sábado, outubro 13, 2012

CONDE DE MONSARAZ

OS BOIS

Na doce paz da tarde que declina
após a faina sob um sol ardente,
vão os bois reconhendo lentamente
pelas vias desertas da campina.

Atravessam depois a cristalina
ribeira e ao flébil som de água corrente
bebem sedentos, demoradamente,
numa sensual beleza que os domina.

Mas quando, fartos d' água, erguendo as frontes,
os beiços escorrendo, olham os montes
e ouvem cantar ao alto os rouxinois,

eu fico-me a cismar, calado e triste,
que um mundo de impressões, que uma alma existe
nos olhos enigmáticos dos bois!

Conde de Monsaraz (António de Macedo Papança) (1852-1913), Poemas Portugueses, p. 886. O poema foi originalmente publicado no livro Musa Alentejana (1908).


sexta-feira, outubro 05, 2012

A REPÚBLICA TEVE VERGONHA

Aos seus 102 anos a República portuguesa teve vergonha dos que a representam. E os que a representam, cobardemente, fugiram do povo. O garoto do Coelho para o estrangeiro, a restante malta escondeu-se no Pátio da Galé - nome simbólico -, como simbólico foi esse hastear da bandeira ao contrário.  Tudo demasiado vergonhoso e humilhante. Os portugueses são hoje representados por uma escumalha que perdeu toda legitimidade democrática (Cavaco & Coelho). Soares mostrou dignidade ao não comparecer nesta farsa. Mas as duas heroínas deste último (?) 5 de Outubro como feriado, foram duas mulheres anónimas que mostraram o desespero e a revolta dos portugueses contra este governo e este presidente. A República pede uma outra República, mas não há ninguém credível que se chegue à frente.   

terça-feira, outubro 02, 2012

AS SOMBRAS DA MISÉRIA


Aquele senhor mais famoso que uma marca de iogurte, que viveu em Viena e tinha um divã em casa, e de cujo nome não me quero lembrar, disse um dia que a sexualidade feminina era um continente negro. A sexualidade feminina ou a mulher, não tenho a certeza – mas para outro senhor daquele tempo e local, Otto Weininger, não faria diferença. Tendo isto que vir a propósito de alguma coisa, pode vir a propósito desse livro erótico “para donas de casa” que empesta os topes das livrarias (como se os topes das livrarias e mesmo as livrarias não fossem uma peste actual), e cujo título é As Cinquenta Sombras de Grey. Uma formula editorial para ganhar milhões que pode ter consequências para as/os leitoras/es. Confesso: não li, não comprei e estou teso para esse tipo de livros. E para muitos outros.
E regresso, de novo ao tal senhor que explicava mais que um bifidus activo. Perguntava ele: o que quer uma mulher? E eu pergunto, o que quer uma mulher? Não sei. E acho que o tal senhor de Viena também não sabia. E mesmo uma mulher não sabe o que quer uma mulher. Como um homem não sabe o que quer um homem.
Mas os editores de As Cinquenta Sombras de Grey sabem o que quer uma mulher. Digo editores e não autora, uma tal E L James, porque o sucesso do livro depende de operações de marketing a nível internacional, e a autora pouco conta. Ou seja, este como muitos outros livros que pululam pelos topes de vendas são impingidos aos leitores – quer através do destaque nas livrarias reais e virtuais, quer da exploração mediática do tema, escolhido a dedo (como se costuma dizer): sexo. É o tema do livro, melhor, dos livros, pois trata-se de uma trilogia que faz com que todos ganhem três vezes mais. Autora, editores, livreiros, mas também revistas que “puxam” o livro para a capa – todos ganham. O sexo vende bem e o mercado livreiro andava esquecido disso.
 
E volto à questão do vienense, o que quer uma mulher? Uma mulher quer As Cinquenta Sombras de Grey, uns sapatos novos, uma carteira nova, uma cozinha nova, etc. Resumindo, uma mulher ou um homem querem aquilo que outros fabricam para eles desejarem, para eles consumirem, para eles se consumirem.
 
Escrevi no presente, não vou apagar, mesmo porque ainda é verdade em grande parte dos países ocidentais para a maioria da população. Mas o que escrevi já não se aplica à Grécia ou a Portugal. Nos países onde vigora a austeridade criminosa da troika e dos seus governos, o que quer um homem ou uma mulher é simplesmente algo para comer, um medicamento de que necessita, um emprego. Para algumas pessoas, de repente tudo mudou. A sociedade do consumo acabou. Vivem agora na miséria neo-neorealista das cidades.
 
(foto de Paulo Nozolino)

sábado, setembro 15, 2012

A DEMOCRACIA SAIU À RUA


E de repente um povo acorda. Hoje centenas de milhares de pessoas saíram à rua para se manifestarem contra a trioka, contra o governo e as suas políticas ditatoriais de austeridade, de roubo aos portugueses. Contra esse roubo, contra um governo eleito por engano que suspende a democracia em nome dos interesses do capital. Um governo (Coelho/Gaspar) que rouba aos que quase nada têm para dar aos grandes grupos económicos – que rejeitaram a esmola, como Belmiro de Azevedo. Hoje, pacificamente (um caso de desespero levou um homem a tentar imolar-se em Aveiro), com uma extraordinária imaginação e raiva (veja-se as fotos acima) por cerca de 40 cidades, centenas de milhares de pessoas manifestaram-se (alguns pela primeira vez). Terá sido a maior manifestação depois do 1º de Maio de 1974. Um momento histórico. As consequências que este governo de traição nacional (sitiado à direita e à esquerda) poderá tirar dependem do grau de autismo e imbecilidade do mesmo – que é bastante grande.

quarta-feira, setembro 12, 2012

MANIF 15 SET

Contra a troika, e principalmente contra as últimas medidas do governo, no próximo sábado por todo o país serão organizadas manifestações. Será que desta vez os portugueses acordam e percebem o que lhes estão a fazer? Parece que sim.
Aqui ficam alguns links onde pode obter mais informação:
Páginas do Facebook: http://www.facebook.com/events/402643499798144/
http://www.facebook.com/events/402643499798144/#!/pages/Que-se-Lixe-a-Troika-Queremos-as-nossas-Vidas/177929608998626
O blogue da manifestação com a informação mais completa: http://www.queselixeatroika15setembro.blogspot.pt/

sábado, agosto 25, 2012

DESVERGONHA


Há primeira vista o fecho da RTP 2 e a concessão dos restantes canais da RTP era, no mínimo, algo inédito no audiovisual europeu. Mas lendo o Expresso de hoje percebo o maior alcance da medida – criminosa – anunciada por António Borges. Criminosa porque se trata de um puro roubo aos contribuintes para entregar esse dinheiro a privados, destruindo o serviço público de televisão. A desvergonha que se instalou neste governo de aniquilação nacional não tem limites. Cito Ricardo Costa no Expresso desmontando a engenharia financeira provinda do gabinete do “dr. Relvas”: “com quase 150 milhões de euros da taxa audiovisual [paga na factura da electricidade] e cerca de 50 milhões de euros de publicidade, os investidores (…) sem mexer uma palha ganham 20 milhões de euros ao ano”.

sábado, julho 28, 2012

ALBERT LONDRES - COM OS LOUCOS


Nessa manhã, eu vagueava na companhia de um médico estagiário pelas instalações de um asilo.
- Os loucos - dizia-me ele não são o que se julga. O público vê-os de uma forma errada... Nem sempre são forças à solta. Olhe para os que estão reunidos naquela sala.
Eram uma dezena. Falavam ligeiramente mais alto do que é habitual, coisa que acontece aos de maior juízo.
- Pode lá entrar - disse o médico.
Entro. Caras espantadas voltam-se para o lado onde estou. No meio do grupo reconheço o médico-chefe.
O estagiário agarra-me pelo braço.
- O que se passa?
- Erro meu! - diz a morder o lábio. - Não são loucos, são alienistas. É uma reunião da Liga de Higiene Mental!
A diferença era mínima.

Albert Londres, Com os Loucos, trad. e apresentação de Aníbal Fernandes, Sistema Solar, Lisboa, 2012, p. 164.