domingo, setembro 28, 2008

MACHADO DE ASSIS


Há 100 anos morria o escritor brasileiro Machado de Assis (1939-1908). Autor de inúmeros contos, poemas, crónicas, peças de teatro e de romances como Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, Joaquim Maria Machado de Assis foi considerado pelo crítico norte-americano Harold Bloom como o maior escritor afro-descendente de todo o mundo e um dos cem mais da História da literatura de todos os tempos. Esta afirmação do autor de O Cânone Ocidental, apesar de valer o que vale na sua subjectividade, coloca em K. O. Eça de Queiroz (ou Camilo Castelo Branco) numa disputa sobre o maior autor de língua portuguesa do século XIX. Autodidacta, mestiço, membro da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis foi além da ironia e humor em romances e contos: utilizou a sua obra literária como uma forma surpreendente de reflexão filosófica na linha de um Diderot. Um exemplo disso é o conto (ou novela) O Alienista (1882), uma crítica à psiquiatria e ao positivismo da época, quase um século antes do movimento anti-psiquiatria e das obras de Foucault, Deleuze e Thomas Szasz. Do final de O Alienista fica um pequeno excerto:



Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e cura de si mesmo. (...). Alguns chegam ao ponto de conjecturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí.

sexta-feira, setembro 26, 2008

GEORGE ORWELL (A QUINTA DOS ANIMAIS)




Era agora evidente o que sucedera aos rostos dos porcos. Os animais diante da janela olhavam dos porcos para os homens, dos homens para os porcos, e novamente dos porcos para os homens: mas era já impossível distingui-los uns dos outros.


George Orwell, A Quinta dos Animais, trad. Paulo Faria, Antígona, 2008, p. 132

terça-feira, setembro 09, 2008

CESARE PAVESE


O INSTINTO

O homem velho, desenganado de tudo,
da soleira da porta, sob o sol cálido,
observa o cão e a cadela a satisfazerem o instinto.

Sobre a sua boca desdentada perseguem-se as moscas.
A sua mulher há muito que morreu. Também ela,
como todas as cadelas, não queria saber disso,
mas não lhe faltava o instinto. O homem velho cheirava o ar
- ainda tinha dentes -, a noite vinha,
metiam-se na cama. Era bonito o instinto.

O que agrada no cão é a grande liberdade
De manhã à noite vagueia pela rua;
e ora come, ora dorme, ora monta cadelas:
não espera sequer pela noite. Raciocina
com o faro, e os cheiros que sente são seus.

O homem velho recorda-se de uma vez
em que o fez como os cães, de dia, no meio duma seara.
Já não sabe com que cadela, mas lembra-se do grande sol
e do suor e da vontade de nunca mais acabar.
Era como numa cama. Se os anos voltassem,
gostaria de o fazer sempre no meio duma seara.

Desde a rua uma mulher e pára a olhar;
o padre passa e volta-se. Na praça pública
pode-se fazer tudo. E até a mulher,
que tem pudor em voltar-se para o homem, pára.
Só um rapaz não tolera o jogo
e faz chover pedras. O homem velho indigna-se.

(Cesare Pavese, Trabalha Cansa, Trad. e Introdução de Carlos Leite, Cotovia, 1997, pp. 265-267)

Cesare Pavese nasceu há precisamente cem anos em Santo Stefano Belbo; estudou em Turim, tendo apresentado uma tese sobre Walt Whitman. Pertenceu ao Partido Comunista Italiano e trabalhou como tradutor para a editorial Einaudi. Poeta e ficcionista, dele estão traduzidos para português vários livros como o seu diário, Ofício de Viver, ou as narrativas A Lua e as Fogueiras, Férias de Agosto, A Praia, O Verão, A Guitarra Quebrada, O Diabo sob as Colinas, Noites de Festa (estas últimas editadas nos anos 60 e 70 estão esgotadas). A sua poesia está compilada no volume Trabalhar Cansa (Cotovia). Suicidou-se a 27 de Agosto de 1950.

sexta-feira, agosto 29, 2008

COPY & PASTE (1) - A. Guerreiro sobre Agamben


Para percebermos o alcance deste ensaio de Agamben [Bartleby - escrita da potência], devemo-nos referir a um dos seus conceitos mais recentes: o de «inoperosità», inoperância, o processo que consiste em desactivar a obra, seja ela humana ou divina, Não se trata de uma inacção, mas da actividade de desactivar. Isso é, no fundo, o que faz a poesia, que desactiva a linguagem da comunicação; e esse é também o dispositivo ético que Agamben propõe para tornar inoperantes as operações da máquina despolitizada da economia do poder. A inoperância, diz algures Agamben, é a substância política do Ocidente. Só ela é capaz de restituir a linguagem de que fomos expropriados. Bartleby, com a sua fórmula, é a figura dessa restituição.

António Guerreiro, "A potência da linguagem", excerto da recensão a Bartleby - escrita da potência de Giorgio Agamben, Expresso-Actual de 23.08.2008, p. 26

sexta-feira, agosto 01, 2008

É O FIM?


Hoje, pela primeira vez em 140 anos, O Primeiro de Janeiro não saí para a rua. Em editorial, na edição de ontem, a directora, Nassalete Miranda, despede-se “até para a semana”, mas tudo indica que a regressar o jornal apenas volte em Setembro como diário gratuito depois de uma reconversão gráfica. Para já foram despedidos os 30 trabalhadores do jornal, ainda com salários em atraso.
Durante anos, sob a direcção de Manuel Pinto de Azevedo (director entre 1946 e 1976), o PJ foi um dos principais jornais portugueses, opositor ao salazarismo. Nos anos 80 o jornal entrou em decadência, de que resultou um despedimento em larga escala em 1991 e a iminência do encerramento do jornal. Adquirido pelo empresário Eduardo Costa, o jornal têm nos últimos anos tentado recuperar algum do seu passado glorioso. Está neste caso o suplemento “Das artes, das letras”, publicado à segunda-feira, que pode ser considerado o único suplemento literário da imprensa portuguesa. De facto, o Janeiro acolheu nas suas páginas alguns dos maiores escritores portugueses. E pelo jornal que esteve durante décadas sediado num magnífico prédio da rua de Santa Catarina, no Porto, onde hoje funciona mais um centro comercial do grupo Sonae, também passaram alguns dos melhores jornalistas de Porto.
Depois do encerramento, há três anos d’ O Comércio do Porto, jornal igualmente histórico para a cidade do Porto e para o país, e de A Capital, espera-se que o Janeiro apareça em Setembro.

FERNANDO GUERREIRO


AS CINZAS DE LENINE

Será desculpável a facilitação do discurso? A ligeireza
com que as águias passam, deixando cair as suas penas
sobre as acabrunhadas raízes (e ruínas) do absoluto?!
A partir de que ponto se altera (perde) o pensamento?
Quantas vezes é preciso repeti-lo até ele se constituir
como um símbolo capaz de assolar o futuro? Marx refere-se
ao «espectro do comunismo» (no Manifesto, em 1847) e tanto
para Burke (Reflections) como para Michelet (Le Peuple)
o fantasma da História reveste a forma de uma sanguinária
Medusa. Mas era verdadeiro o seu Terror face ao que ante
os seus olhos acontecia: o abismo que tornava o raciocínio
sempre inconcluso. Da mesma forma, as cinzas da Revolução
o nosso imaginário ainda perturbam. Putrefacta, seria mais
acessível à repulsa? É neve, neve, que o cérebro nos atulha,
enquanto lá fora os pássaros voam baixo, à procura
das sementes que nos resguardem do futuro.

Fernando Guerreiro, Toeria da Revolução, Angelus Novus Editora, 2000, p.31

segunda-feira, julho 28, 2008

O GRANDE SILÊNCIO PELAS VÍTIMAS DO COMUNISMO


Leio a introdução de José Pacheco Pereira à obra de Marx, editada na colecção "os grandes filósofos", e reparo que JPP se esqueceu de uma das mais importantes consequências do pensamento de Marx: as inúmeras, incontáveis (?) vitimas dos regimes comunistas por todo o mundo. Na União Soviética, com o Gulag que provocou milhões de mortos, certamente mais que o número de mortos vitimados pelo Holocausto, mas também nos restantes países da Europa de leste comunista; nas inumeráveis guerras em África onde após as independências se confrontavam guerrilhas pró soviéticas contra guerrilhas pró americanas (veja-se o caso de Angola ou Moçambique); na china de Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong) com a sua Revolução Cultural; no Cambodja do sanguinário Pol Pot …. O rol de pulhas que encarceraram, torturaram e mataram em nome do fim da exploração do homem pelo homem, de uma sociedade mais justa, sem classes, e de outros ideais tão nobres é extenso. Tão extenso como secreto. Como se o facto de serem sanguinários marxistas os tornasse menos sanguinários, menos criminosos, porque bem vistas as coisas esses monstros como o camarada Estaline ou Ceausescu apenas buscavam a felicidade do Homem na terra.
Espanta-me toda essa condescendência para com os carniceiros comunistas e espanta-me, também, que aqueles que de certo modo os representam assobiem para o lado como se nada se tivesse passado. Está neste caso o PCP. O Partido Comunista Português tem, pela sua base de apoio, uma importância sociológica mas também política, uma vez que não pode alcançar o poder (sendo assim um partido benévolo). No entanto, o partido vive autista perante a derrota política do comunismo no mundo, bem como perante as atrocidades cometidas pelos regimes comunistas, actuando internamente como se fosse um pequeno PCUS (o finado Partido Comunista da União Soviética), expulsando os membros que colocam em causa a orientação do comité central. Mas o que espanta é que os dirigentes do PCP não façam um mea culpa pelos horrores do comunismo. Podem dizer que não têm nada que ver com isso, mas têm, pelo menos pela ligação estreita que existiu entre o PCP e o PCUS e outros partidos e organizações comunistas (ainda hoje as FARC estão presentes na festa do Avante).
No fundo, é como se todos aqueles milhões de mortos fossem justificáveis por uma razão maior (o materialismo científico). Mas nem essa razão maior existe, nem – se acaso existisse – justificaria tantas e tantas vítimas. Quanto ao capitalismo, esse só ganhou com a barbárie marxista.

sexta-feira, julho 25, 2008

LEONORA CARRINGTON





Leonora Carrington nasceu na Inglaterra, em 1917, tendo passado parte da sua vida no México e nos Estados Unidos.Pintora surrealista e escritora, dela foi traduzido para português o relato de uma experiência de loucura, Em Baixo (Black Sun Editores, 1990).