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quinta-feira, fevereiro 29, 2024

50 ANOS DEPOIS, A CONTRA-REVOLUÇÃO

 



1, Com excepção de algumas democracias representativas, como foi a mexicana, é natural, e tem sido assim na democracia representativa portuguesa, uma certa “alternância democrática”. Em qualquer cenário, os mais de oito anos de governo socialista, liderados por António Costa, e interrompidos por uma frágil suspeita do Ministério Público, levarão, quase com toda a certeza – e as sondagens confirmam-no – a que das eleições legislativas de 10 de Março saia um governo de direita liderado pela AD. Simplesmente, no ano em que um pouco por todo o mundo vamos ter eleições, não vivemos uma situação normal da chamada “alternância democrática”. Vivemos, em Portugal e muitos outros países, um crescendo de partidos da extrema-direita, também chamados populistas, que põe em causa, já nalguns países, a própria democracia. Se a Itália já é governada por uma coligação de direita/extrama-direita, liderada por Georgia Meloni e o seu partido Frateli di Italia, um dos herdeiros programáticos do fascismo de Mussolini; se a Argentina, onde o peronismo tem governado,  elegeu um louco que está a transformar um país com cerca de 40% de pobres, que beneficiavam do apoio estatal, num regime totalmente liberal, entregue ao sector privado; se em Espanha o Vox espreita à sombra de Franco; se em França Macron vira à direita para evitar que Marine Le Pen ganhe as próximas presidenciais… se… se… enfim, um pouco por todo o mundo o populismo espreita. Portugal não é excepção com o Chega.

2, O Chega cresceu, mas é ainda hoje, um partido quase unipessoal de André Ventura. Ventura, um escritor frustado e professor universitário de direito, foi militante do PSD, comentador desportivo numa televisão, o que lhe deu projecção mediática. Em 2017 foi candidato à Câmara de Loures, pelo PSD, perdendo para Bernardino Soares do PCP. Por essa altura, faz afirmações contra a comunidade cigana, numa entrevista ao agora comentador político Sebastião Bugalho, para o jornal i, onde também defende a prisão perpétua e a castração química para pedófilos. Até o aparecimento de Ventura, a extrema-direita portuguesa era representada pelo PNR de José Pinto Coelho, um pequeno partido sem expressão eleitoral, claramente fascista, que nas últimas eleições se rebaptizou de Ergue-te. Ventura, como outros populistas, fala “dos portugueses de bem”, expressão que abre uma divisão na sociedade. E entre os portugueses que não são de bem, estão os chamados “subsídio-dependentes”. O Chega pretende acabar com o RSI, implementado durante um dos governos Guterres. Mas é, paradoxalmente, a algum eleitorado de esquerda, incluindo do PCP, que o Chega terá ido buscar alguns dos seus eleitores nas últimas eleições.   

3, 50 anos depois do 25 de Abril, não só as sondagens dão uma maioria parlamentar de direita, com um forte contributo da subida do Chega, como entre os pequenos partidos aparecem formações de direita ou extrema-direita, e apenas um partido – histórico – de extrema-esquerda, o PCTP-MRPP. A confirmarem-se os resultados que têm vindo a ser apresentados pelas empresas de sondagens, teremos um parlamento onde a direita será maioritária, e só uma vitória do PS, certamente já não com maioria absoluta, poderá, pelo menos durante algum tempo, impedir a direita, ou direita com extrema-direita, de governar.

4, Na passada segunda-feira, 26, a “aparição” de Passos Coelho, veio introduzir outros elementos nesta campanha, a ponto de se falar em um antes e um depois do discurso de Passos em Faro. Para a direita Passos Coelho é o messias que salvou Portugal de uma bancarrota criada por José Sócrates. Para a esquerda, mais realista, Passos Coelho é o primeiro-ministro que quis ir além das imposições da troika, e que levou a que a esquerda se unisse, em 2015, para evitar um segundo governo PSD-CDS. A política que Passos Coelho implementou durante o seu governo, com Paulo Portas como líder do CDS, foi uma política contra as pessoas, por vezes de humilhação (por exemplo, para receber o subsídio de desemprego, os desempregados que tinham direito a ele, tinham que se apresentar na sua Junta de Freguesia de quinze em quinze dias – como se fossem criminosos a quem um juiz tinha decretado o “termo de identidade e residência”). A política de Passos Coelho baseou-se num colaboracionismo com as organizações monetárias, como o FMI,  que impôs cortes no rendimento das pessoas, empobrecendo-as, ao mesmo tempo que privatizava empresas estratégicas para a vida das pessoas e do país. O corte do 13º mês e subsídio de férias (que apenas durou um ano porque o Tribunal Constitucional considerou essa medida inconstitucional), contam-se entre as medidas mais gravosas, de muitas, que levaram a um extraordinário aumento do desemprego e à emigração de muitas pessoas, sobretudo jovens.

5, Estamos a menos de dois meses de celebrar os 50 anos do 25 de Abril, a Revolução dos Cravos como lhe chamam noutros países. O mundo mudou muito nestes 50 anos – e Portugal também –, a começar pela queda do muro de Berlim e o fim dos regimes comunistas; das utopias que floresciam por esses anos 60, 70, e mesmo, ainda 80 do século passado. Vivemos hoje num mundo digital, governado pelas grandes empresas de Silicon Valley, com várias ameaças, das alterações climáticas à inteligência artificial. E a emergência dos populismos de extrema-direita, um pouco como acontecia há 100 anos. Em Portugal a direita nunca foi além do CDS, que embora sendo um dos partidos fundadores da democracia, fez parte da Assembleia Constituinte eleita em 1975, e foi o único partido a votar contra a Constituição aprovada em 1976. Mas agora a extrema-direita chegou ao parlamento, as promessas da AD de não fazer um acordo parlamentar, ou de governo, com o Chega, são vãs. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, Portugal parece estar condenado a enfrentar uma contra-revolução liderada pelo extrema-direita. É certo, como já escrevi acima, que há cerca de 10 anos tivemos um governo que colocou em causa não só os chamados “valores de Abril”, como os dirigentes do PCP gostam de dizer, mas sobretudo os valores da social-democracia. Também é certo que certa esquerda, nos últimos anos, tem abraçado os valores woke, provocando uma fricção social que leva a que muitas pessoas passem para o lado oposto a esses valores woke.

6, Nas últimas semanas, temos assistido a situações mais ou menos inéditas, com polícias a vir para a rua manifestar-se, ainda que à civil. Um jogo de futebol, entre o Famalicão e o Sporting não se pode realizar porque os polícias destacados para fazer a segurança ao jogo, apresentaram atestados médicos invocando doença. Na origem dos protestos, para além das más condições em que vivem alguns polícias, está um subsídio que foi atribuído aos membros da Polícia Judiciária. O presidente do Sindicato da Polícia chegou, em entrevista, a ameaçar que as eleições podiam não se realizar porque são os polícias quem transportam os boletins de voto. A 19 de Fevereiro, quando se realizou o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no teatro Capitólio, e transmitido em sinal aberto pelos três canais de televisão, uma manifestação espontânea de polícias esteve à porta do teatro. Também os militares ameaçam manifestar-se. O semanário Expresso titulava, na sua edição de 23-02-24, “Militares ameaçam sair à rua se polícias tiverem aumento”.  Esta situação faz lembrar a de um país africano com uma fragilíssima democracia, não é normal num país com uma democracia de 50 anos. Mas, como já tentei explicar acima, não vivemos tempos normais. As ameaças de polícias e militares, de qualquer forma, são inaceitáveis. 

(Imagem do blogue Expresso da Linha,  https://expressodalinha.blogspot.com/2012/04/luisa-os-cravos-murchos-da-injustica.html ) 

quarta-feira, janeiro 31, 2024

A POLÍTICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 


1, José Sócrates foi detido há dez anos, quando regressava de Paris. Há sua espera, no aeroporto tinha não só a polícia, mas também uma equipa de televisão para filmar o “acontecimento”. Depois de ser ouvido pelo super-juiz Carlos Alexandre, por ordem deste ficou meses em prisão preventiva. Por essa altura Portugal era governado pela coligação PSD/CDS e pela troika. Passos Coelho, o primeiro-ministro, fazia a apologia do empobrecimento, do ir além da troika que controlava a política portuguesa, em troca dos mais de 70 mil milhões de euros que o BCE, FMI e UE nos tinham emprestado. Nem o Ministério Público, nem o juiz Carlos Alexandre tinham, nessa altura, provas contra o líder de dois governos do PS, entre 2005 e 2011. Falava-se na imprensa, nomeadamente no Correio da Manhã, de uma série de casos que apontavam para que José Sócrates fosse um corrupto. Por outro lado, a sociedade portuguesa estava dividida em relação à figura de Sócrates: para uns ele fora o responsável por Portugal ter chegado à quase bancarrota, mas, ao mesmo tempo, viviam-se tempos de que não havia memória. O desemprego tinha chegado aos 17, 18%, o governo de Passos e Portas tinha cortado o subsídio de férias e Natal, os mais jovens emigravam. António Costa, que tinha substituído o apagado António José Seguro como Secretário-Geral do PS, criou a frase “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” – foi um mantra que repetiu durante quase nove anos. Mário Soares, com 90 anos, que só conhecera as prisões de Salazar, mostrava-se inconformado à porta da prisão de Évora, onde estava Sócrates.

2, Foi no início dos anos 1990 que pela primeira vez, desde o PREC, um político, neste caso ex-político, Costa Freire, foi detido e julgado. O ex-secretário de Estado da Saúde de Leonor Beleza, apesar de condenado em 1994, conseguiu, de recurso em recurso, que o seu caso prescrevesse em 2004. Por essa altura Portugal vivia um outro grande processo judicial-mediático: o caso Casa Pia, instituição onde durante décadas crianças tinham sido abusadas sexualmente. Entre os acusados do processo Casa Pia estava o nome mais sonante da televisão portuguesa: Carlos Cruz. Mas as crianças, ouvidas pela PJ, também apontaram o jovem deputado do PS Paulo Pedroso. Pedroso, então uma promessa nas hostes socialistas, ficou 4 meses em prisão preventiva. Foi depois inocentado, e processou o Estado português, ganhando o processo. Mas a sua carreira política estava liquidada – é hoje professor universitário e comentador político na RTP. Por essa altura, correram boatos que implicavam também Ferro Rodrigues, então líder do PS.

3, Durante os primeiros seis anos dos governos de António Costa não constam grandes problemas com a justiça, para além de Sócrates. Mas o governo maioritário, obtido pelas eleições de janeiro de 2022, foi um desastre de “casos & casinhos”, uns que implicavam a justiça, outros que apenas implicavam a administração de empresas como aconteceu com a TAP. Costa sobreviveu politicamente até ao ponto de afrontar o presidente da República, em maio de 2023, ao não aceitar a demissão do ministro João Galamba, como o PR pretendia. Marcelo, o comentador-mor transformado em Presidente da República, chegou a demitir ministros em directo. As relações entre PM e PR azedaram, mas entre maio e novembro, essa manhã de 7 de novembro de 2023, em que a polícia irrompeu pela residência oficial do primeiro-ministro, em que Lucília Gago, a Procuradora- Geral da República, escreveu um parágrafo assassino onde referia que António Costa era suspeito, tudo esteve calmo. Mas nesse dia, mesmo ainda não sabendo que a polícia encontrara 75 mil euros em notas no gabinete do seu assessor, António Costa apresentou, em directo, para as televisões a sua demissão. O país foi apanhado de surpresa, Marcelo não aceitou um outro primeiro-ministro que o PS indicou e marcou eleições para 10 de março. Por essa altura, entre outras coisas, ficou-se a saber que Galamba foi escutado durante 4 anos.

4. Se é certo que o poder gera corrupção, que os anos de poder do Partido Socialista ajudaram a criar essa corrupção, não é menos certo que o MP se tornou num actor político todo-poderoso, capaz de lançar acções que demitem governos (algo que nunca tinha acontecido na democracia portuguesa). António Costa não repetiu o seu mantra, “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Porque, na realidade, essa frase não é verdadeira. Existe separação de poderes, ninguém está acima de ninguém na alegada cegueira da justiça. Mas o código penal, o código civil, o código do processo penal, toda a legislação sobre a qual o poder judicial actua, emana do poder político. À justiça apenas cabe a interpretação dessas leis. Mas também os meios de que as polícias, o MP, os juízes, dispõem, são dados pelo poder político. E, pela últimas e espectaculares intervenções da justiça junto de políticos, o Partido Socialista foi generoso para com a justiça, em particular para com a Polícia Judiciária.

5, Já depois da demissão do governo, num período que é já de campanha eleitoral, o MP voltou a atacar. Agora, como que querendo equilibrar a perseguição ao PS,  o MP atacou Luís Montenegro, o actual líder do PSD. Em causa algo que já era sabido: a casa que este construiu em Espinho. Esquecido esse assunto, a semana passada foi a vez de atacar em grande na Madeira. Um avião da Força Aérea levou140 operacionais da PJ para o Funchal onde fizeram buscas na Câmara Municipal do Funchal e na residência do presidente do governo regional da Madeira. Tão espetacular operação, resultou na detenção do presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e na constituição de Miguel Albuquerque como arguido. Daqui resulta uma incerteza quanto ao futuro político da Madeira: ou a continuação deste governo com o apoio do PAN, ou a marcação de novas eleições.

6, Em 2017 o juiz Sérgio Moro condenou “Lula” da Silva a mais de nove anos de prisão, impedindo-o assim de concorrer às eleições presidenciais que foram ganhas pelo candidato da extra-direita Jair Bolsonaro. Sérgio Moro viria a fazer parte do governo de Bolsonaro. A justiça, no Brasil, serviu uma muito má causa política. Em Portugal, a frenética actividade do Ministério Público parece querer corroer a democracia. Tal como no Brasil, o partido que parece sair mais beneficiado da suspeita que recaiu sobre António Costa, é de extrema-direita. Mas, sobretudo, e embora com o desgaste do PS de António Costa, temos um MP que se arvora no poder de lançar uma suspeita (apenas isso, nem sequer o constitui arguido) sobre um primeiro-ministro enfraquecido, sabendo que isso vai despoletar eleições legislativas. O mesmo é verdadeiro para o caso recente da Madeira. O grande beneficiário de tudo isto, no fundo da ideia populista de que os políticos são todos corruptos, é o partido de extrama-direita, manifestando-se contra o sistema (político), contra a III República saída do 25 de Abril, ganhando votos, porque, na realidade, como disse Freud, a tarefa de governar é uma das tarefas impossíveis. Ora, quando essa tarefa exige os melhores de uma sociedade, a suspeita a priori de que todo o político, qualquer pessoa que exerça um cargo público é um corrupto, é o código postal para a derrocada de uma difícil democracia.

 

domingo, julho 31, 2022

DA ARTE BANCÁRIA DE BEM FURTAR



Há oito anos o grande império financeiro português, liderado por Ricardo Salgado - o dono disto tudo falia. Na altura, governo de traição nacional de Passos Coelho encontrou como solução partir o banco em dois. Os "activos tóxicos" ficaram com o BES, o banco mau; e os activos bons ficaram num novo banco, que na falta de outro nome se ficou a chamar mesmo assim, Novo Banco. O Novo Banco era o banco bom, como numa história infantil que o governo de então tentava impingir aos portugueses, crianças grandes passeando no verão com calções infantis, acreditando nas histórias da carochinha contadas pela televisão depois de mais um dia de trabalho na espera pelo fim de semana. Afinal é isto o mundo ocidental das democracias representativas capitalistas, de um capitalismo cada vez mais feroz e incorpóreo, onde quem realmente manda são as grandes empresas. E os bancos.

Os bancos são organizações criminosas beatificadas pela lei da república ( ou da monarquia constitucional nos estados monárquicos, como Espanha ou Inglaterra). O seu desplante ultrapassa tudo: comissões bancárias, domiciliação de ordenados, concessão de crédito que torna as pessoas escravas do banco durante 30 ou 40 anos, metade da vida. E se os pagamentos dos juros usurários falha, o banco fica com o imóvel e manda os seus escravos para a rua fazer companhia aos sem-abrigo. Desta ignomínia o Estado não quer saber, apenas preocupa o ministro das Finanças o risco sistémico. E seja o governo de centro esquerda ou centro direita ou mesmo de direita, o que interessa são os bons resultados dos bancos, o crescimento da economia que está a provocar a destruição do planeta. Afinal políticos, empresários e bancários têm ar condicionado, e água Evian para lavar as trombas e dinheiro sujo na máquina de lavar mágica de qualquer ilha Caimão. O povo adoça-se com aumentos da reforma ou do pobre salário mínimo nas vésperas das eleições.


Os últimos governos de Portugal (PSD/CDS de Passos Coelho e PS com o apoio da geringonça de esquerda - BE e PCP) deram mais de 20 mil milhões de Euros ao sistema bancário. Foi dinheiro literalmente roubado aos contribuintes. Desses 20 biliões, pelo menos 5 foram para o Novo Banco, o tal banco bom santificado pelo Estado. É certo que o Ministério público vem perseguindo alguns bancários, o que resultou no suicídio de um numa prisão sul africana. Mas Ricardo Salgado, convenientemente já tem Alzheimer. Mas António Ramalho, CEO do NB desde 2016, e portanto o português que mais e melhor furtou o Estado português, enfim um Ronaldo do roubo do colarinho imaculadamente branco (à atenção do Guiness book, não só o CR7 bate recordes em Portugal), vai abandonar o Novo Banco e estudar para terras suíças como ser presidente não executivo, ou seja, presumo, como não fazer nada. Genial Ramalho, que escapa pelos pingos da chuva a um estabelecimento prisional.

sexta-feira, novembro 30, 2018

INDIGÊNCIA, DEPUTADOS E CIDADÃOS


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A 22 de Novembro tentei, via páginas web, contactar os vários grupos parlamentares que, numa democracia representativa como a nossa, têm o dever de representar os cidadãos. Em questão, como se pode ver pela leitura do texto abaixo, estava – e está – a forma como vivem centenas de milhares de pessoas em Portugal, com um governo, de esquerda – PS – e apoiado por outros dois partidos de esquerda (ou como querem alguns extrema-esquerda) que leva três anos de legislatura. Se durante estes 3 anos muitas prestações sociais foram repostas – reformas, aumento de salários na função pública, etc – continua a existir uma parcela da população portuguesa que vive na indignidade de ter um rendimento zero, e outra que vive na também indignidade de auferir um RSI que ronda uns míseros 200 euros. Penso que esta é uma questão de regime, ou seja, enquanto existirem, tanto em Portugal como noutros países – mesmo dos civilizados da Europa – pessoas que têm um rendimento zero, é a própria democracia que ainda não amadureceu o suficiente para terminar com este estado de coisas.
A minha abordagem, feita na tarde do dia 22 consistiu na procura via google das páginas web dos cinco partidos com grupos parlamentares: CDS-PP, PSD, PS, Bloco de Esquerda e PCP (deixei de fora o PAN, que apenas tem um deputado e o PEV, que para efeitos eleitorais e não só está dependente do PCP). Na fraca página do PSD não encontrei nenhum contacto. Não espanta, depois do governo Passos Coelho, e actualmente com o partido divido entre os deputados que foram escolhidos por Passos e o novo líder que teve que renegar o passado recente do partido, o partido encontra-se dividido (numa democracia normal teria o mesmo destino que o PASOK). O Partido Socialista e o PCP têm na sua web page uma “janela” para submeter os comentários. Tendo obtido na página do PCP um extracto de uma conferência de imprensa onde se anunciava que o PCP iria apresentar uma proposta sobre subsídio social para desempregados de longa duração, não submeti o texto (como fiz na página do PS) mas, antes um pedido de informação sobre essa proposta (é provável que entre as mais de 900 emendas ao Orçamento de Estado, o PCP tenha apresentado realmente uma proposta nesse sentido, que naturalmente foi rejeitada). Confesso que censurei duas partes do texto, ao submete-lo à página do CDS-PP: a parte onde faço referência às esmolas e a frase onde falo de neoliberalismo e Passos Coelho. O facto de ter censurado estas duas partes deve-se a uma atitude diplomática – embora não tenha qualquer ilusão sobre a política do CDS-PP no que diz respeito a apoios sociais. Apenas o BE apresenta além de um contacto de e-mail, um contacto telefónico.
Concordo que esta altura – a de apresentação de propostas para o OE 2019 – não terá sido a melhor para como cidadão tentar expor um problema aos grupos parlamentares. Também acho que o texto tem deficiências – falta-lhe a pirâmide invertida. Mas não acho que tenha sido nenhuma dessas situações o factor que levou a que até hoje não obtivesse nenhuma resposta – nem sequer uma resposta automática.
O problema que se coloca resume nisto: os deputados, uma vez eleitos não querem saber dos cidadãos que representam, dando razão ao comentário populista, “o que eles querem é tacho”. O que recentemente aconteceu com deputados do PSD, vem reforçar esta ideia. Cabe aos cidadãos e aos meios de comunicação social terem uma atitude vigilante, e procurar soluções.



Há em Portugal, um número que pretende ser escondido, mas que rondará as 300 a 400 mil pessoas, pelo menos, que não auferem nenhum rendimento. Nem o RSI – quer porque por qualquer razão perderam esse rendimento – e as assistentes sociais são peritas em criar condições para que isso aconteça –, quer porque estando numa família onde um dos agregados trabalha lhes é recusado esse rendimento. São pessoas muitas vezes acima dos 50 anos, que depois de ficarem desempregadas (e algumas tinham empregos onde auferiam salários duas ou até seis vezes o salário mínimo), toda a sua vida mudou. Algumas entraram em processos depressivos major, crónicos, que um inepto SNS é incapaz de resolver. São pessoas a quem foi retirada a esperança pela acção do anterior governo PSD/PP. São pessoas a quem foi retira a dignidade de viver, que vivendo em famílias que se tornaram pobres, estão em exclusão social – nem um cêntimo têm que seja delas. É uma situação lamentável? Sim. Mas não é uma situação TINA, uma situação sem alternativa. Essas pessoas – muitas das quais não têm dinheiro sequer dinheiro para comprar os medicamentos, sendo assim vítimas de uma mortalidade precoce – têm direito a ser tratadas com toda a dignidade que merecem pelo Estado português.
Numa notícia do site SIC – Notícias leio: “Mais três mil desempregados de longa duração com direito a subsídio social” (de 13.10.2018). Isto é um pouco ridículo: este número corresponderá a 1% dos desempregados de longa duração. É uma esmola do PS e do BE, que faz lembrar os ricos que no tempo do salazarismo tinham um, dois ou três pobres a quem davam esmola para expiação dos seus pecados.
Vivemos com uma enorme carga fiscal, com altas rendas pagas pelo Estado para grandes grupos financeiros. Ou seja, o neoliberalismo de Passos Coelho ainda não foi revertido.
Urge acabar com uma situação em que os desempregados de longa duração têm uma vida indigna. Para isso apelo ao vosso grupo parlamentar para criar legislação no sentido de criar um verdadeiro subsídio social para todos os desempregados de longa duração.


quarta-feira, outubro 31, 2018

CABRA DA PESTE

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Jair Messias Bolsonaro, antigo capitão do exército, é o novo presidente do Brasil. Porque ganhou as eleições este extremista de direita, perigoso protofascista, seguidor de Trump, defensor do armamento geral da população, amigo dos ultraliberais da escola de Chicago? Enfim, um cabra da peste, um cafajeste. Para se ser honesto, temos que ouvir quem votou nele, e a resposta parece ser o medo. O medo, mais que o ódio. O medo de ser uma das 62 mil vítimas de homicídio que por ano entram para as estatísticas de um dos países mais violentos do mundo. Mas Bolsonaro, com a ideia de distribuir armas pela população só tornará esse número muito maior. Em segundo lugar está a corrupção que grassa por todo o espectro político brasileiro. Ora, foi em nome do combate a essa corrupção que o juiz Sérgio Moro fez um golpe de Estado judicial ao enviar Lula da Silva para a prisão a tempo de que não se pudesse apresentar como candidato. Em condições normais, e apesar do fastio que os brasileiros sentem pelo PT, Lula ganhava a Bolsonaro. É preciso que se diga bem alto: os ministérios públicos (MP) estão a destruir as democracias – o Brasil é um claro exemplo disso. Entre um corrupto e um ditador eu prefiro o corrupto. Bolsonaro é sobretudo o produto de um alarme social (como os juízes gostam de invocar para usar a prisão preventiva) por parte do MP e do super-juíz Sérgio Moro. Em reconhecimento, e sem a mínima vergonha, Bolsonaro pôs à disposição de Sérgio Moro um lugar de ministro. Outro cabra da peste, cafajeste.

sexta-feira, agosto 31, 2018

MARINE LE PEN E A WEB SUMMIT

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Uma das polémicas levantadas neste mês recordista de temperaturas, foi o convite e desconvite a Marine Le Pen para participar na Web Summit. A questão é complexa e está para além deste convite. Mas parece evidente que não se deve convidar alguém da extrema-direita para discursar seja onde for. Portanto, há uma primeira questão: porque foi endereçado este convite a Marine Le Pen por parte da organização da Web Summit? A resposta não surgiu, porque, creio, nem sequer foi colocada. Mas devia. É que nestes tempos onde se desenha o futuro pós-humano, o futuro – que é já presente – com a Inteligência Artificial, com empresas como o Facebook, a Google ou a Uber, questionar a organização da Web Summit pode parecer algo de sacrílego, como se na Idade Média alguém questionasse a existência de Deus.
Sendo Marine Le Pen a líder de um partido de características fascistas, portanto totalitárias, confesso que gostaria de saber o que realmente esta senhora pensa das novas tecnologias. Isto não quer dizer que numa eventual participação de Le Pen na Web Summit esperasse ouvir a verdade. A verdade sobre o uso do poder político (totalitário) sobre as novas tecnologias vai sendo desvendada na China, onde, para já, se sabe que a policia recorre a scanners para “ler” o conteúdo dos telemóveis de qualquer pessoa. E, neste sinistro estado Chinês, isto parece ser só o começo de uma situação que quase ultrapassa o big brother orwelliano.
Isto vem lembrar que a questão essencial, hoje, não é tanto entre dar a palavra a uma líder de um partido fascista ou censura-la, mas entre estarmos conscientes das implicações das novas tecnologias para a vida de todos nós ou não estarmos conscientes dessas implicações. Porque mesmo nas sociedades democráticas, existe um poder que se faz de algoritmos, ao qual estamos cada vez mais umbilicalmente ligados.

terça-feira, julho 31, 2018

RICARDO & ROBLES, DEMOCRACIA LIMITADA


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O senhor Robles, admirável capitalista neoliberal e especulador imobiliário, levanta-se de manhã para pregar partidas aos seus velhos arrendatários, que se recusam a sair dos locados, como lobos da toca. Cada um destes decrépitos apartamentos, restaurado, vale fortunas que um dia, farão do senhor Robles um frequentador da Forbes, essa montra das grandes fortunas.
Já Ricardo, activista contra a especulação imobiliária, membro do BE e vereador da CML, passa o tempo a perseguir os Robles deste mundo – e do outro, pois que devem existir marcianos a fazer especulação imobiliária em Marte, e também terrestres, não tarda nada.
Nada liga Ricardo e Robles, odeiam-se ferozmente. Até que um dia, os jornalistas, essa escumalha, como diria o presidente pato Donald, descobre que são uma e a mesma pessoa. Ora, capas para vender jornais, escândalos para arrefecer o  jantar, ia lá o Ricardo Robles ser um especulador imobiliário, diz Catarina, a grande do Bloco.

sábado, março 31, 2018

O PÓS PASSISMO E OS COMENTADORES

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Qualquer analista sensato, numa democracia saudável, diria bem da estratégia de Rui Rio de viragem à esquerda. Porque depois de oito anos de passismo, onde o país passou pelo seu período mais negro economicamente depois do 25 de Abril, quem sucedesse a Passos Coelho não teria, na actual conjuntura e tendo em conta o que foram os anos do governo PSD/CDS, outra alternativa para evitar um possível desaparecimento ou redução extrema do PSD, senão virar à esquerda abjurando do que foi o PSD de Passos Coelho.
Ora, acontece que não temos analistas ou comentadores sensatos, mas comentadores que fazem o favor a quem lhes paga. Temos uma comunicação social dominada por poderes que tudo fizeram, e ainda fazem, para varrer a crise e as suas consequências para debaixo do tapete. Mesmo ao governo de António Costa não interessa falar das consequências da crise, de como a crise continua a contribuir para escravizar (o termo parece forte mas não é realista) trabalhadores. E os partidos que seguram a geringonça – BE, PCP, PEV – vão criticando o governo, mas na realidade apoiando-o. É uma situação “esquizofrénica”, mas é melhor que não ter nenhuma oposição à esquerda.
Nisto torna-se evidente a falta que fazem novos partidos na sociedade portuguesa. Veja-se o que aconteceu em Espanha com o fim do bipartidarismo dominante desde o fim da ditadura franquista, ou na França onde o Partido Socialista desapareceu. Em Portugal vivemos na inércia, mesmo depois de uma crise como a que tivemos e ainda temos (é bom sublinhar) apenas um novo partido entrou na Assembleia da República, o PAN, com um deputado. O Livre e o partido a que estava ligado Marinho Pinto foram um flop eleitoral. Há nas elites portuguesas um medo da mudança, geralmente apontado como um medo do populismo, que na realidade é apenas o medo dessas elites – os comentadores televisivos, radiofónicos ou da imprensa – perderem o lugar que ocupam e o modo de vida que lhes garante o salário – muitos destes comentadores são profissionais do comentário, exercendo-o em mais que um média. Estão, noutra escala, reféns da precariedade que faz com que os trabalhadores trabalhem precariamente em turnos a desoras, com horas extraordinárias e com salários miseráveis. Mas, se se portarem bem, se cumprirem com os seus papéis de encherem 50 minutos a falar de lugares comuns, numa pseudo pluraridade onde cada um encarna um não muito exagerado lugar de direita, de centro ou de esquerda, falando para nada dizer,  serão certamente premiados. Ora isto não é nada bom para a democracia portuguesa onde habitam velhos fantasmas, incrustados, que ficaram do Estado Novo e moldaram uma certa mentalidade portuguesa.

terça-feira, fevereiro 27, 2018

DE PASSOS A RIO


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Durante oito anos, quatro dos quais como primeiro-ministro Passos Coelho foi o presidente do PSD. Estes oito anos – principalmente os quatro de governo PSD/CDS – foram os piores da democracia portuguesa. O que Passos Coelho fez aos portugueses – desejar e fazer tudo para que a troika entrasse em Portugal; ir além da troika; implementar uma política de austeridade que visava o empobrecimento dos portugueses, o célebre “temos de empobrecer”; enfim, aplicar uma política económica ultraliberal que destruiu a vida de centenas de milhares de pessoas – não tem expressão por agora porque os comentadores de meios de comunicação próximos do PSD não querem perder o emprego (note-se que os média em Portugal pertencem a empresas e têm linhas editorias de direita ou centro-direita). Por isso Passos Coelho mesmo quando se viu forçado a abandonar o PSD continuou a ter boa imprensa, uma imprensa que faz a lavagem dos anos em que foi primeiro-ministro. Por isso não é de espantar as reacções – dos média – ao congresso do PSD que não quis consagrar Rui Rio como novo presidente do PSD. Embora seja discutível se o PSD numa democracia normal e saudável tinha algum futuro ou o destino que teve o PASOK grego, o Partido Socialista em França ou mesmo o bipartidarismo em Espanha, o certo é que Rio tomou a medida que se impunha perante a herança que lhe coube: virar à esquerda, renunciar ainda que implicitamente ao PSD de Passos Coelho. Tudo isto abriu uma guerra, natural, no PSD. Natural porque os deputados que estão na Assembleia da República foram escolhidos por Passos Coelho, alguns fizeram parte desse governo que fez tão mal a Portugal. A tarefa mais difícil para Rui Rio é limpar o PSD desta gente e colocá-lo como um partido com sentido de Estado – que foi o que Passos Coelho não teve quando votou contra o PEC IV. Mas esta é uma tarefa hercúlea, ainda para mais porque Rio tem contra si os média coniventes com o ultraliberalismo passista. A tudo isto há a acrescentar o facto de Rui Rio ser do Porto, e para os lisboetas aqueles que vêm da cidade invicta, seja de que sector for, seja de que quadrante político for, são alvos a abater. O pior que pode acontecer é que passado pouco ou algum tempo depois deste congresso, alguém das hostes passistas queira destronar Rio para continuar o legado do mal, o de Passos Coelho. Mas será que esse legado tem algum valor junto do eleitorado? Será que apesar do masoquismo, da mediocridade apelando para o fantasma de Salazar (Passos Coelho), um PSD passista não ficaria quase apagado da política portuguesa?
Mas resta ainda uma outra questão, mais premente, e da qual depende o cenário político  depois das próximas eleições legistlativas: de que forma a aproximação do PSD de Rio vai afectar este governo de esquerda? Como vai reagir António Costa perante a aproximação de Rio? E como vão reagir os partidos que sustentam a geringonça?

terça-feira, outubro 31, 2017

OUTUBRO REVOLTADO

1. A 1 deste mês Portugal ia a votos para as autarquias locais. Mas a consequência política dessas eleições foi a clamorosa derrota do PSD de Passos Coelho, que se viu forçado a convocar eleições para a liderança do partido. Assim se espera que termine a carreira do político que mais mal fez aos portugueses depois do 25 de Abril. Quanto ao PSD, deveria ser um partido com o mesmo destino do PAZOK na Grécia ou do Partido Socialista francês – e pelos resultados obtidos arrisca-se a transformar-se num partido insignificante. Pelo mal que o PSD de Passos Coelho fez a Portugal merece-o; no entanto, e apesar de os candidatos à liderança serem duas figuras que nada trazem de novo (Pedro Santana Lopes e Rui Rio), o PSD conta com boa imprensa o que o torna, num país como Portugal, difícil ou impossível de abater.
2. No mesmo dia em que Portugal elegia os seus autarcas, a Catalunha organizava um referendo, à rebelia das autoridades e da constituição espanhola, pelo sim ou não a um estado catalão independente. No meio de uma votação quase clandestina, com intervenções da polícia que fizeram centenas de feridos, acabou por naturalmente ganhar o sim com 90 por cento dos votos. No entanto, só metade dos eleitores votaram o que não dá legitimidade a este referendo convocado pelo governo independentista de Carles Puigdemont. O mês de Outubro foi dos mais tumultuosos para a Espanha e para a Catalunha desde a transição democrática, com Puigdemont a declarar a independência unilateral. O governo de Rajoy accionou o artigo 155 e o líder independentista fugiu para a Bélgica. O (primeiro) problema da independência da Catalunha reside na legitimidade democrática quando existem manifestações a favor da independência e outras a favor da manutenção da Catalunha no estado espanhol. Depois, há uma série de situações iguais à da Catalunha, quer em Espanha quer noutros países da Europa que poderão seguir o exemplo da Catalunha, redefinindo a geografia da Europa.
3. Ao fim de quase 3 anos depois da prisão preventiva de José Sócrates, o Ministério Público apresentou finalmente a acusação. O caso Sócrates, que agora é engrossado pelo alegado corruptor, o banqueiro Ricardo Salgado, e conta ainda com dois ex-CEO da PT, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, sofre de duas coisas que não deviam ser permitidas num Estado de direito: 1) a prisão durante meses do ex-primeiro-ministro para investigar e sem acusação e, 2) o tempo que demorou o MP a fazer essa acusação com sucessivos dilatamentos nos prazos, permitidos pela PGR, muito para além do que determina a lei.
4. Subitamente a 15 de Outubro, Domingo quentíssimo e com vento forte por todo o país, as sirenes dos carros de bombeiros dão o alarme: Portugal (pelo menos acima do Tejo) estava a arder. O fogo atiçado por ventos ciclónicos saltava por entre as matas cheias de vegetação, eucaliptos e pinheiros como um macabro dançarino. Ainda o país não se tinha refeito da tragédia de Pedrogão e o inferno voltava – 45 mortes a juntar às mais de 60 de Pedrogão. Nunca tal tragédia tinha acontecido em Portugal, apesar dos fogos recorrentes no verão. Mas agora já não estávamos sequer no verão. A questão politizou-se com a exigência – desde comentadores a manifestantes na rua ou nas redes sociais – da demissão da Ministra da Administração Interna. Afinal, soube-se depois da comunicação ao país de Marcelo Rebelo de Sousa, que indirectamente demitia a ministra, que esta já tinha pedido a demissão em Julho aquando da tragédia de Pedrogão. A politização desta desgraça acaba por ser algo vergonhoso quer para Marcelo como para Costa. Mas principalmente para o presidente da República que, no seu estilo irrequieto, passou a percorrer o Portugal queimado e na sua magistratura de afectos andou a distribuir abraços pelas vítimas dos incêndios. É como se o chefe de Estado se tornasse num terapeuta de uma dessas terapias new-age, mas sobretudo quisesse suspender a política, torná-la numa clínica, lugar despolitizado.
Penso que o que foi escamoteado na questão dos incêndios é bastante mais simples: o mundo está a sofrer graves alterações climáticas cujas consequências podem ser dramaticamente inesperadas. Só Donald Trump ignora esse facto. É certo que pouco ou nada se fez durante os últimos anos para ordenar a floresta – e nisto tanto os governos do PS como os do PSD têm culpa. Mas o que aconteceu este ano foi demasiado anormal, como é ainda anormal no final de Outubro estar uma temperatura de Agosto. As mudanças climáticas estão aí, não são uma narrativa de ficção-científica, são reais e temos que alterar o nosso modo de vida se não queremos destruir o planeta.

5. Em Outubro, pelo nosso calendário, há 100 anos, Lenine chegava à Rússia para por em prática uma nefasta utopia: o comunismo. As crianças deviam aprender na escola ou na família que as utopias, os desenhos totais (logo totalitários) de sociedades são algo de que se devem afastar; são qualquer coisa como o homem do saco. A concretização da teoria de Marx e Engels por Lenine na Rússia, em Outubro de 1917, foi o início de 100 anos de terror, torturas, mortes. Ainda hoje a Coreia do Norte da dinastia Kim é a prova disso, ameaçando não só os seus cidadãos mas todo o mundo com o seu arsenal nuclear. Como pode tanta generosidade transformar-se em algo absolutamente monstruoso? Esse homem novo, que ainda pouco depois do 25 de Abril de 1974 Carlos do Carmo cantava (lembro: “São os putos deste povo / a aprender o homem novo”) é a revelação de que antropológica e psicologicamente o homem continua a ser um monstro, um bárbaro, se para isso lhe derem possibilidades. E foram essas possibilidades que as revoluções comunistas trouxeram a alguns homens (?) durante o século XX (e ainda neste século). Algo que me espanta: que ao longo destes 100 anos algumas das cabeças mais brilhantes do pensamento tenham insistido na teoria marxista – e nenhuma teoria política foi tantas vezes experimentada e tantas vezes falhou (é certo que o capitalismo fez as suas vítimas, tem o seu lado negro, invisivelmente negro, mas isso não justifica que do outro lado da barricada ideológica o terror se tenha manifestado em tal grau de pureza).

sábado, setembro 30, 2017

A CRISE, AINDA

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A crise que a finança mundial criou há 10 anos e que atingiu Portugal e os portugueses como nunca, ainda não acabou. Lamento, mas isto tem que ser dito. Têm que ser lembradas as vítimas da crise – as que morreram por suicídio, por falta de cuidados médicos –; as vidas despedaçadas (algumas até tinham bons empregos, ganhavam bem, mas ficaram na miséria, subitamente caídas num buraco negro). Há muito por investigar, muito trabalho para os historiadores futuros sobre esta crise. Mas não é difícil apontar os seus responsáveis: as agências de rating que criminosamente levaram Portugal para o lixo – literal e metafóricamente –; Passos Coelho e o seu governo neoliberal que quiseram ir além da troika; Angela Merkel ou Durão Barroso, que criaram uma Europa não democrática, que a partir de uma Alemanha que nunca deixou de ser nazi (veja-se como agora o resultado do partido AfD – cerca de 13 por cento – faz estalar o verniz que cobria o nazismo alemão), impuseram a via única (diziam) da miséria aos países do sul – os PIIGS (PORCOS, assim éramos chamados).
Mas a crise não acabou. Ela continua na vida de centenas de milhar de pessoas que não têm nenhum rendimento; continua nas reformas de miséria; na miséria do RSI; no “colossal aumento de impostos” que não foi revertido por este governo de esquerda. A crise continua, estacionou mansamente em vidas caladas pela depressão, pela miséria de vender o recheio da casa no olx, por uma oferta de trabalho precária, escrava. A crise permanece, apesar dos bons resultados económicos, de Portugal ter saído do lixo na classificação da Standard & Poors (o que é isso de uma agência rating chamar lixo à dívida de um país? Têm eles coragem de colocar os EUA abaixo de AAA?). A crise permanece no Estado social com os cortes a continuarem. Perante isto, os partidos de esquerda que sustentam este governo calam a permanência da crise, calam objectivos que eram urgentes como impor a renegociação da divida. Os média, vivem em crise (quanto tempo aguenta o grupo Impresa na família Balsemão?), directores de informação, como Paulo Dentinho na pública RTP, despedem mais de metade da redacção, em silêncio, substituída por jovens que sabem que existe um risco vermelho que não pode ser pisado. O resultado disto é uma nova censura: há demasiados licenciados em jornalismo e afins, por isso os jornalistas que se tornam incómodos podem ser despedidos, como aconteceu no Público.

Esta semana morreu o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, o bispo que em meados da década de 1980 denunciou a fome existente no seu distrito. Nessa altura, dez anos passados sobre o 25 de Abril, com o FMI em versão light em Portugal, era possível escutar e dar voz ao “bispo vermelho”, confirmar as suas denúncias. Estranhei a notícia da sua morte, porque há muito que não ouvia falar dele, pensei que já tivesse morrido. D. Manuel Martins tinha 90 anos, não sei em que condições de saúde estava, mas desde o início desta crise, há quase 7 anos, que a sua voz, o seu exemplo, tinha que ser censurado. Porque não se pode dizer HÁ FOME EM PORTUGAL.

quinta-feira, agosto 31, 2017

A ESQUERDA QUE TEMOS



 
O governo de António Costa, com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda é algo de inédito na política portuguesa. O resultado pelo menos a nível económico tem sido bom. Mas isso, por agora, não tem sido suficiente para reverter o que quatro anos de um governo de destruição nacional fizeram aos portugueses. A reversão das medidas do anterior governo, principalmente “o colossal aumento de impostos” ainda está longe de ser revertido. Espera-se pelo próximo Orçamento de Estado, que para já promete aliviar a carga fiscal de 1,6 milhões de famílias em 5 milhões. É pouco.
O desemprego desceu, é certo. E a confirmá-lo basta ver os anúncios de emprego (do Jornal de Notícias ao Linked In), mas trata-se de um novo tipo de emprego, criado com a crise, baseado na precaridade, nuns dias à experiência, num trabalho por vezes escravo, principalmente para pessoas com mais de 40 anos e já há alguns anos sem trabalho. O pior de tudo isto são os quase meio milhão de pessoas que não têm qualquer rendimento, ou mesmo os que têm 200 euros de RSI – uma miséria, uma indignidade do Estado para com estas pessoas.
Tudo isto, e muito mais – como a renegociação da dívida que o PCP e o BE tanto apregoavam quando estavam na oposição –, ficou silenciado face à “real politique” de um governo PS apoiado pelos restantes partidos de esquerda com representação parlamentar.   
O problema surge aqui: BE e PCP estão reféns da geringonça, fazem quase parte do governo. E perante isto impõem-se uma pergunta: onde está a oposição de esquerda a este governo de esquerda? BE e PCP fazem uma oposição negocial, é uma oposição muito limitada. O problema surge quando fora do quadro parlamentar os pequenos partidos só existem quando há eleições legislativas. Assim, não é possível uma crítica da esquerda a esta esquerda, e essa crítica faz falta.

quinta-feira, junho 29, 2017

ELOGIO DAS LÁGRIMAS DE CONSTANÇA

Desde a Idade Média que as lágrimas são um dom. A modernidade, com a sua racionalidade, tentará calar manifestações emotivas: lágrimas, prantos, carpideiras. Hoje vive-se uma ambivalência: se por um lado a psicologia fala em inteligência emocional, a televisão é “emoção e espectáculo”; por outro permanece uma atitude, herdeira de um positivismo, que condena a expressão do dom das lágrimas – “um homem não chora”. E se um homem não chora, pelo menos em público, uma mulher que hoje ocupa lugares públicos também não chora. Para muitas/os seria uma fraqueza, uma indignidade na igualdade de género.
Na política, de Margaret Thatcher a Angela Merkel temos vários exemplos de mulheres que adoptaram uma postura masculina, ou uma caricatura de uma posição masculina. Aliás, é difícil encontrar uma mulher, na actividade política, que tome uma posição feminina, podendo-nos interrogarmos sobre o que é a feminilidade em política. É o género independente da ideologia? Não me parece.
Um ou outro caso sai fora da regra. Penso no caso da Ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa. Não será na atitude política que Constança marca a diferença – aliás difícil numa pasta como a administração interna –, mas será na postura. Podem considerar a emotividade, traduzida nas lágrimas de Constança, como algo kitsch, como um sinal de fraqueza ou até como uma imitação exagerada da atitude política de Marcelo Rebelo de Sousa. Pode-se ainda pensar que as lágrimas de Constança Urbano de Sousa são de actriz, que são usadas para proveito político. Não me parece que estejamos perante qualquer destas hipóteses cínicas. Creio que as lágrimas de Constança perante a tragédia de Pedrogão Grande, são genuínas. Aliás, não é a primeira vez que a ministra se emociona em público.
O grande repórter Ryszard Kapuściński dizia que o jornalismo não era profissão para cínicos. Mas o que mais encontramos no jornalismo é cinismo: o cinismo dos directores de informação que se aproveitam das grandes tragédias para aumentar as audiências. Passaram já quase duas semanas sobre o trágico fogo de Pedrogão Grande, e os meios de comunicação social ainda não se calaram sobre quem teve a culpa das 64 vítimas mortais. PSD e CDS-PP agarraram-se ao caso, esquecendo que a existir culpas eles também são culpados porque passaram nos últimos 15 anos por dois governos. Enfim, se o jornalismo é muitas vezes cínico, mais vezes é a política partidária em que vivemos.

Mas no caso de Constança Urbano de Sousa parece existir uma genuinidade política que se embrenha com a vida das pessoas. Só assim se compreendem as lágrimas de Constança: ela tomou os mortos de Pedrogão como seus mortos, por isso disse ontem no Parlamento que aquele Sábado tinha sido o “momento mais difícil” da sua vida. Este tipo de política é estranho e pode causar confusão em quem anda na política. Mas é de políticos como estes que precisamos para uma nova política, uma política da imanência, uma política que verdadeiramente sirva as pessoas.