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quinta-feira, novembro 30, 2023

Leonardo Gandolfi

 


ESCALA RICHTER

    
    Samuel Butler
que verteu entre outros a Odisseia
para prosa tem uma tese curiosa.
Segundo ele, a mocinha
que dá guarida a Ulisses
quando está em maus lençóis
é na verdade o próprio Homero.
Cada linha sobre a volta para a casa do herói 
foi composta por ela
que participa da história como Nausícaa.
A filha do rei Alcínoo
e suas escravas lavando roupa.
Os panos secam enquanto elas tomam 
banho jogam bola cantam.
Agora porém ainda estão lanchando.
A coisa toda terminará
quando Ulisses surgir nu na praia
as meninas em roupa de banho correndo
menos Nausícaa.

    O caminho
que vai da princesa
a Homero tem pouco a ver
com autobiografia
biografia ou bobagens do tipo.
Como se sabe, isso é nada
ou tão só um desastre.
Butler, autor de The way of all flesh
e mentor de Chesterton, garante
o diabo é o detalhe.

    As aventuras de Nausícaa
e das suas coleguinhas escravas, distração
em tempos difíceis, tem chamado
minha atenção para tópicos realmente 
importantes como discrição e hospitalidade.
Acolher é tudo, ainda mais quando
não se espera nada em troca, diz nosso herói 
diante dos belos olhos da princesa.
Mas como o mundo não é feito apenas 
de dificuldades envolvendo autoria
a esperança é que esses dois tópicos 
me ajudem em alguns outros problemas, diz ele.

Leonardo Gandolfi, in Voo Rasante - Antologia de Poesia Contemporânea, Coordenação de Helena Vieira, Mariposa Azual, Lisboa, 2015, pp. 89-90.
Leonardo Gandolfi nasceu no Rio de Janeiro, em 1981. Tem publicado alguns livros de poesia no Brasil, ao mesmo tempo que tem exercido uma actividade de crítica literária especialmente sobre poetas portugueses (de Carlos de Oliveira a Adília Lopes), em revistas portuguesas e brasileiras.

terça-feira, agosto 31, 2021

Manuel de Barros

 


Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Lar doce lar


Minha pátria é minha infância:
por isso vivo no exilio

Cacaso (poeta e letrista brasileiro, 1944-1987)