OS PASSOS DO COELHO
Ontem, 15 de Setembro de 2012,
efectou-se uma manifestação pacífica
do povo português, que, bem domesticado,
não partiu montras, nem agrediu a bófia,
talvez porque a fome ainda não é muita.
Mas houve uma excepção:
um jovem de vinte e um anos
partiu, aos cacos, a realidade em foco
e agrediu a própria vida
imolando-se pelo fogo.
*
Na margem de um rio
escruto a água e a linguagem
dos pássaros;
e vejo pairar na aragem
os meus próprios pensamentos.
António Barahona,As Grandes Ondas, Averno, Lisboa, 2013, pp. 61 e 119.
segunda-feira, abril 29, 2013
quinta-feira, abril 25, 2013
quinta-feira, abril 11, 2013
Madalena de Castro Campos
Vocação poética
Faltava-lhe tudo.
O tempo, a forma, o tom,
a voz, o ritmo, o dom.
Sobrava-lhe a fome.
A princípio, talvez tivesse
sentimentos, mas não tinha linguagem.
Depois, talvez tivesse linguagem,
mas não tinha experiência.
Por fim, teria experiência
mas já não tinha nada para dizer.
Sabia ser inútil.
*
O critério
Ele elogiou-lhe a profundidade da escrita.
Não respondeu. Primeiro,
não se vendia por uns elogios. Segundo,
não sabia de que profundidade falava.
Se da da sua cona, se da sua própria penetração.
Quanto a esta,
ela mantinha as dúvidas.
Mafalda de Castro Campos, O Fardo do Homem Branco, Companhia das Ilhas, 2013, pp. 40 e 41.
Faltava-lhe tudo.
O tempo, a forma, o tom,
a voz, o ritmo, o dom.
Sobrava-lhe a fome.
A princípio, talvez tivesse
sentimentos, mas não tinha linguagem.
Depois, talvez tivesse linguagem,
mas não tinha experiência.
Por fim, teria experiência
mas já não tinha nada para dizer.
Sabia ser inútil.
*
O critério
Ele elogiou-lhe a profundidade da escrita.
Não respondeu. Primeiro,
não se vendia por uns elogios. Segundo,
não sabia de que profundidade falava.
Se da da sua cona, se da sua própria penetração.
Quanto a esta,
ela mantinha as dúvidas.
Mafalda de Castro Campos, O Fardo do Homem Branco, Companhia das Ilhas, 2013, pp. 40 e 41.
O Fardo do Homem Branco é o primeiro livro de poemas de Mafalda de Castro Campos, que tem vindo regularmente a publicar a sua poesia no blogue les cahiers de la mariée. Poesia marcada por uma tonalidade feminista, irónica, assumindo o vernáculo de uma sexualidade dita no feminino e por vezes próxima do abjecto.
segunda-feira, abril 08, 2013
Margaret Thatcher (1925-2013)
Foi com esta
"dama de ferro", e com um actor americano de segunda, que a situação
de indigência e perigo para a democracia que vivemos actualmente em Portugal e
na Europa começou. Foi ainda uma terrorista de Estado, não só ao deixar que
Bobby Sands e outros membros do IRA morressem em greves de fome, mas sobretudo
ao ordenar aos serviços secretos execuções de militantes do IRA. Além disso
declarou uma ridícula guerra à Argentina pela posse de uma ilhota - algo que
nenhum estado civilizado fazia desde o século XIX. Gostava de ditadores como
Augusto Pinochet, mas para além do pai o seu grande amor, político, foi Reagan. Em 1970
iniciou funções governativas como ministra da educação – ficou célebre por uma
medida: acabou com a distribuição de leite gratuito nas escolas, o que lhe
valeu, na altura, a alcunha de “ladra de leite”. Foi, pelos "a preto e
branco" anos 80 um alvo para a criatividade da época, especialmente a
musical: Pink Floyd, Elvis Costello ou Morrissey, o movimento punk e mesmo
indirectamente os Joy Division. Hoje, com os filhos de Thatcher no poder,
perdemos as cambiantes de criatividade e resposta desse "a preto e
branco". Uma vida lamentável a espezinhar os mais fracos.
(Na foto capa do disco de Elvis Costello)
(Na foto capa do disco de Elvis Costello)
sábado, março 30, 2013
ALBERTO PIMENTA
ao que parece
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta
segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem
os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não
ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem
outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem
por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer
Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta
segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem
os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não
ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem
outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem
por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer
Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca
domingo, março 17, 2013
ZAPING PELA IMBECILIDADE
Vivemos
tempos sem qualidades, tempos em que quem detém algum poder, seja no for, é um
imbecil. A começar, somos governados por imbecis do calibre de um Vítor Gaspar.
Este imbecil junta-se a outros imbecis no eurogrupo, e produz uma decisão que
nenhum grupo de mongolóides produziria: um imposto sobre contas bancárias no
Chipre como medida de penalização e resgate. Quem manda na Europa? Frau Merkel,
uma mulher vulgar, que lembra uma dessas donas de casa estupidificadas pela
televisão, castradas pelo tempo no after menopausa, engordando e tomando para
si a administração do orçamento conjugal. Assim é Merkel que toma por
verdadeira a metáfora de que a Europa é uma casa comum e delira uma vida com um
harém de homens com quem vive em conjugalidade económica. O gozo mentecapto de
frau Merkel passa pela imposição da máxima austeridade aos cônjuges da “casa
comum”.
Esta imbecilidade que nos governa vem de uma outra imbecilidade que se
criou nas últimas décadas – a da sociedade do espectáculo. Ora, nunca como hoje
a sociedade do espectáculo, que tem o seu ponto mais alto na omnipresente
televisão, foi tão estúpida e imbecilizante. Que um jornal tablóide,
especialista na notícia de choque, sensacionalista, como o Correio da Manhã,
lance um canal televisivo que pretende adaptar o formato do jornal à televisão,
é uma má notícia. Mas pior é perceber que mais cedo ou mais tarde o pouco
de imprensa de referência que ainda resta vai fechar. Como será um mundo sem
jornais?
Talvez seja nostalgia. Porque os actuais jornais já nada mais fazem do
que se comportarem como cães dóceis. E no meio disto tudo, deste paraíso de
imbecilidade e mesquinhez, é sempre a televisão que ganha – o espectáculo e a
emoção na “força da imagem”, na tagarelice e na asneira. E aqui entram os
comentadores: eles estão por todo o lado, desde os programas da manhã às
últimas notícias pela meia-noite. São gente iluminada que tem o dom de saber
interpretar as notícias. Mais: eles são capazes de prever o futuro. Numa
usurpação de funções ao professor Bambo, o professor Marcelo já anunciou que o
Benfica vai ser campeão. Entretanto espera-se na Faculdade de Direito pelo
professor Bambo. A astróloga Maya enveredou por outro caminho: recauchutou as
mamas e ei-la a apresentar programas de entretenimento para manter os zombies
zombies na tal CMTV. Um programa de comentadores/comendadores a não menosprezar
pela sua atracção para a asneira é o Governo Sombra. Vindo da TSF, tem agora
honras televisivas na TVI 24. A boçalidade está lá representada pelo humorista
Ricardo Araújo Pereira, pelo jornalista João Miguel Tavares (nada como ser
processado por Sócrates), pelo crítico literário e poeta (entre outras coisas)
Pedro Mexia e por Carlos Vaz Marques, o maior especialista português em
interrogar intelectuais depois de um inspector da PIDE de cujo nome não me
lembro.
sábado, março 16, 2013
PAULO VARELA GOMES
Era uma vez uma soalheira manhã de quinta-feira. Na Praça Afonso de Alburquerque chilreavam os passarinhos e chilreava também uma fila de turistas japoneses prontos a entrar no Museu dos Coches.
Em frente do Palácio de Belém, onde o presidente reunia com o primeiro-ministro, como era habitual, dois guardas nacionais republicanos executavam com absoluta exactidão aquilo que, com igual desvelo, executavam todos os dias: andavam de um lado para o outro a fingir que eram militares a sério e não soldadinhos de chumbo.
A certa altura, como acontece em todas as histórias e todos os filmes, este panorama bucólico e turístico sofria uma interrupção brutal: uma carrinha Citroen Berlingo, o melhor carro do mundo, com indicações abundantes e muito legiveis de pertencer à Câmara Municipal de Lisboa, detinha-se no jardim que ocupa o centro da Praça e dela saíam quatro homens, vestidos com fatos-macaco, usando capacetes e panos a disfarçar-lhes os rostos, que encostavam uma escada de metal a um dos candeeiros de iluminação pública situados a cerca de cem metros do Palácio. A seguir, decorria tudo muito depressa. Os homens voltavam de novo à carrinha e saíam de novo, um deles com um RPG-7 armado de foguete e granada, outro com mais foguetes (diz-se em inglês, rocket) e mais granadas. Subiam ambos a escada, o primeiro à frente. Fazia pontaria e disparava. O foguete acertava em cheio na janela da sala do Palácio onde o PR reunia com o PM, e a explosão da granada matava-os aos dois instantaneamente, e a um assessor. Ainda eram disparadas mais duas granadas por segurança, que faziam mais doze baixas, entre mortos e feridos. Toda a frente do Palácio ficava destruída, o que não tinha mal nenhum porque o edifício era uma porcaria sem graça. Os homens desciam a escada e a carrinha fazia-se ao largo. Nessa tarde era mandado às redacções de jornais e televisões um comunicado assinado Forças Armadas de Libertação de Portugal (FALP), que reivindicava o atentado e acabava com as seguintes palavras: «Viva Portugal, morte aos traidores!»
Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012, Tinta da China, 2013, pp. 136-138
sábado, março 02, 2013
O POVO É QUEM MAIS ORDENA
Ontem mais de um milhão de pessoas saiu à rua
para se manifestar contra o governo e a troika ocupante. O lema é bem claro, retirado de um verso de
“Grândola”: “O povo É quem mais ordena”. Porque este povo que saiu à rua,
e muitos outros que não saíram, já não suportam mais as políticas de destruição
do país, de destruição de vidas que este governo está a levar a cabo. Por isso
basta. Este governo já há muito que perdeu a legitimidade política para
governar – porque se tornou um governo que está a aplicar medidas que não foram
plebiscitadas, este governo é inconstitucional. Mais: na sua arrogância é um
governo ditatorial numa aparente democracia. Por isso o povo tomou a rua,
a praça, e cantou, emocionado, de novo, Grândola, vila morena, a senha da
revolução de Abril de 74. O governo, os comentadores políticos das televisões
podem fazer orelhas moucas a esse profundo grito, mas ele regressará até ao
governo cair. Uma outra constatação do que se passou ontem e se tem passado nos
últimos tempos: as pessoas estão fartas dos partidos, de serem enganadas como totós.
Portanto, os dirigentes partidários e todos aqueles que se empoleiram nos
partidos, alguns já bastante preocupados com as eleições autárquicas, deviam
pensar no que se passou hoje, nesta força já quase desesperada que já não
confia nos partidos, nos seus discursos idiotas ou nas suas ligações corruptas.
Olhe-se para as últimas eleições em Itália, e a conclusão será a mesma.
(Fotos retiradas do site do El Pais)domingo, fevereiro 17, 2013
NUNO JÚDICE DENÚNCIA
"Agora era como se a História voltasse para trás. Nos países ocupados, os nazis tinham descoberto a solução para se verem livres dos judeus: metê-los em guetos. E para os enganar, faziam-nos eleger chefes que, muitas vezes, porque pensavam que assim protegiam o grupo, cumpriam as ordens do Reich: reduzir rações, confiscar os bens, deixar morrer os velhos, os doentes, as crianças. Era nisto que a nova Europa se estava a tornar: os guetos eram os países sob confisco, e em cada um deles tinham arranjado governos dóceis que cumpriam as ordens que vinham do centro de decisão" (p. 18)
"Os tempos são outros. A ditadura hoje é muito mais maquiavélica porque não se apresenta como tal. Vivemos todos convencidos de que somos livres, e todos os dias nos impõem mais uma coisa contra nós, que não sabemos como rejeitar. Não é contra ti nem contra o teu vizinho: é contra todos, e todos são objecto de um roubo que vem de fora, mas que é executado como se fosse uma coisa natural, executada com argumentos que até parecem lógicos, e que deixam um sabor amargo na vida que não sabes de onde vem." (p. 33)
"E cada vez haverá mais pobres, até serem uma multidão, sentados nas praças, debaixo dos tectos de paragens de autocarros, e as suas vozes continuarão inaudíveis. É o dinheiro que dá voz aos homens, por isso, se lhes tirarem o dinheiro, ficarão sem voz" (pp. 33/34)
Excertos da novela de Nuno Júdice, A Implosão (ed. D. Quixote), retirados do artigo São José Almeida sobre a mesma, publicado no Público, suplemento ípsilon de 15-02-13, pp. 20-22, sob o título "Contra o fim dos intectuais em Portugal".
Fotomontagem retirada do blogue wehavekaosinthegarden.blogspot.com
terça-feira, fevereiro 12, 2013
O NOVO PAPA
Um novo Papa vai mudar a Igreja católica e a sociedade. Vai
reconhecer o direito às mulheres abortarem; vai reconhecer o direito aos gays
casarem, mesmo pela Igreja, e a adoptarem filhos; vai permitir a ordenação de
mulheres (incluindo a Joana Amaral Dias e a Marisa Cruz, embora com reservas
para a Manuela Ferreira Leite, sendo a Belle Dominique um caso de estudo para
teólogos); vai fazer campanha pelo preservativo; vai defender a pílula do dia
seguinte e a do dia anterior; vai defender a eutanásia (principalmente para o
Passos Coelho, o Vítor Gaspar e o Miguel Relvas); vai defender o sexo livre,
as orgias e o poliamor. Enfim, o novo Papa vai ser um Papa porreiro, pá.
(na foto Joana Amaral Dias numa produção para a revista Caras)
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