segunda-feira, fevereiro 04, 2008

PHILIP LARKIN


JANELAS ALTAS

Quando vejo um casal de miúdos
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diafragma ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso

Com que os velhos sonharam toda a vida -
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem debulhadora fora de moda,
E toda a gente nova a descer pelo escorrega,

Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isto é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,

Ou medo do inferno, ou ter de esconder
do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros?
E de imediato,

Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.

Philip Larkin, Janelas Altas, Trad. de Rui Carvalho Homem, Cotovia, 2004, p.45

quarta-feira, janeiro 23, 2008

ANTÓNIO MARIA LISBOA



Projecto de Sucessão

Para o Mário Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.



António Maria Lisboa
poesia
Assírio & Alvim
1995

domingo, janeiro 13, 2008

OS LUGARES DOS VISITANTES

(Kerteminde, Fyn, Dinamarca)

United States
Redwood City, California
22
Slovenia
Ljubljana, Bohinj
23
Spain
Madrid
24
Portugal
Santo Antnio Da Charneca, Setubal
25
Brazil
Uberlndia, Minas Gerais
26
Portugal
Vila Nova De Gaia, Porto
27
Switzerland
Muri, Aargau
28
Brazil
Piracicaba, Sao Paulo
29
Denmark
Kerteminde, Fyn
30
Brazil
Tup, Sao Paulo
31
Portugal
Moura, Beja
32
United States
Mountain View, California
33
Portugal
Coronado, Porto
34
Germany
Solingen, Nordrhein-Westfalen
35
Brazil
So Paulo, Amapa
36
Brazil
Florianpolis, Santa Catarina
37
Mexico
Tlacote El Bajo, Queretaro de Arteaga
38
Portugal
Porto
39
Portugal
Lisboa
40
Brazil
Porto Alegre, Rio Grande do Sul

sexta-feira, janeiro 11, 2008

O JORNALISMO LAMBE-BOTAS


O jornalismo, pelo menos em Portugal, tornou-se de há uma década para cá numa coisa séria, institucional. Ao jornalista pede-se respeitinho pelas figuras públicas, simpatia, cordialidade, nada de questões incómodas.(A porta da rua é já ali). O cumulo deste tipo de jornalismo deu-se a ver hoje na SIC, num programa intitulado Primeira Pessoa, emitido logo a seguir ao Jornal da Noite. O programa tinha como entrevistado o patrão da SIC e Expresso, o grande magnata da imprensa portuguesa, Francisco Pinto Balsemão, apresentado por Conceição Lino como uma personagem de telenovela a entrar no prédio da Impressa. Exactamente como os "ricos" das telenovelas que a SIC ou a TVI passam. Balsemão que foi jornalista, foi também fundador do PPD/PSD e primeiro-ministro. Ou seja, experimentou os três poderes (politico, mediático e económico) é uma figura interessante para uma entrevista séria. Mas para um programa de lambe-botas, como parece ser este, escolher para a primeira emissão o patrão, é o cumulo do descaramento. E o descaramento parece ser todo de Nuno Santos, o novo director de programas da estação de Carnaxide.

terça-feira, janeiro 01, 2008

FUMAR


(Demi Moore)

TABACARIA (Fernando Pessoa / Ávaro de Campos, excerto)

(...)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência
[de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
[e o Dono da Tabacaria sorriu.

domingo, dezembro 02, 2007

Pedro Oom


CARTA AO EGITO


A poesia não necessita de "ser salva" porque o que nós entendemos por poesia não necessita de espécie alguma de salvação. Todo o acto de revolta ou de rebeldia, todo o processo de violentar "a natureza" e de desconhecer o direito e a moral é para nós poesia embora não se plasme, não se fixe, não se possa generalizar - e aqui está, implícita, a recusa terminante de amarrar o poeta a uma técnica, seja ela qual for, mesmo a mais actual, a mais opurtuna, porque, precisamente, o que o distingue do homem da técnica é um sentido de não oportunidade, de inoportunidade, que lhe advém de uma clarividência total e duma insubmissão permanente ante os conceitos, regras e princípios estabelecidos. Com isto não queremos dizer (Deus nos livre!) que o poeta seja um louco, um visionário, mas que, se ele tem de possuir uma estética e uma moral é, sem sombra de dúvida, uma estética e uma moral próprias.

A poesia é um meio de conhecimento e acção de cujos frutos, bons ou maus, só o poeta aproveita (facto, este, de que muito poucos se dão conta) e daí a inutilidade dos esforços para ligá-lo a qualquer filosofia, política ou teologia, inutilidade que se não desmente no caso de ser o próprio poeta a tentar essa aproximação. É (foi) o caso de Régio como o de Mayakovsky: a sua voz continuará estranha e o sentido das suas palavras incompreensível mesmo para aqueles que escolheu como amigos ou correligionários. É que o poeta é rebelde sem premeditação, demolidor de tudo e de si próprio, esforçadamente anti-caridade-encostada-às-esquinas-de-pistola-em-punho ou caneta-na-mão-lágrima-de-jacaré.

Daí que resultem contraditórios os termos do poeta católico, marxista, surrealista, existencialista, anarquista ou socialista, quando não se desconhece que só ao poeta é dado compreender o poeta. Daí que resultem ridículas as homenagens colarinho-alto ou selecta-de-infância com que é costume, aqui e lá fora, enfaixar o cadáver daqueles que como Fernando Pessoa, Rimbaud ou Gomes Leal foram em vida o mais esforçado testemunho contra o bom-senso-não-deites-a-língua-de-fora.

O que possa haver de menos compreensível em tudo isto resulta do facto de que toda a explicação necessita de outra explicação para ser compreendida. Aquilo que de um modo imediato é para nós verdadeiro só será inteligível para outrem depois de uma determinada "mastigação" durante cujo processo já todo o objecto em causa adquiriu nova cor, nova forma, novo ou novos sentidos de interpretação. O poeta tem a clarividência desta transformação e daí a sua atitude, sempre de recusa a qualquer espécie de imposição, e ainda quando nos pareça que um dos seus gestos adquire uma cor mais conformista, ou um tom menos violento, ele não é mais do que uma forma diferente de recusa.
Pedro Oom, in Actuação Escrita (Lisboa, & etc, 1980), retirado de Telhados de Vidro, nº3