quarta-feira, novembro 30, 2011

PAULO DA COSTA DOMINGOS


Um cordão policial, na socialização
da falência, debrua as sanefas.
Julga-se que a lógica é
salvar os ricos e esperar

que eles deixem cair,
dos seus sacos a abarrotar
de dinheiro, algum
na praça pública.

***

Coragem. Simulacro por
simulacro, qualquer um pode
ter um brinquedo destes
para sair ao domingo. Só que

com menos motor, menos ideias.
Talvez por decreto d'óbito e
acordo da cristandade e de outros
ela morra: a economia de mercado.

Paulo da Costa Domingos, Averbamento, & etc, 2011.

quarta-feira, novembro 02, 2011

AFONSO CRUZ


A visão do céu era ainda mais fantástica do que aquela que tinha tido no balão de observação durante a Primeira Guerra Mundial. As pessoas eram ainda mais pequenas e chegavam mesmo a não existir. Quanto mais se sobe, mais as pessoas desaparecem. Os governos não sabem que as pessoas existem, de tão em cima que estão. Falam do povo, mas é uma entidade abstracta, tal como nós falamos de Deus. Ninguém, lá do alto da governação, sabe se o povo realmente existe, é uma questão de fé. Chega-se até a descrever as suas características e a temê-lo, mas nunca ninguém o viu, senão uns místicos que desceram ao nosso nível e que acabaram descredibilizados e ridicularizados. O místico diz que o povo sofre e que é preciso mais justiça e que cada pessoa tem uma vida e não são uma Unidade, mas que são, isso sim, pessoas realmente separadas umas das outras, com existência própria. Ele, como um profeta do fim dos tempos, avisa os seus congéneres de que o povo pode ser perigoso e pode derrubar coisas muito altas. É preciso não esquecer, diz ele com o dedo esticado para baixo, que, por mais alta que seja uma árvore, o seu tronco mantém-se ao alcance de um machado. Mas ninguém dá ouvidos ao mistico que viajou até à terra e a sua carreira política termina imediatamente e de forma ultrajante.

Afonso Cruz, O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, Caminho, 2011, pp.147-8

sábado, outubro 22, 2011

O PIOR POEMA DA LITERATURA PORTUGUESA


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

Nota: é evidente que há muitos maus poemas, mesmo entre os poetas canónicos da literatura portuguesa, mas a cacafonia do primeiro verso associada à ideia e, sobretudo palavras (alma, minha, gentil, partiste), têm dado um forte contributo para o ódio à poesia, aprendido nas escolas por sucessivas gerações.

sábado, outubro 15, 2011

15O - INDIGNAÇÃO MUNDIAL

Lisboa
Zurique
Hong Kong
Sidney
Hong Kong
Seul, Coreia do Sul
Barcelona
Madrid
Roma

(Fotos do Diário de Notícias, The Guardian, El Pais, agências)

sábado, setembro 03, 2011

ANIQUILAR UM PAÍS



O que este governo se prepara para fazer com o anúncio de novas medidas de austeridade que vão além das medidas exigidas pela "troika" é destruir um país. Um país é feito de pessoas, o governo de Sócrates fez tudo para tornar o interior de Portugal num deserto - fecho de escolas, centros de saúde, etc. O Governo de Passos Coelho - que é bom lembrar é o responsável pela situação a que Portugal chegou ao não procurar um entendimento com Sócrates -, prepara-se agora para aniquilar este país. Pelas mãos deste ministro das finanças Portugal será incinerado, sacrificado como um cordeiro perante os deuses dos mercados e as agências de rating - afinal é para eles que este governo executa estas medidas que a prazo vão destruir a economia portuguesa. Mas a economia, na sua pulhice, é o menos. Os cortes na saúde são criminosos porque vão levar a um aumento da mortalidade.O ministro da economia sabe do que fala quando diz que serão tomadas medidas nunca tomadas antes de 1950. Ora em 1950 estavamos em pleno salazarismo. É para lá, como que viajando no tempo, que este governo quer conduzir a vida dos portugueses. E os portugueses que votaram em Passos Coelho e em Portas, o que fazem perante a aniquilação do seu modo de vida? Nada, simplesmente nada, como se tudo fosse um fatalismo, um fado. Alguns regressados de férias, e enquanto não são despedidos, vivem como se nada se passasse, como se nada fosse com eles, habituados a informar que nada é ali - é no outro guichet, na outra repartição, na outra loja, num outro país, talvez mesmo num outro planeta.

quarta-feira, agosto 31, 2011

JOÃO URBANO





Introduziu, no regresso a Lisboa, uma cassete no rádio-gravador a ver se punha no ar um som de jeito. A cassete nem ia para a frente nem para trás. Parou numa estação de serviço para reabastecer. Aquele era um lugar de passagem, um não-lugar quase desolado, apesar do brilho dos néones. Quando se fez de novo à estrada o gravador pôs-se a funcionar sem porquê e derramou tons crus de guitarra, um baixo rápido a saturar, uma batida quase desconexa e uma fina cobertura de vozes andróginas e vaporosas. Pouco depois percutia um dos temas de Closer dos Joy Division. A precipitação das batidas, um tamborilar em pequenas quedas de água, a guitarra plangente de caos e This is the way, step inside a sair das goelas ternas de Ian Curtis, tudo num estrugido demorado, em câmara lenta, o que o transportou para um estado raro de turbulência. Porra, vivia no melhor dos mundos.

João Urbano, Romance Sujo, UR, 2010, pp. 103-104

quarta-feira, agosto 10, 2011

A POLÍTICA FAZ-SE NA RUA

















Aquando das manifestações no Norte de África (Praça Tharir e outras) o Ocidente aplaudiu. Mas agora a revolta chegou a Londres e outras cidades inglesas e o PM inglês, como vários dos comentadores que apoiaram as revoltas àrabes não gostam desta revolta de "vandalos". Pode ser até que alguns sejam vandalos, mas ao ponto em que as democracias ocidentais chegaram, dominadas pela pulhice financeira, estes "Punks" (punk is not dead, pode-se dizer por estes dias) manifestam o seu nojo pelo estado em que as democracias definham. Fazer política também é isto. Ameaçar com a prisão estes "vandalos", utilizando mecanismos de vigilância dignos de um Big Brother (o de Orwell), como Cameron fez é uma atitude muito próxima de um ditador encurralado.

terça-feira, julho 12, 2011

TERRORISMO FINANCEIRO



Para os criminosos da Moody’s e restantes agências de rating, o mundo em breve será uma lixeira. Talvez os ecologistas, por motivos bastante diferentes, concordem. Mas ou os Estados reagem perante o terrorismo financeiro das agências de rating, como reagiram perante o terrorismo da Al Qaida, ou estas agências vão aniquilar país por país. A Grécia, onde se fundou a civilização em que vivemos está a ser o primeiro país a ser aniquilado; segue-se Portugal, a Irlanda, a Itália, e por ai fora. O que o terrorismo Islâmico não tem conseguido fazem-no as agências de rating e os mercados.

sábado, junho 18, 2011

ASSALTO AO PODER





Quando Pedro Passos Coelho sucedeu, no início de 2010, a Manuela Ferreira Leite na liderança do PSD, e Portugal estava ainda longe de pedir ajuda externa mas já na mira das agências de rating e dos seus interesses ocultos, o actual primeiro-ministro indigitado colocou-se à disposição de colaborar com o governo de Sócrates. Durou pouco tempo o par de tango. Passos abandonou a postura de estado que a situação exigia e iniciou a ascensão para ocupar o cargo dos seus sonhos, ser primeiro-ministro. Em Novembro, aquando da aprovação do Orçamento de Estado, o país ficou pendente da decisão do líder do PSD. Passos mostrava a sua força, encurralando Sócrates e dando sinais para o exterior de uma previsível crise política. Os juros da divida pública subiam à medida que as agências de rating iam desvalorizando Portugal. Já este ano, em Fevereiro, o BE apresentou uma moção de censura que o PSD não votou. Mas Passos não perdeu por esperar: aproveitando a aprovação do PEC IV retirou legitimidade política a Sócrates, levando-o à demissão. Enquanto na imprensa estrangeira escrevia que o PEC IV era insuficiente, internamente criticava as duras medidas do Plano de Estabilidade. A inviabilização do PEC IV levou a uma subida insustentável dos juros da divida externa e ao consequente pedido de ajuda externa pelo governo de gestão.
Para ser primeiro-ministro Passos Coelho apenas tinha que se manter na liderança do PSD e criar uma situação que levasse a eleições antecipadas. Ao projecto pessoal de Passos juntaram-se uma série de interesses económicos e financeiros que a participam de Belmiro de Azevedo num dos últimos comícios do PSD resume. Passos Coelho chegou ao poder e para isso atirou com o país ao tapete. É num jogo bastante perigoso que a direita ultraliberal e os grandes interesses económicos estão a lançar Portugal: o da bancarrota. Mas é também perante a perspectiva da bancarrota, perante esta ameaça, que a direita se prepara para transformar Portugal, fazendo regredir as políticas sociais ao nível do Estado Novo. Este governo, cujos ministros foram agora anunciados, é o exterminador do estado social. Veja-se o caso do ministro da saúde: Paulo Macedo é um eficaz quadro do BCP (tão eficaz que era um dos nomes apontado para a pasta principal do governo, as finanças) onde administrava a principal seguradora médica portuguesa, a Médis. Ora esta nomeação de um administrador de uma seguradora no ramo da saúde para ministro da saúde deveria levantar logo um problema ético. Mais: deveria existir legislação para impedir esta promiscuidade entre pessoas que representam interesses privados e depois passam, como governantes, a ter capacidades de decisão política na área de interesse que representavam. Mas a missão de Paulo Macedo é acabar com SNS, assim como a de Pedro Mota Soares (ministro da solidariedade e segurança social, CDS) é acabar com o rendimento social de inserção, e a missão de Álvaro Santos Pereira (economia e emprego) é facilitar ao máximo os despedimentos (algo aliás exigido pela troika).
Pedro Passos Coelho conseguiu realizar o seu sonho de criança. Ao Financial Times não hesitou em dizer que os próximos anos serão terríveis. Em breve os portugueses que votaram PSD vão arrepender-se de o terem feito e vão sussurrar de novo a ladainha dos políticos “que o que querem é tacho”. Sussurrar ou gritar, faz toda a diferença. Porque a partir de agora a política vai estar na rua, nos espaços públicos. Contra a ditadura da troika, contra um governo que pretende ir além das medidas dessa ditadura.

(A imagem foi retirada de
http://antonio-mp.blogspot.com/2010_05_01_archive.html)