segunda-feira, maio 28, 2007

NA INTIMIDADE DA RÁDIO HÁ 23 ANOS


Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir. Tem sido fiel a este lema que Francisco Amaral realiza, desde há 23 anos um dos melhores e mais persistentes projectos radiofónicos em Portugal: Íntima Fracção. O programa terá começado na Antena 1, e passou depois pela TSF. Agora, depois de alguns anos fora de uma rádio com cobertura nacional, remetido para a RUC e a internet, a Íntima Fracção pode ser ouvida no novo Rádio Clube Português, de domingo para segunda entre a meia-noite e a uma da manhã. Mas também pode ser ouvida em podcast e mp3. Na intimidade da rádio, pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir.

quinta-feira, maio 24, 2007

A MENTIRA (POR ALEXANDRE KOYRÉ)


Nunca se mentiu tanto... Com efeito, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, rios de mentiras são vertidos sobre o mundo. A palavra, a escrita, o jornal, a rádio... todo o progresso técnico está ao serviço da mentira. O homem moderno (...) banha-se na mentira, respira a mentira, está exposto à mentira a todo o instante da vida.


Alexandre Koyré, Reflexões Sobre a Mentira, Frenesi, 1996.

quinta-feira, maio 17, 2007

IAN CURTIS: PREPARA-SE O REGRESSO DO MITO



O mito urbano-depressivo de Ian Curtis, músico e poeta suicida, lider dos Joy Division - a banda de rock mais importante da década de oitenta -, perpetua-se, transmite-se desde o fundo do tempo, onde estão as estátuas de pedra. Agora, prepara-se um filme sobre Ian e os Joy Divison, um biopic anunciado para setembro próximo com realização de Anton Corbijn - e é de esperar o pior, ou talvez não. Mas enquanto houver coisas parecidas com rádios, em cidades tristes de cimento e néon, haverá alguém a dançar, em transe, muito perto do espasmo epiléptico, como ele fazia. Ou, ou a olhar a cerimonia dos dias.

sexta-feira, abril 27, 2007

RUY BELO


LITERATURA EXPLICATIVA


O pôr do sol em espinho não é o pôr do sol
nem mesmo o pôr do sol é bem o pôr do sol
É não morrermos mais é irmos de mãos dadas
com alguém ou com nós mesmos anos antes
é lermos leibniz conviver com os medicis
onze quilometros ao sul de florença
sobre restos de inquietação visível em bilhetes de eléctrico
Há quanto tempo se põe o sol em espinho?
Terão visto este sol os liberais no mar
ou antero junto da ermida?
O sol que aqui se põe onde nasce? A quem
passamos este sol? Quem se levanta onde nos deitamos?
O pôr do sol em espinho é termos sido felizes
é sentir como nosso o braço esquerdo
Ou melhor: é não haver mais nada mais ninguém
mulheres recortadas nas vidraças
oliveiras à chuva homens a trabalhar
coisas todas as coisas deixadas a si mesmas
Não mais restos de vozes solidão dos vidros
não mais os homens coisas que pensam coisas sozinhas
não mais o pôr do sol apenas pôr do sol

.
(in Homem de Palavra[s])

quarta-feira, abril 25, 2007

MANUEL ANTÓNIO PINA


[4 DE JULHO DE 1965]


segundo fontes geralmente bem

os altos interesses nacionais

foi recebido carinhisamen-

pretende para fins matrimoniais


entre os países menbros da otan

as suas provas de doutoramento

sua excelência o presidente da

a conferência do desarmamento


excelentíssimo senhor director

ardilosos amigos do alheio

nosso prezado colaborador

atrasos na entrega do correio


não perca esta excelente ocasião

da santa madre igreja faleceu

resposta em carta à administração

de casa dos seus pais desapareceu


(in Ainda Não é o Fim Nem o Princípio do Mundo Calma é Apenas Um Pouco Tarde, 1974)

***


O livro


E quando chegares à dura

pedra de mármore não digas: «Água, água»,

porque se encontraste o que procuravas

perdeste-o e não começou ainda a tua procura;

e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras

pois é tudo o que tens: literatura,

nem sequer mistério, nem sequer sentido,

apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.


Não tenhas contra ele o coração endurecido,

aquilo que podes saber está noutro sítio.

O que o livro diz é não dito,


como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.



(in Os Livros, Assírio & Alvim, 2003)

segunda-feira, abril 09, 2007

Big Brother, 3


De uma notícia publicada na última página do Jornal de Notícias de hoje, Extractos.




Há muito tempo que os cidadãos britânicos se habituaram a ser seguidos por câmaras de segurança. Mas, agora, as mesmas câmaras não só têm "olhos" como passam a ter "voz" e "ouvidos". O sistema faz parte dos novos planos para combater comportamentos anti-sociais em áreas de maior risco e está já em funcionamento na cidade de Middlesborough. (...) As novas câmeras estão equipadas com colunas ligadas a um sistema de controlo onde funcionários de cada município podem falar com os cidadãos sempre que alguém tenha um comportamento menos cívico. (...) Actualmente, o Reino Unido tem 4,2 milhões de câmeras em funcionamento nas ruas, o que representa aproximadamente uma câmera por cada 14 pessoas que vivem no país.

terça-feira, abril 03, 2007

GASTÃO CRUZ


METAL FUNDENTE


Gostava de explicar-te e de poder
eu próprio compreender
por que momentos houve em que perder-te
era metal fundente como o disse um poeta
entre nós e as palavras


Eu seria as palavras tu os corpos
fundentes de nós dois, pela separação
futura liquefeitos
Era de cada vez como se a vida
também fundisse e o seu metal escorresse
sobre a pele da perda talvez isso
explicasse como o chumbo
da ilusão derrete e nos liberta
até desse momento em que tememos
nada mais ter


Mas como poderia
eu amar-te e achar-te já de mais
sentir estando tu tão perto ainda
a onda
da ausência contornar-me



O céu em certos dias produzia
o efeito dum espelho em que voltávamos
inversos
ao verão que tu julgaras
então igual à vida e era apenas
a infância perdida sobre o mar



de Rua de Portugal, Assírio & Alvim, 2002