terça-feira, janeiro 30, 2007

ARMY NOW?


Apesar de ter terminado o Serviço Militar Obrigatório (SMO), o Estado português mantém a obrigatoriedade do recenceamento militar para todos os mancebos que completem 18 anos. No entanto, "para as cidadãs não é uma obrigação mas um acto voluntário". Estamos entendidos, temos que defender a pátria, ou as suas obrigações internacionais. Os generais precisam de saber que és um número, em caso de necessidade... Enfim, já foi pior, muito pior. Mas o Estado e os seus generais continuam a querer controlar os corpos dos mancebos. Carne tenra para canhões. Eu, fui desobedientemente surdo aos gritos histéricos dos militares.

sábado, janeiro 20, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

Curiosamente o último post publicado neste blogue foi um poema de Fiama. Sabia-se há muito da doença de Fiama, que nos últimos anos a impediu de escrever (veja-se a nota de Gastão Cruz que fecha o livro As Fábulas que a Quasi publicou em 2002). Fiama Hasse Pais Brandão, nascida em Lisboa em 1938, publicou o seu primeiro livro em 1957 (Em Cada Pedra Um Voo Imóvel), ficando, no entanto, o seu nome ligado à publicação conjunta Poesia 61, de onde se destacam Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz. Foi poeta, sobretudo, mas também tradutora, ensaista, dramaturga e ficcionista. A sua Obra Breve, que reúne toda a sua poesia, foi publicada o ano passado na Assírio & Alvim e considerada pela crítica como o livro mais importante de 2006. Apesar disso a notícia da sua morte passou despercebida hoje nos meios audiovisuais (uma notícia da Lusa circulava entre os jornais on-line, mas o telejornal da RTP esqueceu por completo o desaparecimento da autora de Cenas Vivas). Embora não seja justificação para o jornalismo ignorante que faz hoje, a poesia de Fiama vive de uma certa obscuridade (vegetal) e hermetismo. Fica-nos, como sempre nestes casos, a sua pesada obra, como possibilidade de um encontro ou até uma paixão.
Entre todas as presenças, eu esperei
a do leitor. Quis ver-lhe os cílios
tremerem com a mancha poética.
(...)

terça-feira, janeiro 09, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão


OSGA

Tantos insectos, tantos mínimos répteis
tenho amado, e só hoje
desventurada osga que passas a tua sesta
na chapa do portão, te saúdo.

terça-feira, janeiro 02, 2007

DISCURSO DOS DIAS: UM ANO

Não gosto de aniversários. São uma derrota na luta contra o tempo. Mas o aniversário de um blogue é diferente. Este blogue faz um ano. Poucos posts, poucas visitas, algumas referências. Assim é de referir os seguintes blogues que linquaram o Discurso dos Dias (espero não esquecer nenhum): Insónia, Galeria Sargadelos Porto, Às Duas Por Três, Um Blog Que Seja Seu, Pimenta Negra, Errância, o blogue brasileiro Minha Louca da Casa, The Cat's Eye e a referência a um post sobre Fernando Assis Pacheco pelo Intíma Fracção, de Francisco Amaral, um blogue que já foi um melhores programas da rádio portuguesa, infelizmente hoje remetido apenas para a blogosfera. Aqui ficam os agradecimentos aos autores dos blogues e visitantes.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

O ESTADO DOS LIVROS: A EDIÇÃO EM 2006


O que há para dizer sobre a edição de livros no ano que está a terminar não é nada de substancialmente novo em relação ao que tem vindo a acontecer de há uns anos para cá. As tendências de uma literatura light de que o nome de Margarida Rebelo Pinto é apenas uma metonímia; uma outra literatura, que se está a tornar num género, também de caracteristicas light que anda em volta do sucesso de O Código d' Vinci a par com livros sobre sexo e romances de vedetas de televisão (por exemplo Fátima Lopes apresentadora do programa da manhã da SIC) enchem os escaparates das FNAC's e Bertrand's, num processo de democratização da leitura e da escrita com todas as consequências que isso implica, sendo a mais importante delas o relegar para as prateleiras dos livros realmente importantes, aqueles que foram escritos por autores (Duras, Beckett, Bernhard, Llansol, Rui Nunes, Tolentino de Mendonça, etc, exemplos ao acaso do que são autores).
Se por um lado a abertura de lojas como a FNAC tem vindo a democratizar a leitura, permitindo que um público mais vasto tenha acesso ao livro (daí a existência de editoras como a Oficina do Livro - este ano comprada por uma sociedade de investimentos financeiros de alto risco - que se baseam na publicação de livros de figuras públicas) por outro esta democratização torna o livro em mais um produto da indústria de conteúdos, da indústria cultural, onde é dessacralizado, ficando entregue à mesma lógica das telenovelas. Ou seja, assim como as televisões generalistas já não têm espaço para passar cinema de autor, também os grandes espaços de venda de livros, os mais frequentados, e algumas editoras começam a não ter espaço para os verdadeiros autores. Que os escaparates das Bertrand's e Fnac's são ocupados por lixo não era novidade, mas talvez o seja o facto de Armando Silva Carvaho e Maria Velho da Costa, autores que normalmente eram publicados pela Dom Quixote terem publicado o seu Livro do Meio na Caminho, enquanto a editora dirigida agora por Teresa Coelho publicava a denúncia, em estílo de vingança kitsh, do mundo mafioso do futebol por Carolina Salgado. Convenhamos que Eu, Carolina é um livro que em nada prestigia os pergaminhos de uma das principais editoras portuguesas (agora em mãos espanholas), embora para quem estivesse atento aos escaparates das livrarias nos últimos tempos não constitua uma surpresa.
Ficam, no entanto, os resistentes desta lógica mercantil do livro (que nem sequer é nova na história): editoras como a Assírio & Alvim, a Relógio d' Água, Cotovia, Quasi ou as mais "marginais" Frenesi, & etc, Fenda, Vendaval, Black Sun. E também as livrarias de que se destaca a reabertura da Ler Devagar em Lisboa ou, no Porto, para além da Leitura (em decadência) e Latina, a Utopia, a Pulga e a Poetria. Quanto ao livros publicados em 2006, serão objecto de um outro post.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Jorge Fallorca

LISBOA, 21 JUN 74

Um doido sorri-me do táxi. Poucos doidos em Lx. Uma cidade, um país, uma cidade-país, que não tem doidos, mesmo poucos, não interessa. Tá bem eu sei que em Lx. é tudo doido, ou melhor: louco, eu sei, mas refiro-me a doidos mesmo doidos, com quem se possa aprender alguma coisa...
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(in Sião)
*
Laranja

A estrada para o Caramulo acendia-se de laranjas.
A berma ladeava-se de cestas traiçoeiras, que desafiavam a atenção dos condutores e atiçavam discussões familiares.
A que lhes era alheio o sabor e o preço.
Pelo caminho ficavam as confidências das meninas.
Seios à dimensão de uma laranja, revelados em aulas improvisados pela curiosidade.
Os gomos adoçicavam-nos o tacto, sem que os dedos se quebrassem na expectativa.
Miller fez-me correr pomares à procura de das laranjas de Hieronymus.
Mas tudo quanto vi foram as cascas deixadas por Al-Mu'tamid, junto ao sabor uniformizado pela Europa.
Uma vez, o vento atirou-me uma azahar para dentro do chá em Tânger.
Finalmente, a flor de laranjeira sossegava-me a cabeça no regaço das estradas.
in Longe do Mundo, Frenesi, 2004, p. 25
Jorge Fallorca nasceu em 1949 (15 de Junho), em Mortágua. Poeta, tradutor, jornalista, radialista (na Rádio Comercial) e viajante, é autor de entre outros os seguintes livros: A luva in Love (1977) Alpendre (1988), Fruta da Época (2001), A cicatriz do Ar ( 2001) e Longe do Mundo (2004)

terça-feira, novembro 28, 2006

poema

Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas de neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam do esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gêlo
como se de gêlo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro negro e verde
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, Pena Capital, Assírio & Alvim, 1982