Mostrar mensagens com a etiqueta politica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta politica. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, janeiro 31, 2023

A POLÍTICA DOS TOTÓS





1, Há um ano, O PS, inesperadamente, conseguia uma maioria absoluta com cerca de 41 por cento dos votos, numas eleições legislativas desnecessárias, provocadas pelo chumbo do Orçamento de Estado, em que os partidos da antiga geringonça tiveram um papel preponderante. Este ano de governo, ou melhor estes 10 meses do novo governo de António Costa foram dos mais desastrosos da democracia portuguesa, especialmente o último mês. A sucessão de "casos & casinhos" foi avassaladora e provocou a demissão de secretárias de Estado e de um Ministro. Por várias razões este governo já tinha um número anormal de demissões, cerca de dez, quando toda esta avalanche se deu. O caso da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, que recebeu uma indemnização de meio milhão de euros para sair da TAP foi o despoletar de toda uma bola de neve, que chegou à demissão do ministro responsável pela pasta da TAP,  Pedro Nuno Santos, apontado como possível sucessor de António Costa. Numa tentativa de pequena remodelação governamental, António Costa foi arranjar um outro sarilho: a nova secretária de Estado da Agricultura, uma aparente impoluta senhora, não chegou a estar 24 horas no governo. Afinal parecia que o marido tinha um caso com a justiça... mas na realidade a história era mais complicada. Demitiu-se depois de um comentário em directo de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente-jornalista-comentador mor, que demite governantes em directos para as televisões. Como consequência disto tudo, outro erro de António Costa: uma lista de 36 perguntas a apresentar a quem for chamado para funções governativas. Carla Alves demitiu-se a 5 de janeiro, e a secretaria de Estado da Agricultura parece que foi extinta, sem que alguém a quisesse ocupar. Ou seja, toda esta crise com múltiplos escândalos, levou a uma fragilização do governo, que apesar de ser de maioria absoluta é um governo a prazo. A lista das 36 perguntas e os "casos & casinhos" afastam qualquer pessoa com competência (ou mesmo sem ela) de um lugar no governo. Se ninguém quer ocupar um lugar no governo, é lógico que o mesmo esteja a prazo, dependente da próxima demissão, do próximo caso.

2, O que muda agora? Naturalmente, espera-se, e as sondagens já vão nesse sentido, que das próximas legislativas saia uma maioria de direita, ou pelo menos o partido que lidera a direita - que ao longo da democracia representativa portuguesa tem sido o PSD - ganhe as eleições. Só que nos últimos anos houve uma reconfiguração da direita. A direita portuguesa perdeu o CDS, ganhou um partido de extrema-direita, que já é o terceiro maior partido português,  e um outro de direita liberal - o Iniciativa Liberal. Para além disso, o PSD parece estar a perder força, o que só reforça os outros dois partidos de direita. Esta é a realidade: uma nova maioria de direita vai contar com a extrema-direita, e tanto PSD como IL não marcaram uma linha vermelha em relação ao Ch. Isto que pode acontecer em Portugal, e que parece ser inevitável, também pode acontecer em Espanha com o Vox, e já aconteceu em Itália com os Frateli d' Italia de Georgia Meloni. 

3, Ora parece que a esquerda quer que a direita (com a extrema-direita) governe. E, na verdade, isso já aconteceu aquando da rejeição do PEC IV, o que levou à demissão de Sócrates, e consequente governo PSD/CDS com Passos Coelho a ir além da troika. Os portugueses, e principalmente os políticos portugueses parece que já se esqueceram do que se passava há 10 anos. Neste caso, e perante este descrédito do governo de António Costa, creio que a tentativa para uma solução passava por um congresso extraordinário onde fosse eleito um sucessor de Costa, continuando este no governo mas abrindo a possibilidade de ser substituído como primeiro-ministro. Para além disso, se já existisse um sucessor de Costa, seria mais fácil o PS apresentar-se a eleições. Mas nada parece mover-se no PS ou sequer na esquerda portuguesa. No fundo, e isto de certa forma é dramático, a classe política portuguesa tem perdido capacidade. Ou seja, ser dupla o triplamente escrutinado é coisa que certamente ninguém quer para a sua vida, por isso pessoas que podiam estar na política não estão. E este escrutínio não é já só mediático, é também o escrutínio que António Costa criou, agora, com as 36 perguntas, e é o escrutínio que o Ministério Público gosta de andar a fazer a políticos (repare-se que foi com a prisão de Lula da Silva que Bolsonaro chegou ao poder no Brasil). Este triplo escrutínio deixa a política para os totós, ou dito de outra forma, são os totós que se fecham num círculo político-mediático. que no caso português parece querer dar cabo do regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974.    

sexta-feira, setembro 30, 2022

ANDA UM ESPECTRO PELA EUROPA

 


1, Se era com esta frase, "Anda um espectro pela Europa" com que se iniciava o Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, e escrito por Marx e Engels, cerca de 170 anos depois podemos dizer que anda um espectro pela Europa, mas não é em nada o do comunismo. Esse espectro, que não é novo, é o do fascismo, ou pelo menos de partidos de extrema-direita que começam a tomar o poder em vários países europeus. Giorgia Meloni, e o seu partido Irmãos de Itália (FdI) venceram, no passado Domingo, 25, as eleições legislativas, com cerca de 26 por cento da votação, o que lhes permite liderar um governo em coligação com a Força Itália de Berlusconi, e a Liga de Salvini. A direita e a extrema-direita juntam-se para governar. Em Itália, onde o fascismo nasceu, por Mussolini - e se enterrou com ele - algo dele ressurge, na figura carismática de Giorgia Meloni. Mas como podemos averiguar o quanto Meloni é fascista? Ela que já elogiou Mussolini e já o repudiou, que pretende, ou pelo menos pretendia, fazer uma revisão da Constituição, mas não a poderá fazer porque a direita não tem maioria de dois terços; ela que defende os valores que Salazar defendia: Deus, pátria e família, mas é uma mulher e já foi deputada e ministra num governo de Berlusconi - algo impensável para os tempos do velho fascismo. 

2, No caso específico de Itália, temos que nos lembrar que durante anos, ao contrário da generalidade das democracias, governadas ao centro, a Itália teve como principais partidos dois extremos; a democracia cristã e o partido comunista. O facto de em Itália ficar o Vaticano, a sede da Igreja católica, não será alheio a este quadro partidário. Mas depois, com a queda do comunismo a leste, entrou em cena o populismo de Berlusconi, antes que a adjectivação de populista tivesse entrado no vocabulário político-jornalístico. Eram os anos 90, a máfia continuava a ser uma tradição que mancha a sangue esse belo país, e a corrupção entre política e negócios ia para além da cosa nostra. Berlusconi está há 28 anos na política, muitos dos quais como primeiro-ministro; Meloni foi sua ministra. Mas nada disto - uma contextualização histórica - explica que esse novo espectro da extrema-direita tenha caído sobre a Itália. No El País alguém lembrava que a Itália tem uma esquerda fraca - é uma tentativa de explicação. A verdade é que este não é um fenómeno italiano. Para já inclui a Hungria, a Polónia, e recentemente a Suécia, mas já o vimos no poder nos Estados Unidos, e ainda mora no Brasil, de onde deverá ser despejado em breve e onde fez mais estragos. E esquecia-me das Filipinas, e talvez de outros países que interessam pouco aos média ocidentais. 

3, Pier Paolo Pasolini de quem se cumpre este ano o centenário do nascimento, tem um famoso texto onde fala do desaparecimento dos pirilampos causado pela luz artificial que invade o tempo nocturno. Mas também pelo avanço do capitalismo, nomeadamente nos pesticidas que invadiram os terrenos rurais. Pasolini, comunista, cristão e homossexual, assassinado por um ragazo di vita na praia de Ostia, era o mais lucido e polémico intelectual italiano. Ele, há cerca de 50 anos já tinha visto o fascismo, que talvez nunca tenha desaparecido completamente da sociedade italiana, assim como o nazismo não desapareceu completamente da Alemanha ou da Áustria (veja-se a denuncia feita pelo escritor Thomas Bernhard), nem o salazarismo de Portugal. Ele talvez tivesse uma explicação bastante lúcida para o fenómeno Meloni e outros. Ou talvez nos seus textos e entrevistas encontremos essa explicação.

4, Penso que a ascensão da extrema-direita, um pouco por toda a Europa, tem que ser vista como um fenómeno em toda a sua extensão. O espectro do "fascismo" (permita-se as aspas para designar algo que não pode ser situado nos velhos fascismos de Mussolini, Franco ou Salazar) pode ser visto a partir de um enfraquecimento do centro político, ou seja, da social-democracia, entendida aqui também como socialismo democrático. Isso é visível no caso francês com o desaparecimento do Partido Socialista. Mas em França, Macron conseguiu preencher esse centro, evitando que Le Pen chegasse a presidente da República. O facto de França ser um regime presidencial, onde o governo é nomeado pelo presidente, também tem ajudado a que a família Le Pen, de evidente extrema-direita, não tenha tomado o poder. Mas se isso ainda não aconteceu, poderá vir a acontecer. De facto, o espectro paira sobre quase toda a Europa. 

5, O centro político não tem dado respostas aos problemas das pessoas, antes tem-se comportado, por vezes, como uma forma de governar contra as pessoas. Caso paradigmático disso foi o governo PSD/ CDS liderado por Passos Coelho, que à boleia da crise financeira iniciada em 2008, estabeleceu uma política, em conjunto com a troika, que retirou direitos sociais há muito adquiridos pelos portugueses. Por outro lado, a esquerda, com a excepção do PCP que tem perdido terreno pela sua posição em relação à guerra na Ucrânia, tem enveredado por causas fracturantes como os direitos LGBT +, a eutanásia, ou mesmo os direitos dos animais. Ou seja, em Portugal, como em Espanha e noutros países, a esquerda é cada vez mais uma esquerda caviar, preocupada com os direitos e causas dos seus membros e ignorando os direitos daqueles que têm vidas precárias: os assalariados com o salário mínimo, os beneficiários do parco RSI e aqueles que nada recebem, vivendo da ajuda da família ou mesmo sendo atirados para a rua em condições de sem-abrigo. Estas pessoas, principalmente os desempregados de longa duração, não interessam em nada a esquerda - muito menos à direita. São como se não fossem sujeitos políticos, ou nem sequer sujeitos tout cour.

6, O cenário que se esboça é o de um alargamento deste espectro da extrema-direita, em coligações com partidos da direita moderada. Espanha terá eleições legislativas no próximo ano. O PP, partido tradicional da direita tem vindo a ganhar um espaço que perdeu, mas isso talvez não seja suficiente para governar com maioria absoluta. Por isso equaciona-se uma aliança eleitoral que inclua o Vox, o partido de extrema-direita. O mesmo acontece em Portugal se pensarmos no que podem ser as eleições legislativas de 2026. O PS apresenta já um significativo desgaste, apesar de governar sozinho com maioria absoluta. Ora, é de conjecturar que daqui a 4 anos esse desgaste será ainda maior, e a direita terá maioria absoluta, na qual se incluiria o Chega que é já o terceiro maior partido português (uma sondagem SIC/Expresso, revelada hoje, dá 11 por cento ao Chega).

7, É necessário sublinhar que o partido de extrema-direita portuguesa é um dos mais radicais da Europa, defendendo a castração química, a prisão perpétua, o fim de apoios sociais, a perseguição dos ciganos e outras minorias étnicas. Ou seja, o Chega defende medidas mais gravosas das que foram executadas no Estado Novo por Salazar e Caetano. A seu lado tem um partido ultra-liberal, a Iniciativa Liberal, que basicamente defende o fim do Estado social. Juntando a isto um PSD como o de Passos Coelho, baseado nas doutrinas económicas de Milton Friedman, teríamos o pior e mais extremista governo, um cocktail da mais reaccionária  extrema-direita. Apesar de em Portugal serem necessários 2/3 para mudar a Constituição - e as medidas defendidas pelo Chega são completamente anticonstitucionais - este cenário deve ser pensado séria e antecipadamente, para que não venha a ocorrer. 

8, As democracias europeias liberais começam a estar em risco com este espectro da extrema-direita que percorre a Europa; a União Europeia também (embora seja um projecto demasiado tecnocrático). Numa Europa onde já não se fazem golpes de Estado (embora tudo seja possível), o objectivo último desta extrema-direita não é só chegar a liderar governos, mas obter uma maioria que lhe permita fazer revisões constitucionais que iriam alterar o Estado de direito em que vive a generalidade dos países europeus. A direita italiana não conseguiu isso. Mas o líder da extrema-direita portuguesa tem sido claro quanto a esse objectivo. São as democracias que estão em perigo, como no caso do Brasil, onde a possível derrota de Bolsonaro, pode degenerar na tentativa de um golpe de Estado, como aconteceu, de certa forma nos Estados Unidos, aquando da derrota de Trump. 

9, O século XXI começa a ser um século ameaçador, perigoso - um pouco como o século XX há cem anos. Mas esse perigo não reside apenas numa reemergência dos fascismos. A par da extrema-direita, temos como ameaças as alterações climáticas e o mundo digital dominado por um conjunto de muito grandes empresas, sedentas dos nossos dados que também colocam a nossa liberdade e privacidade em perigo. Nada disto está separado, pelo contrário, anda tudo ligado.

quinta-feira, março 31, 2022

A GUERRA É A GUERRA

 



1. A guerra é estúpida. Os governantes, eleitos pelo povo ou não, que ordenam as guerras são estúpidos, os generais são estúpidos, os mancebos que fazem a guerra, que dão a vida por uma ideia de nação ou pátria, são estúpidos - e não heróis como muitas vezes são proclamados - na sua obediência cega aos ditadores e generais. Tudo isto parece bastante ingénuo, mas creio que é uma verdade simples. É também uma perspectiva anarquista e antimilitarista. Não há uma evolução na humanidade: a obediência aos que ordenam a guerra, o sadismo da destruição do outro, é algo que permanece ou se intensifica há séculos, há milénios, sempre repetido. Parte da História faz-se de guerras, de mesquinhos sentimentos nacionalistas, ainda hoje alimentados entre os povos como há séculos. Não há lição que os povos tenham aprendido para terminarem com a guerra. É certo que depois do uso de armas nucleares na II Guerra Mundial, depois da guerra fria, parecia que não podíamos ter de novo guerras. Mas enquanto durou a guerra fria, EUA e URSS promoveram a guerra em muitos países ...

2. A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro passado. A Rússia já tinha invadido a Crimeia, há uns anos, sem grande alarido. A Ucrânia é, como se sabe, uma ex-república da União Soviética - antes estivera sob o domínio da Rússia dos Czares. A partir do início da década de 1990, com o fim do comunismo e da URSS, a Ucrânia tornou-se um estado independente. Era o tempo em que foi declarado "o fim da História", porque o capitalismo ocidental perdia o seu antagonista nas ditaduras comunistas da Europa de Leste. Se não era o fim da História - e evidentemente que não foi - era pelo menos o fim da guerra fria, o fim da cortina de ferro, o fim do muro de Berlim - e também o fim do império soviético, que se desmembrava. A Europa mudou, o mundo mudou, nessa década finissecular. A União Europeia foi-se expandindo para leste, e já um pouco secretamente, a NATO também. No fim do milénio,  um alcoolizado Boris Iéltsin dá lugar a um ex-espião do KGB como timoneiro desse ainda imenso país que é a Rússia. Vladimir Vladimirovich Putin é, em 1999, eleito presidente da Rússia. Não largará mais o poder, entre o cargo de presidente e de primeiro-ministro, é ele que manda nesse imenso país de escravos. Ele é o ditador que a novilíngua chama, agora, de autocrata. Tem um tique perverso e sofisticado para eliminar os seus adversários: o uso de venenos radioactivos e químicos. Certo é que, do outro lado, a NATO se foi aproximando do urso gigante, não ligando, assobiando para o lado, ou fazendo-se esquecida de quem tinha pela frente. Putin, que tem seis mil ogivas nucleares, quer deixar a sua marca na História. Para isso volta-se para o expansionismo: pretende voltar a fazer da Rússia o que ela foi no tempo da "sua" União Soviética.

3. Na manhã de 24 de fevereiro o mundo, que é o mundo dos ecrãs (smartphones, televisões, computadores), acordou histérico. A Rússia tinha invadido a Ucrânia, algo que já se esperava depois de Putin ter anexado as duas Repúblicas separatistas russas que lutavam pela independência dentro da Ucrânia. A Ucrânia não era um país simples nem pacifico - na sua história, na sua composição onde cerca de um terço da população é de origem russa. É também um país que tem tido como presidentes alguns fantoches de Putin. Mas Vladimir Vladimirovich não optou, agora, por essa solução. Por isso, as cidades Ucranianas são agora campos de devastação, a Europa enfrenta a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. O actual presidente da Ucrânia, Zelensky, era um actor de comédia que fez um programa de tv onde interpretava a figura de um presidente da Ucrânia; o sucesso do programa levou Volodymir Zelensky a passar o que era do domínio da ficção para a realidade e a candidatar-se às eleições presidenciais ucranianas. Onde já se viu isto? O sucesso mediático transposto para o sucesso político (veja-se o movimento 5 Estrelas na Itália, o palhaço Trump nos EUA, ou mesmo Marcelo Rebelo de Sousa que teve mais de 10 anos de presença televisiva como comentador-mor para se tornar em presidente da República). Um sintoma da política actual: faz-se através da tv e das redes sociais.

4. A partir de 24 de fevereiro, e quase até agora, os canais televisivos de informação voltaram ao modo monotemático como tinham feito no início da pandemia, há 2 anos. A guerra na Europa. Rapidamente todo o Ocidente tomou o partido da Ucrânia contra o agressor Putin e a Rússia. Canais de televisão russos, como a RT e agências noticiosas russas foram censuradas pelo ocidente. Putin, entretanto, fez aprovar um decreto onde proibia a utilização da palavra "guerra". A invasão da Rússia à Ucrânia era uma "operação militar especial". Os correspondentes de órgãos de comunicação social em Moscovo, na generalidade, abandonaram a Rússia. Ficaram só as imagens de refugiados, de abrigos, de repórteres medrosos, da devastação da guerra esventrando edifícios. Os refugiados que por esta altura são cerca de 4 milhões, mulheres e crianças, porque o presidente Zelensky proibiu os homens entre os 20 e 60 anos de deixarem a Ucrânia, para combater pela pátria, espalham-se pela Europa. E, principalmente, as sanções económicas decretadas pelo ocidente à Rússia e aos oligarcas russos, a Putin e aos membros do seu governo. As sanções e a guerra que fazem ricochete nas economias ocidentais: a inflação sobe para níveis de há 20 ou 40 anos (o caso da Alemanha, enquanto em Espanha se atingiu 10 por cento de inflação). A gasolina sobe, sobe, ás vezes desce, e volta a subir ao compasso do petróleo ou da pura especulação.  

5. A guerra, esta guerra que não é nossa, mas que os governos ocidentais, a NATO e principalmente os mass-media, tornaram nossa, tem um forte aliado: o medo. O medo, aqui no extremo ocidental da Europa, a 4000 km de Kiev, ainda funciona. É uma simples expressão: III Guerra Mundial. É claro que é assustadora, porque uma III Guerra Mundial não pode existir; se se utilizar armas nucleares, como dizia alguém, nem é bom pensar. Por isso a NATO nunca deveria ter-se aproximado da Rússia (aliás, a NATO já não deveria existir, como não existe o Pacto de Varsóvia). O medo instala-se melhor na poltrona quando se fala de armas nucleares, quando Joe Biden espicaça o urso Putin. Como escreveu o poeta Alexandre O' Neill, "o medo vai ter tudo". E, nunca como nestes tempos, pelo menos desde o fim da II Guerra Mundial, o medo esteve tão bem instalado, ouvindo as trombetas mediáticas que faz tocar.    



segunda-feira, janeiro 31, 2022

LEGISLATIVAS 2022: DA MAIORIA ABSOLUTA AOS NOVOS FASCISTAS

 


1, O Partido Socialista venceu, ontem, inesperadamente, por maioria absoluta as eleições legislativas. Inesperadamente porque as sondagens, que se perfilam como uma verdade absoluta, quase se substituindo às eleições, davam um "empate técnico" entre PS e PSD. A maioria absoluta do PS não é nada de bom, a não ser para o PS e para António Costa. Uma maioria absoluta significa que o próximo governo PS poderá governar sem dialogar com outras forças políticas. Mas quem criou as condições para esta maioria absoluta do PS foram dois partidos responsáveis por estas eleições ao chumbar o OE para 2022: o Bloco de Esquerda e o PCP  - e por essa atitude irresponsável foram fortemente penalizados. É algo que não é novo, já em 2011, a chamada esquerda radical, abriu as portas a Passos Coelho e à troika ao chumbar o PEC 4. Portanto, o mau resultado do BE e PCP deve ser visto como uma penalização do eleitorado por criarem eleições antecipadas e porem fim à geringonça (é certo que Marcelo também teve culpa em marcar estas eleições). Com isto ganhou o PS, que terá ainda ido buscar votos ao centro direita, onde um Rui Rio andou errante.

2, A entrada do partido de extrema-direita, com um grupo parlamentar de 12 deputados, tornando-se a terceira força política no parlamento, não é uma surpresa. Foi algo muitas vezes anunciado pelo seu líder, pelas sondagens e pelo resultado que o seu líder populista obteve nas eleições presidenciais do ano passado. Como foi possível isto - um partido populista de tendência fascista tornar-se no terceiro partido português? Como é possível que um partido que defende a prisão perpétua, a castração química para os pedófilos, o fim do Estado providência, do RSI, que tem uma matriz racista e xenófoba tenha agora 12 deputados na Assembleia da República? Creio que a culpa é dos média que criaram o fenómeno A. V. Não existia uma inevitabilidade em Portugal ter um partido "populista" como a Espanha tem o Vox ou a França tem a FN da família Le Pen. É certo que o discurso populista, apelando ao fantasma de Salazar, já há muito que era ouvido em certas camadas da população, e a relação com o fantasma de Salazar e do Estado Novo nunca foi resolvida.

3, Mas houve outras novidades nestas eleições. O desaparecimento do CDS, partido chamado de fundador da democracia portuguesa, que apesar de uma boa campanha de Francisco Rodrigues dos Santos, não conseguiu eleger nenhum deputado. O partido perdeu excelentes deputados, como o PCP que perdeu João Oliveira e António Filipe. A Iniciativa Liberal foi outro partido que tendo apenas um deputado surge agora com um grupo de oito. É um partido que perfilha algumas causas da esquerda, na matéria de valores, mas que está bastante à direita, naturalmente pelo fim do Estado providência. O PAN, que queria ser um parceiro de um governo de esquerda ou direita apenas conseguiu eleger a sua líder, Inês Sousa Real. Já no Livre o historiador Rui Tavares conseguiu, finalmente, eleger-se, depois de na anterior legislatura se ver forçado a abdicar de Joacine Katar Moreira.

4, Todos estes resultados apontam para uma certa decepção. Há falta de partidos interessantes. Por exemplo não existe um verdadeiro partido verde em Portugal (o PEV que estava coligado com o PCP, embora fosse pouco verde, também desaparece da AR) que coloque como tarefa primeira o combate às alterações climáticas. Os partidos de esquerda - e também de direita - esquecem aqueles que por várias razões não trabalham, como se essas pessoas acossadas por um desemprego crónico que as atira muitas vezes para a miséria fossem lixo social - e na verdade assim são tratadas. António Costa pode prosseguir, agora, uma agenda que não existe. O primeiro-ministro está mais interessado no poder pelo poder do que em solucionar de forma eficaz os problemas dos portugueses. Por isso, continuará, certamente, a obedecer aos ditames de Bruxelas, ás exigências da Banca (repare-se que enquanto a comunicação social se interessa por um banqueiro já condenado e na prisão, um outro, António Ramalho do Novo Banco, assalta despudoradamente os cofres do Estado), a uma burocracia tecnológica que se pode aproximar de cenários orwellianos. É esta a democracia que temos, se por democracia entendermos apenas a sua representação institucional, em que ao votar, mal informados, os portugueses passam um cheque em branco aos seus alegados representantes. Mas, para além de uma necessária mudança na lei eleitoral, que a torne mais representativa, a democracia vive-se no dia-a-dia  

 


sábado, julho 31, 2021

Otelo: "do libertador da pátria" ao "terrorista", o revolucionário

 


Um dia alguém me disse que "Otelo foi otário". Uma aliteração perfeita como imperfeito foi o percurso militar e político de Otelo Saraiva de Carvalho. Ele foi "o libertador da pátria" - era Francisco Sousa Tavares que no dia 25 de Abril de 1974, em cima de uma guarita, com um megafone na mão, junto ao Quartel do Carmo, sitiado pelas forças comandadas por Salgueiro Maia, e cheio de povo, discursava: "é a libertação da pátria..." Por trás das operações no terreno, que derrubaram uma ditadura de 48 anos, estava Otelo Saraiva de Carvalho. Ele era o encenador dessa peça que derrubou o regime do Estado Novo. Foi o grande dia colectivo do século XX português, esse dia "inicial inteiro e limpo". É claro que para outros, uma minoria, naquele fim de Abril de 1974, ecoavam os versos de T S Eliot ("Abril, o mais cruel dos meses"). Mas sendo o 25 de Abril uma revolução quase pacífica, as semanas e meses - e mesmo anos - que se lhe seguiram, não o foram. E Otelo, o desencadeador da revolução não entregou armas nem poder. O militar que queria ser actor, tinha um sonho, uma utopia que em nada se coadunava com a época de guerra fria que vivíamos, ou mesmo com o Portugal católico e profano. Mas perseguiu essa utopia durante anos, como mantendo sempre acesa a chama do "seu" 25 de Abril.

Depois do 25 de Abril, o MFA criou o COPCON, uma espécie de força militarizada para manter a ordem revolucionária no país, e Otelo foi o seu comandante. Os tempos foram conturbados, até, pelo menos, o fim do PREC, a 25 de Novembro de 1975. O país caminhava para o socialismo pela mão do MFA, ou para o comunismo pela mão de Cunhal e do PCP, denunciado por Mário Soares e pelos partidos à direita do PS. O país caminhava para uma guerra civil, aventavam outros de dentro do seu medo. Otelo Saraiva de Carvalho, já general, já brigadeiro, profere uma frase que mais tarde seria explosiva: fala em meter a "reacção" no campo pequeno e fuzilá-los; dirá mais tarde que era uma atitude defensiva. No dia 25 de Novembro Otelo vai para casa, cansado. Mas terá sido a sua destituição como Comandante da Região Militar de Lisboa, que levou as tropas do RALIS a fazer uma intentona de golpe de Estado, gorado. Com o 25 de Novembro Otelo é preso - pela primeira vez. Dá-se uma normalização no sentido de uma democracia representativa, com eleições legislativas, presidenciais e regionais em 1976. Mas Otelo não desiste e candidata-se às eleições Presidenciais de 1976, obtendo o segundo lugar, com 16,4 por cento, bastante longe dos 61,5 do seu amigo Ramalho Eanes, mas humilhando o candidato do PCP, Octávio Pato, para o quarto lugar com 7,5 por cento. A persistência de Otelo Saraiva de Carvalho fá-lo concorrer às segundas eleições presidenciais em liberdade, em Dezembro de 1980. Polarizadas pelo candidato da AD, Soares Carneiro, que concorre contra Ramalho Eanes, estes dois candidatos vão disputar entre si quase todos os votos: 56,4 para Eanes e 40,2 para Soares Carneiro, ou seja, os dois candidatos obtém 96,6 por cento dos votos. Mesmo assim, Otelo obtém o terceiro lugar com perto de 86 mil votos. Em Março de 1980, Otelo cria a FUP (Frente de Unidade Popular, uma união de partidos de extrema-esquerda), partido que nunca vai chegar a concorrer a eleições. Este partido vai estar ligado à organização terrorista FP-25, que durante os anos oitenta assassina 17 pessoas, entre as quais o director dos serviços prisionais, Gaspar Castelo Branco. Otelo é detido em 1984, acusado de pertencer às FP- 25. Depois de cinco anos na prisão, é amnistiado pelo então presidente da República, Mário Soares.

A ligação de Otelo às FP-25 sempre foi negada pelo próprio. No entanto, a sua condenação, embora não por crimes de sangue, caiu como uma mancha sobre o estratega do 25 de Abril, sendo mediaticamente substituído na condição de herói da revolução dos cravos por Salgueiro Maia, o operacional que esteve no cerco ao Quartel do Carmo. Salgueiro Maia, para além da coragem física que demonstrou, cumpriu as ordens de Otelo e abandonou a cena política. De forma diferente, Otelo Saraiva de Carvalho, engendrou o 25 de Abril, mas foi sempre, quer como comandante do COPCON, quer como candidato a duas eleições presidenciais, quer como alegado membro das FP- 25, o revolucionário que procurou concretizar o seu projecto utópico que passava por uma democracia directa. Foi sempre um revolucionário permanente; tomou para si o 25 de Abril, ao contrário de Salgueiro Maia, e foi, como na célebre frase de Beckett, de falhanço em falhanço, falhando cada vez melhor. Foi o primeiro e o último a abandonar o espírito que desenhou para o 25 de Abril. 

sexta-feira, abril 30, 2021

Sobre a histeria anticorrupção



1. Nunca como agora se falou tanto no espaço mediático de corrupção. Esta fala é reactiva aos casos que têm sido, principalmente na última década, apresentados aos média pelo Ministério Público (MP), outras entidades judiciais e repercutidos nos média. A reacção, agora, é política e mediática, e decorre da leitura pelo juíz Ivo Rosa, em directo para as televisões, da súmula da instrução do processo chamado "Operação Marquês", em que estavam envolvidos o ex-banqueiro Ricardo Salgado, dois ex-administradores da Portugal Telecom, e sobretudo o ex-primeiro-ministro José Sócrates (e o seu alegado corruptor, o amigo e empresário Carlos Santos Silva), além de outras figuras secundárias. Há, nos comentários que se seguem a este evento, pelos comentadores da praça, a maioria políticos, alguns juristas e alguns jornalistas, um repúdio histérico pela decisão instrutória de Ivo Rosa, que decide levar José Sócrates a julgamento por "apenas" 6 dos 31 crimes que estava acusado. Além disso, na leitura da sua súmula, Ivo Rosa "arrasa" a acusação do MP. O incómodo, numa primeira reacção é generalizado; depois na complexidade do processo, os comentadores vão salientar das três horas de leitura do acórdão, quase só, o que incrimina José Sócrates.

2. Viajemos, virtualmente, a esse inferno que se tornou o Brasil de Bolsonaro. É aqui necessário lembrar o golpe de Estado judicial levado a cabo pelo juíz Sérgio Moro. Foi este super-juiz que ao mandar prender o ex-presidente do Brasil e candidato às últimas eleições, com base em alegados crimes de corrupção, acabou por dar a vitória nas presidenciais a Jair Bolsonaro. Não contente com isto, Sérgio Moro viria a integrar o executivo de Bolsonaro com a pasta da Justiça. Ou seja, em nome da luta contra a corrupção, o juiz torna-se corrupto, porque a sua acção (mandar prender Lula da Silva para dar a vitória a Bolsonaro) é premiada por Bolsonaro com um convite para o governo. Para além do paradoxo já evidenciado, o Brasil tornou-se num país com um chefe de Estado risível, mas que com o evoluir da pandemia se tornou trágico: enquanto morriam milhares de pessoas, Bolsonaro gozava, como um líder fascista ou nazi, sobre os efeitos da covid.

3. Regressemos a Portugal. Em Novembro de 2014, à chegada ao aeroporto da Portela, José Sócrates, regressado de Paris, era preso. Desde a sua vigência como primeiro-ministro, o ex-líder do PS era acusado por alguns média, nomeadamente o Correio da Manhã, cuja televisão - CMTV - esteve presente no acto da prisão, de vários casos de corrupção. Presente ao juiz Carlos Alexandre, e embora o MP não tivesse provas dos crimes por que acusava o ex-primeiro-ministro (que na altura tinha um programa de comentário ao Domingo na RTP-1), o super-juiz português decreta prisão preventiva para Sócrates. Durante quase um ano Sócrates vai ficar preso preventivamente. Cabe aqui referir, que se o Código Penal português tem molduras penais, comparativamente com outros países europeus mais brandas, existe uma cultura de abuso da prisão preventiva por parte dos juízes, o que leva a que pessoas depois declaradas inocentes em julgamento tenham estado presas. Esta atitude da justiça portuguesa é ofensiva dos direitos humanos e não se coaduna com um Estado de direito democrático. Mas é recorrente: primeiro prende-se, e depois investiga-se. Poucas pessoas se têm preocupado com este fenómeno, que implica muitos dos cidadãos alvo das acusações do Ministério Público, principalmente aqueles que tem menor poder de defesa, isto é, menor poder económico para pagar a bons advogados que os defendam. 

4. Embora José Sócrates acuse hoje os responsáveis pela sua prisão de o terem feito para evitar que ele concorresse às eleições presidenciais, o aspecto político desta prisão e posterior acusação vai para além disso. Em 2014, Portugal ainda está sob a vigência da troika, chamada ainda durante o governo presidido por Sócrates, após o PEC IV não ter passado na Assembleia da República, com os votos contra de toda a oposição, da direita à esquerda. Ora, numa altura em que o governo PSD-CDS, liderado por Passos Coelho, quis ir além das imposições austeritárias da troika, numa altura de profunda crise económica e social, duas narrativas (expressão usada por José Sócrates) ocupavam o espaço público: 1) a de que a culpa da crise e do pedido de "ajuda externo" era de Sócrates, e 2) a de que fora Passos Coelho ao não ajudar o governo socialista que quis a troika e quis ir além da troika. António Costa, ex-ministro de Sócrates, proferiu uma frase que ainda hoje mantém: "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política". No entanto, esta frase que tentava desvincular o "corrupto" Sócrates, do actual PS, como se fosse possível apagar o passado com uma borracha, não representa a verdade das relações entre política e justiça. O que tem acontecido sempre nos Estados de direito modernos é que a justiça, ou o direito, emana da política. É assim porque é o poder político (legislativo) que faz as leis. Aos tribunais compete administrar a justiça com base nessas leis. Portanto, existe uma subserviência de juízes e Ministério Público em relação ao poder político. Mas, se repararmos no caso brasileiro do juiz Sérgio Moro, é já a justiça a interferir na vida política, como outrora o faziam as forças armardas pela força de um golpe de Estado. No caso de José Sócrates, na altura a viver em Paris num luxuoso apartamento, parece ter existido por parte do MP a tomada de posição por uma destas narrativas. 

5. É evidente que em Portugal grassa a corrupção a nível do poder político. Ela será sobretudo uma pequena corrupção, a nível autárquico. Embora esta afirmação seja uma presunção, não baseada em factos, como seria uma presunção afirmar que existe corrupção a nível das chefias, ou mesmo dos funcionários, de determinada função pública. No entanto, a reactividade perante uma simples decisão de um juiz de instrução, faz lembrar a metáfora das virgens ofendidas - virgens que podem não ser tão virgens como querem a todo custo fazer parecer. Essas virgens ofendidas vagueiam pelo governo e pelo aparelho PS, depois de há alguns anos atrás terem pertencido ao governo Sócrates. E ofendidas, tornam-se histéricas, quer como comentadoras, quer como governantes. No último caso, note-se que 20 dias depois da decisão instrutória de Ivo Rosa, o governo prepara-se para atacar a corrupção através de vários mecanismos: do pedagógico ao de uma delação premiada encapotada que será o novo estatuto do denunciante (v. Público, 29-04-21, pp. 10 e 11, art. "Governo quer alargar regime de perdão de penas a quem confessar corrupção").

6. A histeria anticorrupção à portuguesa, que equacionou uma inversão do ónus da prova, torna-se num problema para as actuais democracias representativas. É certo que a corrupção pode ser uma fácil arma de arremesso por parte da crescente extrema-direita populista, mas o facto de se considerar alguém com funções governativas como um possível corrupto, atitude que tem sido tomada pelo Ministério Público, não só fomenta esse populismo de extrema-direita, como impede que os melhores sirvam o país. Aberta a caça ao político corrupto está legitimado o discurso populista de extrema-direita, e só por masoquismo alguém aceitará um cargo político: o escrutínio não é só mediático e político, mas passou a ser, também, penal    

 

domingo, janeiro 31, 2021

AMEAÇAS À DEMOCRACIA

 


1, No estado em que vivemos, a realização de eleições presidenciais torna-se problemática. O presidente reeleito e a Assembleia da República tiveram muito tempo para legislar sobre o adiantamento de eleições - não o quiseram fazer. O próprio Marcelo manteve um tabu artificial sobre a sua recandidatura. Mas deu-se ao luxo de fazer uma campanha solitária, num estilo de populismo light que cultivou durante todo o mandato. Seria esse populismo, pensava-se, uma forma de travar o populismo de direita de características neofascistas que da França à Alemanha, passando pela vizinha Espanha, grassa pela Europa e pelo mundo. Mas não. Portugal não escapou a esse populismo fascista, por meio de uma figura, que vinda do PSD de Passos Coelho (foi candidato à CM de Loures), com alguma visibilidade mediática por ser comentador de futebol numa estação de televisão, se pôs a destilar ódio contra a etnia cigana, contra os mais frágeis da população portuguesa, que vivem do RSI, a quem chama de subsídio-dependentes. Se nas legislativas de 2019 o partido que fundou conseguiu elegê-lo como deputado à AR, a partir daí o crescimento do seu partido de extrema-direita foi galopante nas sondagens. A confirmação desses números das sondagens, deu-se agora nestas eleições presidenciais, onde o líder da extrema-direita obteve cerca de 12% dos votos, cerca de meio milhão de eleitores. Apenas Ana Gomes, numa candidatura corajosa, conseguiu, eleitoralmente, fazer frente ao candidato da extrema-direita, e ficar em segundo lugar. A questão que se coloca é  como foi possível chegarmos aqui, termos um líder da extrema-direita, apoiado por Marine Le Pen ou Salvini, que conseguiu o terceiro lugar numa eleição presidencial. A resposta parece estar nos média: numa lógica de que "tudo o que é bom aparece, tudo o que aparece é bom", os vários meios de comunicação social, falaram fartamente do líder da extrema-direita portuguesa. Mesmo quando falavam mal dele, falavam, e como deviam saber, mesmo a má publicidade é publicidade, e acaba por gerar simpatias. O velho discurso xenófobo e racista, contra os mais desprotegidos da sociedade, o discurso de que "o que fazia falta era um Salazar", regressou, agora corporizado num partido que ameaça tornar-se na terceira força política portuguesa e reconfigurar a direita, fazendo desaparecer o CDS-PP. Aos média que não querem o crescimento deste tipo de força política cabe pensar como abordá-la, como estancar a sua presença, quase diária, nas notícias, e tomar partido, editorialmente, contra. Aos partidos da direita clássica e também da nova direita liberal (PSD, CDS e IL) cabe criar um cordão sanitário que impeça uma futura aliança de direita onde o partido radical entre. No entanto, a sede pelo poder é grande, o que não augura nada de bom. A extrema-direita tem um tecto sociológico, é isso que impediu que a França se tornasse num país onde o (ou a) presidente da República fosse um(a) Le Pen. Mas no caso português é diferente, como se viu nos Açores, onde se criou uma geringonça à direita com o apoio da extrema-direita. De certa forma, e perante esta situação é a democracia que fica refém de um partido, ainda que minoritário, que fala de uma IV República, de "uma ditadura das pessoas de bem".

2, As ameaças à democracia, podem não passar por partidos, podem simplesmente estar nos nossos bolsos, sob a forma de um smarphone. Ameaças à nossa liberdade e à nossa privacidade, que vincam a razão que Orwell tinha, há mais de 70 anos, ao escrever o romance 1984 (recentemente reeditado em nova tradução pelo poeta José Miguel Silva e com prefácio de Gonçalo M. Tavares, pela Relógio d' Água). Uma notícia do Público -  [

Saber o que ouvimos não chega: o Spotify quer saber como falamos, onde estamos e com quem

A empresa sueca registou a patente de uma tecnologia que permite o acesso e a análise da voz dos utilizadores e do som ambiente que os rodeia. O objectivo, diz, é afinar o mais possível o seu algoritmo de sugestões.] dá conta de que a aplicação músical Spotify se prepara para nos escutar, saber onde e com quem falamos, para, assim, nos dar música mais condizente com os nossos gostos. Confesso que nos últimos meses utilizei esta aplicação para ouvir música e podcast's. Fiz algumas descobertas musicais e de podcasts. Mas a aplicação, para quem não era "premium", ou seja não pagava, tornava-se deliberadamente irritante na sua auto-publicidade. O problema dos algoritmos nas novas tecnologias, que nos escutam, nos "olham", sabem onde estamos, têm acesso a tudo o que temos nos telemóveis, é um problema grave de ameaça à nossa liberdade, logo um problema sobre o qual os Estados devem legislar com urgência. Não se pode permitir que grandes empresas, muitas vezes em regime de monopólio, como acontece com a google, nos estejam a espiar constantemente. Chegamos, tecnologicamente, à sociedade retratada em 1984. Mas ainda não vivemos em ditaduras. Por isso, se os governos nada fazem, é altura dos cidadãos se manifestarem e exigir limites legais ao processamento de informação por parte destas empresas, exigir a nossa privacidade - quer perante o Estado, quer perante empresas privadas - como um valor democrático.


sexta-feira, janeiro 31, 2020

COMO LIDAR COM A EXTREMA DIREITA

Resultado de imagem para foto de saudação nazi em comicio de andre ventura"
As democracias são sistemas políticos frágeis, porque aceitam todas as opiniões políticas, mesmo aquelas que vão contra um pensamento democrático. Por isso, por vezes a barbárie não necessitou de tomar o poder pela força  - bastou-lhe a persuasão sobre as massas. Foi o que aconteceu com um dos regimes mais ignóbeis de todos os tempos, o nazismo na Alemanha no século passado. Um século depois, nuvens negras ameaçam as democracias. Um pouco por todo o lado, governos populistas de extrema direita são eleitos democraticamente, ou partidos de extrema direita ganham terreno onde menos se esperava. Está neste caso a AfD na Alemanha, precisamente o país que dado o seu negro passado se esperava que não tolerasse quaisquer movimentos de extrema direita, mas também o Vox em Espanha, e em Portugal o Chega, que uma sondagem do Correio da Manhã, publicada ontem, dava, ironicamente à frente do PCP, com mais de 6 por cento de votação.
Esta ascensão da extrema direita, que no caso português deve incluir, a partir de agora o CDS, por a sua nova direcção ter elementos que manifestaram publicamente a sua simpatia para com Salazar e a PIDE (Está neste caso um tal Abel Santos), e que é algo absolutamente vergonhoso para um partido que, embora encostado mais à direita do espectro político, é um partido fundador da democracia portuguesa. Ou seja, a própria direita tradicional encontra-se refém da extrema direita como pode acontecer em Espanha no caso de novas eleições darem uma maioria à direita. Em Portugal, embora o Chega só tenha um deputado e o CDS seja um partido em aparente extinção, também esse cenário se começa a desenhar. Depois desta maioria de esquerda, como será uma provável maioria de direita?
Neste sentido, assistimos a uma falta de pragmatismo por parte da esquerda em lidar com esta nova extrema direita, inédita desde o 25 de Abril. Não é só na forma, por exemplo, com que Ferro Rodrigues mandou calar o sr. Ventura. É também, e sobretudo, nas propostas apresentadas pela esquerda. Estas tendem a desviar-se da luta por uma justiça social e a procurar os temas chamados fracturantes. Por exemplo a proposta da deputada do Livre de devolução do património existente em Portugal das ex-colónias portuguesas, quando este nunca foi reivindicado pelas mesmas. Mais que na resposta racista do sr
 Ventura, a esquerda tem que pensar na opinião do eleitorado sobre este assunto. Todas as iniciativas da esquerda devem ser tomadas de forma pragmática, não dando espaço para que a nova direita cresça. Fundamentalmente, a esquerda tem que se preocupar com a vida das pessoas que representa. E isso implica um batalhar na questão da justiça social, questão essencial e nunca resolvida, ou pelo menos mitigada, nos últimos 46 anos. Antes, bastante agravada com o governo de Passos Coelho e a intervenção, desejada pela direita, da troika. A esquerda também terá que estar alerta para as novas tecnologias, em vez de fazer delas restrições à liberdade individual, como o governo PS pretende.  A questão da liberdade vs uma omnipresença do Estado é outro problema com que a esquerda lida mal. O Estado deve servir de suporte às pessoas quando elas precisam, e de regulador entre o poder, cada vez maior das grandes empresas e os indivíduos. E por isso deve auto-limitar-se. E naturalmente, descer a carga fiscal. Talvez isto interesse mais às pessoas, e sirva de dique contra a nova direita, que as causas fracturantes.

quinta-feira, outubro 31, 2019

PARLAMENTO DE SAIOTE

Resultado de imagem para assessor de joacine katar moreira de saia

Resultante das eleições legislativas do passado dia 6 de Outubro, entraram para o novo parlamento mais 3 partidos, cada um com um representante: o Chega de André Ventura, de extrema-direita, defendendo posições que nem o Estado Novo adoptou, como a prisão perpétua, entrou em parte porque Ventura foi “apoiado” pelo Correio da Manhã e pela CMTV (todo um mundo alternativo recheado de populismo fascista); o Iniciativa Liberal, representado por Cotrim Figueiredo, cujo nome, apesar de ter ideias novas, diz dos seus propósitos; e o Livre, partido liderado pelo historiador e comentador político Rui Tavares (que já foi eurodeputado pelo BE), que conseguiu colocar no parlamento a cabeça de lista por Lisboa, Joacine Katar-Moreira.

No que respeita aos resultados destas eleições para uma nova legislatura, a vitória do PS, sem maioria absoluta, em nada surpreendeu. A governação do PS com o apoio de CDU e BE, reflectiu um inflexão no discurso de empobrecimento que o governo de Passos Coelho imprimiu ao país com a ajuda e o argumento da Troika. A grande derrota da direita, com o quase desaparecimento do CDS-PP (partido rebaixado a 5 deputados) e mau resultado do PSD (que só não foi pior porque Rio Rio fez uma deriva para o centro-esquerda, tentando aproximar o partido do PS) deve-se à natural resposta governativa de António Costa, de que afinal existia uma alternativa e os portugueses não estavam condenados ao discurso enunciado por Passos e o seu governo. Costa, agora homem-do-leme pôs dinheiro a circular na economia (a ponto de dados divulgados hoje referirem que os portugueses nunca pouparam tão pouco como desde 1961). No entanto, e para lá das catástrofes climáticas que originaram a maior mortandade em incêndios em Portugal, cerca de 100 pessoas em 2017, Centeno, como ministro das finanças, e depois presidente do Euro-grupo, foi o outro lado da moeda de uma austeridade encapotada que recaiu sobre os serviços públicos, e que ameaça fazer colapsar o Estado providência tão apregoado pela esquerda maioritária neste parlamento. Assim, sem geringonça, e ainda o PSD dependente de eleições internas, não se adivinha fácil a legislatura de António Costa.

A verdade, apesar de enfatizada pelos média, é que também Portugal foi atingido pela mudança no cenário partidário, que atingiu já há muito países europeus como a Espanha, a Itália, a França, etc. Pela primeira vez depois do 25 de Abril, o parlamento português tem 10 partidos (contando com o deputado do PEV, que foi eleito nas listas da CDU). Estas mudanças, que têm tornado a Espanha ingovernável, e fazer crescer a ameaça populista da extrema-direita, são manifestações de descontentamento dos eleitores para com os seus representantes que continuam encapsulados nos seus interesses, nos interesses de grandes organizações financeiras, e nos interesses dos seus partidos, e não – como devia ser – nos interesses das pessoas. Isto explica a elevada abstenção, e o voto em novos partidos, como o PAN que conseguiu um pequeno grupo parlamentar, ou mesmo, à espera de um melhor resultado em próximas eleições, os partidos que conseguiram colocar um deputado no parlamento.

Entre os 3 partidos que estão na situação referida, Chega, Iniciativa Liberal e Livre, o primeiro representa, como o Voxx em Espanha, e muitos partidos semelhantes, de que um dos casos mais graves é o AfD alemão, uma ameaça para a democracia. Quanto ao IL, representa apenas uma ameaça para o CDS e para o PSD. Vou focar-me, ainda que brevemente, no caso do Livre. Se há quatro anos Rui Tavares conseguiu juntar ao seu partido figuras vindas do BE como Ana Drago e Daniel Oliveira, tendo nas fileiras do partido uma figura importante da democracia e da historiografia portuguesas, como é o caso do falecido José Tengarrinha, de nada lhe valeram essas figuras que pareciam estruturar um novo partido na esquerda portuguesa entre o PS e o Bloco. As eleições internas para estas legislativas mudaram o rumo do partido. Com Joacine Katar-Moreira assiste-se a uma forma de fazer política baseada na provocação, que atira o partido para uma radicalidade que não era a sua original. Anda esta provocação de Katar-Moreira, entre uma discernível base teórica que repousa entre Foucault e Lacan, mas acaba por seguir a moda da estação: Judith Butler numa versão misturada com a teoria pós-colonialista. São conhecidas as formas de provocação de Katar-Moreira: a gaguez com a qual ela afirma se dar bem causa consternação nos ouvintes e um discurso pobre, em que se adivinha a palavra que vem a seguir. Lacan chamaria a isto gozo (juissance). A outra provocação foi feita pelo assessor de Joacine, que na abertura desta legislação acompanhou a deputada do Livre vestido com uma saia. Uma minoria tem, em democracia, direitos, mas esses direitos não se podem impor ao respeito pelas maiorias. Quando isso aconteceu, nos países em que isso aconteceu, estivemos perante a barbárie. Em Portugal 2019, país de brandos costumes, estamos apenas perante um equívoco entre a Moda Lisboa e a Assembleia da República.

segunda-feira, setembro 30, 2019

BREVIÁRIO SOBRE OS PARTIDOS CONCORRENTES ÀS LEGISLATIVAS

Resultado de imagem para parlamento

Até que ponto estas eleições legislativas do próximo dia 6 de Outubro são decisivas? O que vai mudar na vida dos portugueses? A resposta, tendo em conta que o vencedor antecipado é o PS, será muito pouco. António Costa ao criar a geringonça abriu um espaço de entendimentos parlamentares único na democracia portuguesa. Daí que com excepção do CDS, e de um eventual novo líder do PSD, mesmo sem maioria absoluta o PS tenha toda a margem de manobra para criar uma solução governativa. Ou seja, para criar uma nova geringonça.
Mas calma. Ainda vamos na campanha. E na campanha eleitoral, naturalmente mediática, não há 21 partidos a concorrer mas apenas os 6 com representação parlamentar. É claro que há problemas de logística para acompanhar em igualdade os 21 partidos, mas já agora que critérios editoriais fazem com que apenas os 6 partidos que têm representação parlamentar sejam acompanhados pelos meios de comunicação social? E que o PAN, com apenas um deputado, tenha o mesmo tratamento que o BE ou o CDS, partidos com grupos parlamentares. Sem dúvida que o PAN vai aos ombros dos jornalistas.
Dito isto, que é uma evidência difícil, vejamos os partidos e se existem razões para votar em algum deles.
PS – António Costa mostrar-se como a noiva com quem todos querem casar (mesmo Rui Rio). Durante estes 4 anos distribuiu dinheiro, mudando bastante o país. Mas não foi suficiente: os serviços públicos continuaram sem dinheiro. De uma forma grave. Centeno apostou numa austeridade encapotada, e em devolver ao FMI o dinheiro emprestado. Deste governo só se pode dizer que foi bom porque veio depois do pior governo depois do 25 de Abril.
PSD – Depois desse terrorista que foi Passos Coelho, os portugueses perceberam que tipo de partido é o PSD. Não totalmente. Rio tentou virar à esquerda, não é suficiente. É o seu lugar como líder do partido que se joga nestas eleições.
Bloco de Esquerda – O apoio ao PS, à geringonça, fê-lo engolir muitos sapos e deixar de lado a luta por causas justas. Ainda tem uma visão demasiado estatizante da sociedade.
PCP (CDU) – Creio que nem Soares nem Cunhal concordariam com a solução da geringonça. É um partido estalinista, com quase um século, anquilosado, que ainda apoia regimes como o da Coreia do Norte.
CDS-PP – Dos seis partidos parlamentares é o único que não quer casar com António Costa. Tem uma ideia filosófica de liberdade. Mas a justiça social, onde fica? Para as grandes empresas.
PAN – Da libertação animal de Peter Singer (bio-eticista a favor do aborto, do infanticídio, do “homicídio” de pessoas com doenças neurológicas que lhes façam perder a “consciência”) a um partido que se diz agora ecologista. Se os animais votassem ... 
Livre – Tem um programa utópico e a primeira candidata gaga a querer entrar no Parlamento.
Aliança – Ou seja, Pedro Santana Lopes.
PDR – Já podia ter entrado no Parlamento, mas Marinho Pinto prefere os programas da manhã da TVI.
PTP – Tem algumas boas ideias. Mas como se pode subir o salário mínimo para 1000 euros?
PNR – Puro fascismo.
Iniciativa Liberal – Já chegou o neoliberalismo de PSD/CDS.
Nós, Cidadãos – Ainda não se explicou.
MAS – Esquerda quase caceteira.
RIR – Ou seja, Tino de Rãs, um mau Da Vinci dos mass-média.
Chega – Um perigo para a democracia. Puro e do pior populismo, a reboque do Correio da Manhã.
JPP – Um partido da Madeira.
MPT – Tem um bom tempo de antena. No resto, está invisível.
PURP -  A idade não é um posto.
PCTP/MRPP -  A nova líder do partido vai fazer uma revolução. Mas em casa dela.
PPM – Um partido sem rei.


domingo, junho 30, 2019

REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ


Imagem relacionada
A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno não poderia permitir.  
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora, durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado, mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.


sexta-feira, maio 31, 2019

ABSTENÇÃO

Resultado de imagem para abstenção

O semanário Expresso da passada sexta-feira, 24, trazia como manchete uma sondagem que indicava que 69 por cento dos portugueses não eram capazes de nomear nenhum candidato às eleições Europeias do passado Domingo. Ora, foi sensivelmente este o número da abstenção destas eleições, um número que se tomarmos por correcto constitui o recorde da abstenção em eleições desde o 25 de Abril (Luís Aguiar-Conraria, no Público de dia 29, serve-se de um outro argumento, os portugueses que residem no estrangeiro, e cuja taxa de abstenção “perfeitamente normal” foi de 99 por cento, para fazer umas estranhas contas que colocariam a abstenção na ordem dos 60 por cento).
Da citada manchete do Expresso infere-se um provável nexo de causalidade: os portugueses que não sabiam quem eram os candidatos não foram votar. É justo. Porque, embora o voto seja universal para todos os cidadãos maiores de 18 anos, não faz sentido que alguém que não tem nenhuma noção dos programas dos partidos, ou sequer não sabe o que é o Parlamento Europeu, ou que as eleições Europeias foram para o Parlamento Europeu, vá exercer o seu “direito”/”dever de voto”. E aqui estamos perante um assunto que é urgente ser discutido: literacia política. Levantar a questão de uma literacia política é levantar a questão de como as instituições se apresentam no espaço público (e aqui, a UE tem defendido a sua opacidade e complexidade burocratizante, enquanto os parlamentos nacionais se tornam mais transparentes com os seus canais televisivos – veja-se a título de exemplo a audição a Joe Berardo); é, também, questionar como os partidos fazem campanha e se apresentam aos seus potenciais eleitores; ou ainda – e este item reveste-se de particular importância – como os meios de comunicação social abordam nos seus espaços informativos as questões políticas e institucionais; e, não menos importante, como a escola explica o funcionamento das instituições.
Após o 25 de Abril, e depois com a estabilização democrática, a democracia representativa tornou-se universal. Na primeira República apenas os homens alfabetizados e os chefes de família podiam votar (curiosamente uma mulher, Carolina Beatriz Ângelo, médica e viúva, invocando a sua condição de chefe de família, conseguiu votar, tornando-se num caso absolutamente excepcional até às eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte, onde as mulheres puderam votar pela primeira vez). Hoje, nas democracias representativas ocidentais a taxa de abstenção ronda os 50 por cento – foi também esta a taxa de abstenção média destas eleições tendo em conta o conjunto dos (ainda) 28 estados membros da UE.
Mas, em Portugal, a abstenção para as eleições Europeias, desde a década de 90 do século passado, apresenta números superiores aos 60 por cento, sendo as eleições com maior taxa de abstenção. Porque razão isto ocorre? Uma das possíveis explicações, alinhadas com outros países chamados eurocépticos, como é o caso da Grã-Bretanha que tenta sair da União Europeia, é a que os não votantes nas eleições Europeias em Portugal o fazem pelas mesmas razões que os ingleses quiseram, em referendo, o Brexit. Não me parece que seja essa a razão. A razão para o não voto dos portugueses, em particular nestas últimas Europeias, creio que se prende com a opacidade institucional da UE. Esta falta de transparência da UE só pode ser mudada por dentro, e o bom resultado que os partidos de tendência ecologista obtiveram, embora ainda insuficiente, pode servir para diminuir o peso que os partidos do centro, burocratizantes, têm no Parlamento Europeu. Mas há razões específicas para a existência desta maioria silenciosa: 1, a desconfiança em relação à UE terá aumentado depois da intervenção da troika em Portugal, que era constituída pelo BCE e pela Comissão Europeia; 2, um divórcio em relação à política portuguesa que foi caracterizada nos últimos tempos por uma austeridade encapotada, com cortes promovidos pelo ministro das finanças, Mário Centeno, que é ao mesmo tempo o presidente do Eurogrupo. Esse divórcio acentuou-se com o descaramento da banca e dos grandes devedores de que a audição a Joe Berardo no Parlamento foi paradigmática: como se pode compreender que o Estado tenha emprestado milhares de milhões de euros (cerca de 20 milhares de milhão) á banca para esta emprestar a estes multimilionários sem nenhumas garantias, em operações obscuras. E como se pode perceber que a mesma banca seja tão implacável para com aqueles que em dificuldades, vítimas da crise, desempregados, perderam a casa sob a qual tinham contraído empréstimo bancário? Daqui resulta, como estamos a assistir, um braço de ferro entre a banca (cujo Banco de Portugal supremamente representa) e o parlamento. Porque os políticos portugueses sabem que esta situação se tornou intolerável, e terá repercussões nas legislativas de Outubro próximo. Se, como escrevia o poeta e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, “isto anda tudo ligado”, não podemos descartar a influência da audição parlamentar a Joe Berardo nos resultados das eleições Europeias.


sábado, setembro 29, 2018

JOANA MARQUES VIDAL E LUCÍLIA GAGO, A NOVA PGR EX PCTP/MRPP: UMA AGENDA REVANCHISTA

Resultado de imagem para lucilia gago pctp mrpp

A direita anda mal. Isso já sabíamos, mas o que custou a engolir foi a não recondução de Joana Marques Vidal como PGR. Ainda mais com a anuência do presidente da República. Porque foi no mandato de JMV que pela primeira vez um ex-primeiro-ministro (do PS, agora sem partido porque abandonado pelos camaradas) foi preso, sem acusação e para que o ministério público investigasse. Isto tanto pode acontecer a José Sócrates como ao Zé da esquina. Costumava acontecer ao Zé da esquina – pilha galinhas ou mãozinhas de artistas do gamanço da carteira do próximo. Tudo isso são actividades indignas de um juiz, um procurador do ministério público, um PJ, etc. A malta não anda a queimar as pestanas para depois prender pilha galinhas, isso é uma desonra. O ministério público, os ministérios públicos de todo o mundo têm que unir-se e tomar conta desta rebaldaria de corruptos que vai pelo mundo. De Portugal ao Brasil, de Espanha à Cochinchina. E nisso, o mandato de Joana (“Oh Joana, pensar que estivemos tão perto” já cantava em sua homenagem Marco Paulo), foi quase exemplar. De Sócrates ao Benfica, o MP mostrou que somos um país de corruptos, a precisar de um novo Salazar para endireitar isto. Mas enquanto Salazar não ressuscita ou renasce, temos o grande timoneiro Carlos Alexandre – prende primeiro, julga depois.

(Deixemos a ironia porque isto é sério e a sério). Tudo isto e muito mais se passou no mandato de Joana Marques Vidal e, certamente vai prosseguir no mandato de Lucília Gago, a nova procuradora que era procuradora-geral adjunta. Que Lucília Gago seja membro do PCTP/MRPP não espanta. Já a figura pública que mais tem dado a cara pelo ministério público, Maria José Morgado, também tem origem nessa escola de admiradores de Mao Tse-tung, um dos mais sanguinários ditadores do século XX.
A verdade é esta: existe uma agenda dos ministérios públicos um pouco por todo o mundo que visa aproveitar a provável corrupção de políticos – principalmente, mas também dirigentes desportivos e outras figuras – para criar instabilidade social. Isto é bem visível no Brasil, onde assistimos a um golpe de Estado perpetrado pelo ministério público e por juízes – a prisão de Lula, favorito nas sondagens para as eleições do próximo dia 7 de Outubro, colocam a instável democracia brasileira à beira de ser tomada por um antigo militar, Jair Bolsonaro, nitidamente fascista e simpatizante da junta militar que instaurou uma ditadura militar no país. Em Espanha, o super-juiz Baltazar Garcón tentou – quase literalmente – desenterrar o penoso passado da guerra civil espanhola. E em Portugal, além da operação marquês, nem o Benfica escapa à fúria justicialista do ministério público. Tudo isto é realmente grave – a justiça parece querer ser um factor de perturbação das sociedades onde está inserida: no Brasil, lançando o país para uma ditadura militar ou um presidente fascista, em Espanha e Portugal – países democraticamente maduros – lançando o alarme social, minando as instituições e referências, como é o caso do Benfica.
Que a nova PGR tenha sido membro de um partido maoísta, assim como foi Maria José Morgado, demonstra uma vontade revanchista alicerçada no passado: se perdemos politicamente no pós-25 de Abril, ganhamos agora desestruturando a sociedade, prendendo os políticos, os dirigentes desportivos, enfim aqueles que nos tempos demenciais do MRPP, seriam encostados à parede de um pelotão de fuzilamento.