domingo, setembro 10, 2006


9/11:O DIA EM QUE O MUNDO MUDOU?

Por todo o lado, nesta altura em que se assinala o 5º aniversário do 11 de Setembro de 2001, os média falam do "dia em que o mundo mudou". Será que o ataque às torres gémeas mudou o mundo? No essencial o mundo permanece o mesmo, embora vá mudando um pouco todos os dias - faz parte da condição do mundo mudar lentamente - e se o mundo mudou em catástrofes foi mais nas catástrofes naturais que nas provocadas pelo homem. No entanto, nestas últimas temos os exemplos de Hiroshima e Nagasáqui transformadas pelos americanos de um momento para o outro. Aí a vida nunca mais foi o que era. De Nova Iorque apenas desapareceram dois dos seus maiores símbolos.
É certo que as tragédias crescem na medida em que se tornam colectivas, ou se colectivizam pelo número de vitimas, e pelo efeito de proximidade: o que aconteceu em Balí não teve a mesma reprecursão do que aconteceu em Londres. É uma regra do jornalismo e não só: primeiro os mais próximos, os outros...
O ataque ao WTC, o centro (símbolico) do capitalismo, teve um outro efeito: a criação de espetacularidade que fez com que um acontecimento real fosse, na altura, visto pela televisão, como se tratando de uma ficção. Para além de tudo o 11 de Setembro foi um desses raros acontecimentos globais onde - e aqui ao contrário da encenação radiofónica da guerra das estrelas por Orson Welles - a ficção e a realidade se confundiram.
Mas o 11 de Setembro foi, a nível político, o acontecimento que permitiu a George W. Bush iníciar a sua cruzada bélica. Daí as teorias da conspiração: o 11 de Setembro teria sido fabricado pelo governo americano. Importa destacar do 11 de Setembro e dos ataques que se seguiram assinados pela Al-Qaida, ou mesmo dos ataques falhados como o deste verão, que o verdadeiro ataque à forma de vida e liberdade do Ocidente tem sido praticado pelos seus governos quando, em nome da segurança, põem as liberdades e direitos dos cidadãos em risco. Abdicar das liberdades que as sociedades ocidentais construiram durante séculos em nome da "guerra ao terrorismo" seria dar a vitória ao fundamentalismo terrorista islâmico.

quarta-feira, setembro 06, 2006

O FIM DA INDEPEDÊNCIA

O Independente acabou, já foi há uma semana (ou melhor terá sido há uns anos atrás quando Inês Serra Lopes tomou conta do jornal) e este post vai atrasado, depois de muitos posts e artigos de jornal sobre o finado jornal. O certo é que de alguns comentários que li parecem sobresair dois ou três aspectos: a satisfação pelo fim do jornal por parte de personalidades que foram atacadas pelo jornal (Eduardo Prado Coelho, Macário Correia, etc), a crítica pessoal aos seus fundadores e directores (Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas) e por causa de Portas, a leitura redutora d' O Independente como um projecto político. Todas estas leituras esquecem o que mais importa no caso d' O Independente: o quanto o projecto editorial do jornal foi, sem fazer escola, uma lufada de ar fresco na Imprensa portuguesa. Dito de outro modo, e muito haveria e haverá a dizer sobre O Independente, o jornal de MEC e PP, nos seus tempos áureos, foi uma proposta a nível estético conjugado com um atitude insubordinação únicas na imprensa portuguesa dos últimos 20 anos. O jornalismo de O Independente, embora tenha deixado muitas vezes de lado a ética foi o contrário do que é o actual jornalismo: o mais subserviente possível. Algo que na altura, sem blogosfera, só podia ser feito num jornal ou numa rádio pirata. Entre o muito que passou por O Independente, desde escritores e poetas como M. S. Lourenço, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães (que pôde publicar parte dos poemas de Alta Noite em Alta Fraga ) destaco o papel reservado para a fotografia.

domingo, agosto 27, 2006

sábado, agosto 19, 2006

Federico Garcia Lorca


BÚZIO

Trouxeram-me um búzio.

Dentro dele canta
um mar de mapa.
Meu coração
encheu-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.

Trouxeram-me um búzio.

(in Antologia Poética, trad. de José Bento, Relógio d' Água, 1993, p.35)

Federico Garcia Lorca foi fuzilado a 19 de Agosto de 1936, pelos nacionalistas.

quinta-feira, agosto 17, 2006

R. LINO

hoje, as cidades


hoje, as cidades
ficaram um pouco mais longe
e eu não sei porquê
só sei que ficaram mais longe
as cidades
à beira-mar, havendo por todo o globo
as duas vidas:
eleanor damortis animada de festas e de estios
ou a rapariga que vive
a mil e quinhentos paus por mês
não sabendo no armário
outros sítios de ser festa ou esperar.
(do outro lado da ribeira o velho cão
guarda o corpo como algas
e compotas de frio às seis da tarde...)
a rapariga do armário
mata-se na cidade
do outro lado de ser diferente o mesmo tempo.
(in Atlas Paralelo, IN-CM/Gota de Água, col. Plural, 1984, p.48)
R. Lino nasceu em Évora a 12 de janeiro de 1952. Publicou nos anos 80 os seguintes livros: Palavras do Imperador Hadriano (1984), Atlas Paralelo (1984), Paisagens de Além Tejo (1986) e Daquíra (1988).

terça-feira, julho 18, 2006

foto: Reuters
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas
Eugénio de Andrade

quinta-feira, julho 13, 2006

LAURIE ANDERSON: UMA CERTA DISPERSÃO


Laurie Anderson esteve ontem no Porto, onde actuou na Casa da Música para cerca de 250 pessoas, acompanhada de dois músicos: Peter Scherer e Skùli Sverrisson. Amanhã vai estar em Mentemor-o-Velho, no Festival do Castelo.
Com uma longa carreira de 25 anos, Laurie Anderson continua no registo multimédia, embora mais soft. Ontem na Casa da Música, durante cerca de 75 minutos, a autora de "Big Cience" voltou a contar estórias que podem ser consideradas pequenos poemas ou mesmo aforismo enquanto numa tela eram projectadas fotografias (e as palavras de Anderson traduzidas para português).
Sendo a componente multimédia reduzida isso não deixa, no entanto, de provocar um efeito de dispersão entre a palavra, servindo de mensagem para reflexão, a música (com alguns excelentes momentos) e as imagens projectadas. Uma brochura a acompanhar o espectáculo com as palavras de Anderson seria uma boa ideia.

domingo, julho 09, 2006

Thomas Bernhard, 2


Filhos
Cortar as orelhas a todas as mulheres grávidas seria uma boa ideia. Eu disse isso? Bem, disse-o porque as pessoas, quando julgam que põem crianças no mundo, cometem um grande erro. Engendram um merceeiro ou um criminoso de guerra todo suado, espantoso, pançudo, e é isto que põem no mundo, não crianças. Dizem que vão ter um bebé, mas na realidade o que vão ter é um octogenário que se mija e baba todo, cheira mal, é cego e a quem a goto não deixa dar um passo. Põem no mundo desgraçados, mas a esses não os vêem, para que a natureza possa perpetuar-se e a mesma estrumeira prossiga até ao infinito.
Excerto de entrevista a Kurt Hoffman in Trevas, ed. Hiena, 1993, trad. de Ernesto Sampaio, p.76.

terça-feira, julho 04, 2006

GI PLAYSTATION

Foto de Nan Goldin


As criancinhas criminosas foram a julgamento. Bom... o julgamento é assim uma espécie de brincadeira aos juízes e criminosos com um senhor a fazer de ministério público e a pedir a condenação (10 a 15 meses de internamento em regime aberto ou semi-aberto). Enfim, tudo cotas porreiros, que até gostam de apimentar a brincadeira com isto de julgamento e tudo. Como se fosse a sério, como nos filmes. Só faltava era um tal de Parlamento Europeu vir estragar o final da brincadeira. Mas eles aqui não entram. Nós somos de brandos costumes.
Bom. As criancinhas lá confessaram. Foi tudo um divertimento, um passatempo, perfeitamente natural em criancinhas de tão tenra idade. Gritavam: "vamos dar lenha ao Gi" e lá iam. Note-se, facto bastante importante, que estas criancinhas estudando nas Oficinas de S. José não tinham acesso a playstations. A Gi era a playstation deles, o que por si só explica quase tudo: uma criancinha deve ter a sua playstation. As criancinhas também explicaram (e estou a seguir a notícia do público, assinada por Tânia Laranjo), que "sujeitaram a vítima a sevícias sexuais... por curiosidade". Ora contra um argumento destes nada a dizer. Isto só mostra a natureza epistemofílica deste grupinho, quer dizer, a seu amor ao conhecimento. Estamos perante futuros génios da ciência, que já mostram a meticulosidade com que tratam o seu objecto de estudo: "primeiro, queriam saber se era homem ou mulher; depois, quando viram que ainda não havia trocado de sexo, resolveram violentá-la". E, prosseguindo as suas investigações, não faltou o espancamento, as queimaduras com cigarros e a ocultação da "experiência".