segunda-feira, abril 29, 2013

ANTÓNIO BARAHONA

OS PASSOS DO COELHO

Ontem, 15 de Setembro de 2012,
efectou-se uma manifestação pacífica
do povo português, que, bem domesticado,
não partiu montras, nem agrediu a bófia,
talvez porque a fome ainda não é muita.

Mas houve uma excepção:
um jovem de vinte e um anos
partiu, aos cacos, a realidade em foco
e agrediu a própria vida
imolando-se pelo fogo.

*
Na margem de um rio
escruto a água e a linguagem
dos pássaros;
e vejo pairar na aragem
os meus próprios pensamentos.

António Barahona,As Grandes Ondas, Averno, Lisboa, 2013, pp. 61 e 119.


quinta-feira, abril 11, 2013

Madalena de Castro Campos

Vocação poética

Faltava-lhe tudo.
O tempo, a forma, o tom,
a voz, o ritmo, o dom.
Sobrava-lhe a fome.

A princípio, talvez tivesse
sentimentos, mas não tinha linguagem.
Depois, talvez tivesse linguagem,
mas não tinha experiência.
Por fim, teria experiência
mas já não tinha nada para dizer.
Sabia ser inútil.

*
O critério

Ele elogiou-lhe a profundidade da escrita.
Não respondeu. Primeiro,
não se vendia por uns elogios. Segundo,
não sabia de que profundidade falava.
Se da da sua cona, se da sua própria penetração.
Quanto a esta,
ela mantinha as dúvidas.

Mafalda de Castro Campos, O Fardo do Homem Branco, Companhia das Ilhas, 2013, pp. 40 e 41.
O Fardo do Homem Branco é o primeiro livro de poemas de Mafalda de Castro Campos, que tem vindo regularmente a publicar a sua poesia no blogue les cahiers de la mariée. Poesia marcada por uma tonalidade feminista, irónica, assumindo o vernáculo de uma sexualidade dita no feminino e por vezes próxima do abjecto.

segunda-feira, abril 08, 2013

Margaret Thatcher (1925-2013)



Foi com esta "dama de ferro", e com um actor americano de segunda, que a situação de indigência e perigo para a democracia que vivemos actualmente em Portugal e na Europa começou. Foi ainda uma terrorista de Estado, não só ao deixar que Bobby Sands e outros membros do IRA morressem em greves de fome, mas sobretudo ao ordenar aos serviços secretos execuções de militantes do IRA. Além disso declarou uma ridícula guerra à Argentina pela posse de uma ilhota - algo que nenhum estado civilizado fazia desde o século XIX. Gostava de ditadores como Augusto Pinochet, mas para além do pai o seu grande amor, político, foi Reagan. Em 1970 iniciou funções governativas como ministra da educação – ficou célebre por uma medida: acabou com a distribuição de leite gratuito nas escolas, o que lhe valeu, na altura, a alcunha de “ladra de leite”. Foi, pelos "a preto e branco" anos 80 um alvo para a criatividade da época, especialmente a musical: Pink Floyd, Elvis Costello ou Morrissey, o movimento punk e mesmo indirectamente os Joy Division. Hoje, com os filhos de Thatcher no poder, perdemos as cambiantes de criatividade e resposta desse "a preto e branco". Uma vida lamentável a espezinhar os mais fracos.
(Na foto capa do disco de Elvis Costello)

sábado, março 30, 2013

ALBERTO PIMENTA

ao que parece
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta

segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem

os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não

ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem

outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem

por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer

Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca

domingo, março 17, 2013

ZAPING PELA IMBECILIDADE



Vivemos tempos sem qualidades, tempos em que quem detém algum poder, seja no for, é um imbecil. A começar, somos governados por imbecis do calibre de um Vítor Gaspar. Este imbecil junta-se a outros imbecis no eurogrupo, e produz uma decisão que nenhum grupo de mongolóides produziria: um imposto sobre contas bancárias no Chipre como medida de penalização e resgate. Quem manda na Europa? Frau Merkel, uma mulher vulgar, que lembra uma dessas donas de casa estupidificadas pela televisão, castradas pelo tempo no after menopausa, engordando e tomando para si a administração do orçamento conjugal. Assim é Merkel que toma por verdadeira a metáfora de que a Europa é uma casa comum e delira uma vida com um harém de homens com quem vive em conjugalidade económica. O gozo mentecapto de frau Merkel passa pela imposição da máxima austeridade aos cônjuges da “casa comum”. 
Esta imbecilidade que nos governa vem de uma outra imbecilidade que se criou nas últimas décadas – a da sociedade do espectáculo. Ora, nunca como hoje a sociedade do espectáculo, que tem o seu ponto mais alto na omnipresente televisão, foi tão estúpida e imbecilizante. Que um jornal tablóide, especialista na notícia de choque, sensacionalista, como o Correio da Manhã, lance um canal televisivo que pretende adaptar o formato do jornal à televisão, é uma má notícia. Mas pior é perceber que mais cedo ou mais tarde o pouco de imprensa de referência que ainda resta vai fechar. Como será um mundo sem jornais? 
Talvez seja nostalgia. Porque os actuais jornais já nada mais fazem do que se comportarem como cães dóceis. E no meio disto tudo, deste paraíso de imbecilidade e mesquinhez, é sempre a televisão que ganha – o espectáculo e a emoção na “força da imagem”, na tagarelice e na asneira. E aqui entram os comentadores: eles estão por todo o lado, desde os programas da manhã às últimas notícias pela meia-noite. São gente iluminada que tem o dom de saber interpretar as notícias. Mais: eles são capazes de prever o futuro. Numa usurpação de funções ao professor Bambo, o professor Marcelo já anunciou que o Benfica vai ser campeão. Entretanto espera-se na Faculdade de Direito pelo professor Bambo. A astróloga Maya enveredou por outro caminho: recauchutou as mamas e ei-la a apresentar programas de entretenimento para manter os zombies zombies na tal CMTV. Um programa de comentadores/comendadores a não menosprezar pela sua atracção para a asneira é o Governo Sombra. Vindo da TSF, tem agora honras televisivas na TVI 24. A boçalidade está lá representada pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, pelo jornalista João Miguel Tavares (nada como ser processado por Sócrates), pelo crítico literário e poeta (entre outras coisas) Pedro Mexia e por Carlos Vaz Marques, o maior especialista português em interrogar intelectuais depois de um inspector da PIDE de cujo nome não me lembro.

sábado, março 16, 2013

PAULO VARELA GOMES

Era uma vez uma soalheira manhã de quinta-feira. Na Praça Afonso de Alburquerque chilreavam os passarinhos e chilreava também uma fila de turistas japoneses prontos a entrar no Museu dos Coches.
Em frente do Palácio de Belém, onde o presidente reunia com o primeiro-ministro, como era habitual, dois guardas nacionais republicanos executavam com absoluta exactidão aquilo que, com igual desvelo, executavam todos os dias: andavam de um lado para o outro a fingir que eram militares a sério e não soldadinhos de chumbo.
A certa altura, como acontece em todas as histórias e todos os filmes, este panorama bucólico e turístico sofria uma interrupção brutal: uma carrinha Citroen Berlingo, o melhor carro do mundo, com indicações abundantes e muito legiveis de pertencer à Câmara Municipal de Lisboa, detinha-se no jardim que ocupa o centro da Praça e dela saíam quatro homens, vestidos com fatos-macaco, usando capacetes e panos a disfarçar-lhes os rostos, que encostavam uma escada de metal a um dos candeeiros de iluminação pública situados a cerca de cem metros do Palácio. A seguir, decorria tudo muito depressa. Os homens voltavam de novo à carrinha e saíam de novo, um deles com um RPG-7 armado de foguete e granada, outro com mais foguetes (diz-se em inglês, rocket) e mais granadas. Subiam ambos a escada, o primeiro à frente. Fazia pontaria e disparava. O foguete acertava em cheio na janela da sala do Palácio onde o PR reunia com o PM, e a explosão da granada matava-os aos dois instantaneamente, e a um assessor. Ainda eram disparadas mais duas granadas por segurança, que faziam mais doze baixas, entre mortos e feridos. Toda a frente do Palácio ficava destruída, o que não tinha mal nenhum porque o edifício era uma porcaria sem graça. Os homens desciam a escada e a carrinha fazia-se ao largo. Nessa tarde era mandado às redacções de jornais e televisões um comunicado assinado Forças Armadas de Libertação de Portugal (FALP), que reivindicava o atentado e acabava com as seguintes palavras: «Viva Portugal, morte aos traidores!»

Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012, Tinta da China, 2013, pp. 136-138

sábado, março 02, 2013

O POVO É QUEM MAIS ORDENA



Ontem mais de um milhão de pessoas saiu à rua para se manifestar contra o governo e a troika ocupante. O lema é bem claro, retirado de um verso de “Grândola”: “O povo É quem mais ordena”. Porque este povo que saiu à rua, e muitos outros que não saíram, já não suportam mais as políticas de destruição do país, de destruição de vidas que este governo está a levar a cabo. Por isso basta. Este governo já há muito que perdeu a legitimidade política para governar – porque se tornou um governo que está a aplicar medidas que não foram plebiscitadas, este governo é inconstitucional. Mais: na sua arrogância é um governo ditatorial numa aparente democracia. Por isso o povo tomou a rua, a praça, e cantou, emocionado, de novo, Grândola, vila morena, a senha da revolução de Abril de 74. O governo, os comentadores políticos das televisões podem fazer orelhas moucas a esse profundo grito, mas ele regressará até ao governo cair. Uma outra constatação do que se passou ontem e se tem passado nos últimos tempos: as pessoas estão fartas dos partidos, de serem enganadas como totós. Portanto, os dirigentes partidários e todos aqueles que se empoleiram nos partidos, alguns já bastante preocupados com as eleições autárquicas, deviam pensar no que se passou hoje, nesta força já quase desesperada que já não confia nos partidos, nos seus discursos idiotas ou nas suas ligações corruptas. Olhe-se para as últimas eleições em Itália, e a conclusão será a mesma.
(Fotos retiradas do site do El Pais)

domingo, fevereiro 17, 2013

NUNO JÚDICE DENÚNCIA

"Agora era como se a História voltasse para trás. Nos países ocupados, os nazis tinham descoberto a solução para se verem livres dos judeus: metê-los em guetos. E para os enganar, faziam-nos eleger chefes que, muitas vezes, porque pensavam que assim protegiam o grupo, cumpriam as ordens do Reich: reduzir rações, confiscar os bens, deixar morrer os velhos, os doentes, as crianças. Era nisto que a nova Europa se estava a tornar: os guetos eram os países sob confisco, e em cada um deles tinham arranjado governos dóceis que cumpriam as ordens que vinham do centro de decisão" (p. 18)

"Os tempos são outros. A ditadura hoje é muito mais maquiavélica porque não se apresenta como tal. Vivemos todos convencidos de que somos livres, e todos os dias nos impõem mais uma coisa contra nós, que não sabemos como rejeitar. Não é contra ti nem contra o teu vizinho: é contra todos, e todos são objecto de um roubo que vem de fora, mas que é executado como se fosse uma coisa natural, executada com argumentos que até parecem lógicos, e que deixam um sabor amargo na vida que não sabes de onde vem." (p. 33)

"E cada vez haverá mais pobres, até serem uma multidão, sentados nas praças, debaixo dos tectos de paragens de autocarros, e as suas vozes continuarão inaudíveis. É o dinheiro que dá voz aos homens, por isso, se lhes tirarem o dinheiro, ficarão sem voz" (pp. 33/34)

Excertos da novela de Nuno Júdice, A Implosão (ed. D. Quixote), retirados do artigo São José Almeida sobre a mesma, publicado no Público, suplemento ípsilon de 15-02-13, pp. 20-22, sob o título "Contra o fim dos intectuais em Portugal".
Fotomontagem retirada do blogue wehavekaosinthegarden.blogspot.com  


terça-feira, fevereiro 12, 2013

O NOVO PAPA


Um novo Papa vai mudar a Igreja católica e a sociedade. Vai reconhecer o direito às mulheres abortarem; vai reconhecer o direito aos gays casarem, mesmo pela Igreja, e a adoptarem filhos; vai permitir a ordenação de mulheres (incluindo a Joana Amaral Dias e a Marisa Cruz, embora com reservas para a Manuela Ferreira Leite, sendo a Belle Dominique um caso de estudo para teólogos); vai fazer campanha pelo preservativo; vai defender a pílula do dia seguinte e a do dia anterior; vai defender a eutanásia (principalmente para o Passos Coelho, o Vítor Gaspar e o Miguel Relvas); vai defender o sexo livre, as orgias e o poliamor. Enfim, o novo Papa vai ser um Papa porreiro, pá.
(na foto Joana Amaral Dias numa produção para a revista Caras)