesia Ilimitada.  Aliás Sousa Braga, que também é médico (obstetra) e vive no Porto, seria um nome com mais notabilidade para receber o prémio Pessoa, mas o júri talvez não quisesse entregar o prémio a um poeta que é autor de um livro intitulado De Manhã Vamos Todos Acordar Com Uma Pérola no Cu  (Fenda, 1983). Note-se ainda que, embora sem nenhuma formação académica para o efeito, Barreto Guimarães lecciona no curso de medicina do ICBAS, uma cadeira de poesia. No entanto, a sua poesia, por vezes, adentra-se numa perigosa ironia que uma leitura literal (e onde começa a ironia e acaba a literalidade?) pode chocar com a deontologia da sua profissão.

Enfim, há nos prémios que concernem ao campo literário sempre uma injustiça. Neste caso, do Prémio Pessoa, é de lembrar que Fernando Pessoa quando concorreu com a Mensagem a um prémio de poesia ficou em segundo lugar. Do vencedor ninguém sabe hoje o nome. Um outro prémio literário bastante discutível é o Nobel da literatura, que este ano foi para a francesa Annie Ernaux. Mas o Nobel da literatura tem já as suas regras, que alguns ingénuos teimam em não perceber. Para já, uma regra clara é a equidade de género (ou quotas literárias): um ano um homem, no outro uma mulher.

6, Vejamos agora os livros publicados em 2022, dos quais fiz uma selecção dividida por géneros. No que respeita à poesia, parto de uma citação de António Guerreiro, no suplemento Ípsilon do Público de 23-12-22: "o que a poesia contemporânea tem de mais importante deixou de ser maioritariamente assinado por nomes masculinos" (p.14). De facto, isso é hoje uma evidência, cujo diagnostico é um pouco tardio: a década de 2010 é já marcada pelo aparecimento de algumas poetas e o consolidamento de outras. A par disso dá-se um desvanecimento de uma poesia do quotidiano ou do real (e o gesto radical de Joaquim Manuel Magalhães em Um Toldo Vermelho, também é disso sintomático), que a antologia Poetas Sem Qualidade, organizada por Manuel de Freitas, constituiu um marco. Nomes como Andreia C. Faria, Raquel Nobre Guerra, Margarida Vale de Gato, Cláudia R. Sampaio ou Elisabete Marques (para só nomear autoras que publicaram este ano e constam desta lista), trouxeram uma inflexão á poesia portuguesa, que genericamente parte de um abandono da poesia do real. Nomes como Isabel de Sá (ou Eduarda Chiote), voltaram a publicar depois de anos sem publicar. No caso de Isabel de Sá, publicou a sua poesia reunida (pela segunda vez depois de Repetir o Poema - Quasi, 2005 - e do inédito O Real Arrasa Tudo, em 2019). Trata-se de uma obra das mais singulares da poesia portuguesa, que tem sido esquecida. Desta constelação de mulheres poetas - ou poetisas - assinale-se ainda Adília Lopes, nome cimeiro da poesia actual que este ano publicou o livro Pardais. Um dos poetas mais esquecidos da poesia portuguesa contemporânea é Rui Diniz, que no início da década de 70 publicou Ossuário. Este ano, cerca de 50 anos depois, publicou Ossos de Sépia. Registe-se ainda a reedição da poesia de António Gancho na Assírio & Alvim, editora que apostou para calhamaço do ano na obra completa de Paul Celan, um dos grandes poetas do século XX, cuja poesia é marcada pelo Holocausto.

No que respeita à ficção, assinalem-se três autores malditos: Michel Houllebecq, Thomas Bernhard e Jean Genet. Este último, tem andado arredado da edição em Portugal, pelo menos desde que a Hiena o públicou. António Lobo Antunes publicou, aos 80 anos, O Tamanho do Mundo (D. Quixote). De George Orwell foram publicados mais dois romances (Emergir Para Respirar - Relógio d' Água - e História de Um Homem Comum - E-Primatur). Orwell é de facto um autor fundamental para os tempos que atravessamos, e a edição portuguesa tem feito jus a esse facto, editando quase toda a obra do autor de 1984.

Quanto ao ensaio a colheita foi boa e abundante. Destaque-se o primeiro volume dos Ensaios de Montaigne publicado pela E-Primatur e os 48 Ensaios de Virginia Woolf. Para além dos livros de Byung-Chul Han, outros títulos colocam-nos questões. É o caso do título de Angela Davis editado pela Antígona: As Prisões Estão Obsoletas? Mas, também, do Livro do Clima organizado por Greta Thunberg. Noutro registo, Miguel Esteves Cardoso recuperou a sua Escrítica Pop e as crónicas que escreveu no Independente. Livros de Foucault (o seminário sobre essa categoria da psiquiatria e da biopolítica que foram Os Anormais), de Agamben sobre o período da loucura de Holderlin, de Deleuze sobre Proust em ano do seu centenário. Federico Bertolazzi com No Reino da Terrível Pureza (Documenta) interroga a edição da obra de Sophia. Para o autor, Sophia tem estado a ser censurada por uma série de artigos que ela publicou na imprensa não terem sido editados em livro. 

A mancha gráfica de um livro nem sempre é constituída por palavras. Por vezes surgem as imagens, ou quase só imagens. Estão neste caso os livros de Banda Desenhada ou novelas gráficas. Por isso faço referência a 3 livros nesta lista: a Obra Gráfica de Mário Henrique Leiria (que completa a edição das suas obras completas editadas na E-Primatur), a reedição da reportagem gráfica Palestina da autoria de Joe Sacco, e de Reinhard Kleist uma obra gráfica sobre Nick Cave. E, ainda, um livro de fotografia de um dos grandes foto-repórteres portugueses: Alfredo Cunha, publicado na colecção Ph da Imprensa Nacional com textos de António Barreto e David Santos. Esta é uma excelente colecção de fotografia, onde já foram publicados livros de Jorge Molder, Paulo Nozolino ou José M. Rodrigues com textos de José Bragança de Miranda, Rui Nunes ou Maria Filomena Molder.

7, Editoras. Basta olhar para a lista, para encontrar algumas pequenas e médias editoras, fora dos grandes grupos (Porto Editora, Leya), que, penso, melhor têm editado. É o caso da Antígona, Relógio d' Água, Tinta da China, Documenta ou E-Primatur - entre as médias editoras - e da Barco Bêbado, Sr, Teste, Língua Morta, Saguão, Dois Dias ou BCF Editores entre as pequenas editoras. O grupo Almedina, a que pertence a bastante activa Edições 70, tem feito um excelente trabalho editorial que dignifica esta chancela com quase 50 anos de existência.


POESIA

Adília Lopes - Pardais (Assírio & Alvim)
Isabel de Sá - Semente em solo adverso (Officium Lectionis)
Andreia C. Faria - Canina (Tinta da China)
Raquel Nobre Guerra - A divisão da alegria (Tinta da China)
Cláudia R. Sampaio - Uma mulher aparentemente viva (Porto Editora)
Rui Diniz - Ossos de sépia (Língua Morta)
Rui Baião - Motim (Barco Bêbado, c/ posfácio de Rui Nunes)
Paulo da Costa Domingos - Na sombra da quinta vertical (Barco Bêbado)
Paul Celan - Os Poemas (Assírio & Alvim, trad. Mª Teresa Dias Furtado)
J. W. Goethe - Os Poemas (Edições 70)
F. Nietzsche - Poemas (Edições 70)
Horácio - Odes e epodos (Tinta da China)
Robert Walser - Estou só e fora do mundo: 50 poemas (Sr. Teste)
Margarida Vale de Gato (org. e trad,) - O outono de oitocentos (Flop)
Elisabete Marques - Estranhos em casa (Língua Morta)
José Afonso - Obra Poética (Relógio d' Água)
Vítor Silva Tavares - Poemas de amor e ódio (Barco Bêbado)
António Gancho - O ar da manhã (Assírio & Alvim, reed.)
José Carlos Soares - Medição dos Arvoredos (Alambique)

FICÇÃO
Michel Houllebecq - Aniquilação (Alfaguara)
Thomas Bernhard - Geada (Dois Dias Editora)
Jean Genet - Diário do Ladrão (Minotauro)
Geoffrey Chaucer - Contos de Cantuária (E-Primatur, trad. Daniel Jonas)
Thomas Carlyle - Sartor Resartus (Imprensa Nacional)
Henrich von Kleist - Estranha profecia e outros textos (E-Primatur)
Isaac Asimov - Eu, Robô (Relógio d' Água)
Woody Allen - Gravidade zero (Edições 70)
George Orwell - Emergir para respirar (Relógio d' Água)
George Orwell - História de um homem comum (E-Primatur)
Gonçalo M Tavares - O diabo (Bretrand)
António Lobo Antunes - O tamanho do mundo (D. Quixote)
Raquel Gaspar da Silva - A pedra é mais bela que o pássaro (Caixa Alta)
Dulce Garcia - Olho da rua (Companhia das Letras)
João Reis - Cadernos da água (Quetzal)

ENSAIO
Virginia Woolf - 48 Ensaios (Relógio d' Água)
Michel de Montaigne - Ensaios (E-Primatur)
Byung-Chul Han - Infocracia (Relógio d' Água)
Byung-Chul Han - Não-Coisas (Relógio d' Água)
Greta Thunberg (org.)- O Livro do Clima (Objectiva)
Critical Arte Ensemble - Desobediência civil electrónica e outras ideias impopulares (Barco Bêbado)
Angela Davis - As prisões estão obsoletas? (Antígona)
Michel Foucault - Os anormais (Edições 70)
Giorgio Agamben - A loucura de Holderlin (Edições 70)
Gilles Deleuze - Proust e os signos (Barco Bêbado)
J. W. Goethe - A metamorfose das plantas (Saguão, trad. Maria Filomena Molder)
Miguel Esteves Cardoso - Escritica pop (Bertrand)
Miguel Esteves Cardoso - Independente demente (Bertrand)
André Barata - Para viver em qualquer mundo (Documenta)
Fernando Rosas (coord.) - Revolução Portuguesa 1974-75 (Tinta da China)
António Araújo - O mais sacana possível - a revista Almanaque (Tinta da China)
Rosa Maria Martelo - Devagar, a poesia (Documenta)
Frederico Pedreira - Um virar de costas sedutor (Relógio d' Água)
AA VV - Sobre Sophia: novas leituras (Assírio & Alvim)
Federico Bertolazzi - No reino da terrível pureza (Documenta)
João Oliveira Duarte - Não sou da família. Notas sobre Pasolini (BCF)
Luís Varela Aldemira - Arte e psicanálise (Taiga)
S. Kierkegaard - Diário de um sedutor (Sr. Teste)
David Graeber e David Wengrow - O príncipio de tudo - uma nova história da humanidade (Bretrand)
Carlo Rovelli - O Abismo vertiginoso (Objectiva)
Susan Sontag - Contra a interpretação (Quetzal)
Elena Ferrante - As margens e a escrita (Relógio d' Água)
Carlos Taibo - Ibéria esvaziada (Livraria Letra Livre)
Luís Mateus - O campeonato do mundo (Kathartika)

OUTROS. BIOGRAFIA, DIÁRIO, VIAGENS, NOVELA GRÁFICA
Richard Zenith - Pessoa. Uma biografia (Quetzal)
João Pedro George - O Super-Camões, biografia de Fernando Pessoa (D. Quixote)
Benjamin Moser - Sontag: vida e obra (Objectiva)
Witold Gombrowicz - Diário II (1959-1969) (Antígona)
Fernando Pessoa - Diário e escritos autobiográficos (Assírio & Alvim)
Pier Paolo Pasolini - O odor da Índia (Desassossego)
Alberto Moravia - Cartas do Sahara (Tinta da China)
Walter Benjamin - Diários de Viagens (Assírio & Alvim)
Mário-Henrique Leiria - Obra gráfica (E-Primatur)
Joe Sacco - Palestina (Tigre de Papel)
Reinhard Kleist - Nick Cave: Mercy on Me (Minotauro)





domingo, outubro 31, 2021

QUADRAS POPULARES (de O Surrealismo na Poesia Portuguesa)

 


Tenho dentro do meu peito
duas escadas de flores:
por uma descem saudades,
por outra sobem amores.

Quando eu morrer, meu amor
(há quem à noite resista?)
mesmo debaixo da terra
quero estar à tua vista.

Se o meu amor fora António
mandava-o engarrafar
em garrafinhas de vidro
para o sol o não queimar

Com um fio de retrós verde
quero, amor, que me cosais
o meu coração ao vosso,
que se não desate mais.

Meu amor, meu amorzinho,
quem te atira mil tiros
com uma pistola de prata
carregada de suspiros!

Os olhos da minha amada
são biquinhos de alfinetes;
fechados são dois botões,
abertos dois ramalhetes.

O meu coração é sala
onde passeia a açucena;
amei-te com tanto gosto,
deixei-te com tanta pena.

No meio daquele mar
está uma cadeira de vidro
onde o meu amor se assenta
quando vem falar comigo.

Eu tenho dentro do peito
um canivete dourado
para cortar o pão da lua
no dia do meu noivado.

(De O Surrealismo na Poesia Portuguesa, organização, prefácio e notas de Natália Correia, ed. Frenesi, 2002, pp.103-105)

quinta-feira, setembro 30, 2021

Rosa Alice Branco



 Tiro lume das gavetas. É o primeiro dia
de outono. E os anos que estão no fundo.
Antes não era eu. Era a casa em construção.
Eu antes de mim. Agora desmantelo o verão,
os vestidos que voam, os pés nus ao lado do vestido.
O tempo perde-se na mudança das estações
e nesta perda alguém existe em mim.
Uma voz ri-se no fundo do armário.
O sol tão baixo, na última gaveta.

(de Desfocados pelo vento - A poesia dos anos 80 e agora, org. e selecção de valter hugo mãe, quasi, Famalicão, 2004, p. 284)


quarta-feira, junho 30, 2021

Francisco Rodrigues Lobo



 Da Écloga X

Cantiga

Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura.
Vai fermosa e não segura.

A talha leva pedrada,
pucarinho de feição,
saia de cor de limão,
beatilha soqueixada;
cantando de madrugada,
pisa as flores na verdura:
Vai fermosa e não segura

Leva na mão a rodilha, 
feita de sua toalha;
com ua sustenta a talha,
ergue com outra a fardilha;
mostra os pés por maravilha,
que a neve deixam escura:
Vai fermosa e não segura

As flores por onde passa,
se o pé lhe acerta de pôr,
ficam de inveja sem cor,
e de vergonha com graça;
qualquer pegada que faça
faz florescer a verdura:
Vai fermosa e não segura.

Não na ver o sol lhe val,
por não ter novo inimigo;
mas ela corre perigo,
se na fonte se vê tal;
descuidada deste mal,
se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa e não segura

(Éclogas, 1605)
in Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc.XIII ao Séc. XXI, sel, org. de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora, 2009, pp. 513-514




segunda-feira, maio 31, 2021

António Maria Lisboa

 


PROJECTO DE SUCESSÃO

                                                        Para o Mário Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitroglicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.

in De palavra em punho, Antologia poética da resistência, de Fernando Pessoa até o 25 de Abril, org. de José Fanha, Campo das Letras, Porto, 2004, p. 181.


sábado, outubro 31, 2020

Raimbaut de Viqueiras

 


ALTAS ONDAS QUE VINDES SOBRE O MAR

Altas ondas que vindes sobre o mar,
que o vento faz cá e lá balançar,
do meu amigo sabedes novas contar,
que foi para lá? Não o vejo voltar!
E ai, Deus, o amor!
Ora me dá prazer ora me dá dor!

Ai, doce brisa, que vens de lá
onde meu amigo dorme e está e anda,
traz-me de seu alento um sopro!
A boca abro, do grande desejo que trago.
E ai, Deus, o amor!
Ora me dá grande prazer ora me dá dor!

Faz mal amar vassalo de estranho país,
tornam-se em choro seus jogos e risos,
Nunca pensei que o meu amigo me traísse
pois lhe tudo o que de amor me quis.
E ai, Deus, o amor!
Ora me dá prazer ora me dá dor!

(in Os Trovadores Provençais, selecção e tradução de Irene Freire Nunes e Fernando Cabral Martins, ed. Documenta, 2014, p. 194)

Raimbaut de Viqueiras (1180 – 1207) foi um trovador provençal, do qual se conhecem 26 poesias


segunda-feira, agosto 31, 2020

Leonor de Almeida e a Feira do Livro do Porto

 Leonor de Almeida

ENTRONIZAÇÃO


Tenho o braço cansado,
A mão dorida, trôpega...
Mas uma espécie de ânsia sôfrega
ordena:
            Empurrar tudo!
- Não quero, nem passado,
Nem presente,
Nem futuro! - 

O braço faz de muro,
A mão abre caminho, coerente...

Quero uma estrada cá dentro... lisa, plana,
Para a tua palavra mágica, profética,
Bela e magnética,
Passear livremente,
E demoradamente!...

(de "Caminhos Frios", 1947)

TELA

Pássaros enfermos transbordam-me a garganta
e meu coração tenta encher as covas das árvores arrancadas.
As nuvens enrolam-se na linha nua das chuvas
e no ar granuloso o teu perfil se descasca...

Bodes inquietos bebem a noite selvagem
e meu sangue encharca as esponjas de treva.
O choro dos sonhos corre sobre as folhas caídas
e no colchão dessa lama a morte me abraça...

Dá-me um nome
ó filho das calmas pastagens!
Que a minha hora glacial
deixe de sorver os pântanos!

(de "Terceira Asa", 1960)

O nome e a poesia de Leonor de Almeida esteve esquecido durante décadas, como o de outros poetas do século XX. Como são desatentas as gentes que catam versos, como piolhos da cabeça de um infante loiro. Na verdade, Leonor de Almeida foi uma poeta bastante discreta. Nascida no Porto em 1909, ou 1915, publicou apenas 4 livros de poesia: Caminhos Frios (1947), Luz do Fim (1950), Rapto (1953) e Terceira Asa (1960), colaborou com alguns jornais do Porto, e faleceu em Lisboa, em 1983. E subitamente, alguém reparou nesse nome que é um dos primeiros a figurar na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa de 1961 (da qual se transcreveram os dois poemas acima), organizada por E. M. de Melo e Castro (poeta e ensaísta falecido no passado sábado, 29, e que foi um dos principais nomes da poesia experimental portuguesa) e Maria Alberta Menéres. E assim, o nome de Leonor de Almeida, homónima da Marquesa de Alorna, é homenageado este ano na Feira do Livro do Porto. Pronto para esta homenagem, foi recentemente editado o livro Na Curva Escura dos Cardos do Tempo, com organização de Cláudia Clemente e prefácio de Ana Luísa Amaral (ed. Ponto de Fuga), que reúne os quatro livros publicados em vida pela autora. Destaque ainda, nesta Feira do Livro, para a homenagem a Maria de Sousa, cientista, mas também poeta, falecida este ano vítima de covid. E ainda, para outra mulher poeta, Andreia C. Faria, a quem a organização da Feira foi buscar o título do livro que reúne a poesia de uma das revelações poéticas da década de 10, Alegria para o Fim do Mundo, para estampar como slogan (?) da Feira. É certo que vivemos tempos pandémicos, e o livro, editado em 2019, tem algo de profético no título, mas como resposta, encontramos um outro livro, de Manuel António Pina, cujo título é: Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde. 


sexta-feira, julho 31, 2020

Al - Mu'tamid

Al-Mu 'Tamid: o rei-poeta de Sevilha | by Maria João Cantinho ...

Ao passar junto da vide
Ela arrebatou-me o manto,
E logo lhe perguntei:
Porque me detestas tanto?
Ao que ela me respondeu:
Porque é que passas, ó rei,
Sem dares saudação,
Não basta beberes-me o sangue
Que te aquece o coração?

*

Só eu sei quanto me dói a separação!
Na minha nostalgia fico desterrado
À míngua de encontrar consolação.
À pena no papel escrever não é dado
Sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
Linhas de amor na página da face.
Se o meu grande orgulho não obstasse
Iria ver-te à noite; orvalho apaixonado
De visita às pétalas da rosa

In O Meu coração é Árabe - a poesia luso-árabe, Sel. Trad. e prefácio de Adalberto Alves, Assírio & Alvim, 1987.
Al-Mu´tamid nasceu em Beja, em 1040, no seio de uma família de poetas. Foi rei da taifa de Sevilha, e é considerado como o mais importante poeta da poesia Luso-Árabe e do Al-Andaluz.