terça-feira, junho 25, 2013

ELES FAZEM LÁ O QUE NÓS NÃO FAZEMOS AQUI

Enquanto o Brasil "pega fogo" há 19 dias, nós por cá vamos dormindo e sonhando com o euromilhões.

terça-feira, junho 11, 2013

LUÍS FILIPE DE CASTRO MENDES

OS DERROTADOS DE ABRIL

Preferiam a guerra, os anos de cinza,
a morte devagar distribuida
e os muros pintados a cal.

E eles pensam: terá voltado a nossa hora?
Mas é tudo diferente.
O dinheiro nunca teve cor, mas agora
não tem mundo nem maneiras.

Seja como for, por caminhos ínvios
ou por mecanismos que não se entendem,
mas que filhos de gente conhecida explicam,
ainda que fiquemos sem o nosso dinheiro
o importante é que os pobres vão perder a grimpa
e o arrojo: o nosso tempo voltou.

(Publicado no J. L.- Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 1113, de 29 de Maio de 2013, p. 36 e datado de "Estrasburgo, 25 de abril de 2013")

quinta-feira, junho 06, 2013

EDUARDO PITTA

Está um rapaz a arder
em cima do muro,
as mãos apaziguadas.
Arde indiferente à neve que o encharca.

Outros foram capazes
de lhe sabotar o corpo,
archote glaciar.
Nunca ninguém apagou esse lume.

*
As coisas são como são.
Sempre haverá uma mão senhora de exemplar
desprendimento, atenta ao sufoco
e à desoloção da alma.

Assim foi, por socalcos de tabaco,
o enredodos caminhos, ardente magia.
Pouco importa saber
que toda a paisagem mente.

Eduardo Pitta, Desobediência - Poemas escolhidos, Dom Quixote, Lisboa, 2011, pp. 147 e 173.

quarta-feira, maio 29, 2013

NUNO GUIMARÃES

[ACERCA DA POESIA]

Há um tipo de poesia em que a intenção é adjacente à escrita, uma poesia de púlpito, destinada a uma audiência que, como dizer?, age por simpatia a certos «slogans». Creio que isso é uma forma muito fácil de dizer as coisas em nome da poesia. Não é que eu pense numa arte aristocrática e muito menos destinada a um público aristocrata. O público ideal está ainda, infelizmente, em condições económicas e culturais muito deficientes e não parece que delas possa sair tão cedo. Eu acho que a expressão da ideologia [...] terá que fazer-se dentro da materia verbal. A linguagem poética [...] não é sinal de algo exterior. É ela mesmo um objecto. É um signo que vale por si próprio. Um signo inquieto mas perfeitamente circular.
[...] Terá que haver sempre uma revolução, digamos, interna. O envelhecimento inevitável do modo de dizer situa já essa poesia. A persistência na repetição é o suicídio. É claro, todos nós corremos esse risco, não é? Todos nós envelhecemos, pelo menos fisicamente. A renovação é indispensável, é a resistência, é a negação da morte física.
[...] Penso que todo o poeta é responsável, através da sua escrita. E acho mesmo que a prática da vida e a prática da poesia são coisas indissociáveis...
[...] O quotidiano é, por assim dizer, esquecimento, uma dissolução das suas funções. Todo o esforço de escrita é, portanto, uma reacção: esquecer o esquecimento. É uma actividade traumatizante, então. Não sei se estou a ser claro. Não quero dizer que possa ser algo de insuportável, messiânico. É, simplesmente, um risco próprio do ofício, da natureza da matéria. Um risco, digamos, profissional...
[...] Acho que a poesia é irredutível, tem a propriedade da irredutibilidade. Quando acontece uma redução, passará a ser outra coisa, passará a ser talvez a substância redutora, mas já é outra coisa...
[...] Quanto a mim a única posição coerente e revolucionária tem de iniciar-se dentro da matéria, numa renovação interna, em que forma e fundo sejam um só. [...] A partir de certa altura acreditei na inutilidade, por si só, das intenções. A intencionalidade não tem por si só, sentido.
[...] A poesia é feita de tensões. Isso é fundamental. É intencional mas sempre tensional. E isso implica uma atenção constante à linguagem, uma investigação permanente. O que por si só, é claro, também não é condição suficiente...
[...] Eu penso que quase toda a poesia, para não dizer a totalidade, mesmo a mais positiva, estabelece uma ruptura com as coisas, é de crise, e é crítica. No entanto estou longe de pensar que isso seja sinónimo de decadência. Antes pelo contrário.

[Publicado no J. L. nº 111, 1984, a partir de selecção feita por José do Carmo Francisco]
Nuno Guimarães, Poesia Completas, Org. e prefácio de Fernando Guimarães, Porto, Afrontamento, 1995, pp. 113-114.
Nuno Guimarães nasceu Vila Nova de Gaia a 29 de Agosto de 1942. Faleceu em 1973. Publicou Corpo Agrário (1970) e Os Campos Visuais (1973). A sua poesia inscreve-se na lógica dos poetas que publicaram em Poesia 61

sexta-feira, maio 10, 2013

A ALEMANHA AO ESPELHO



Wagner, Richard Wagner, o compositor alemão nasceu há 200 anos. Portanto, e como é natural nestas coisas comemoram-se os 200 anos de Wagner. E para comemorar os 200 anos do nascimento de Wagner a Deutsche Oper levou à cena Tannhäuser, em Düsseldorf. Até aqui tudo muito bem e normal. O problema surgiu no dia da estreia – o público não gostou da encenação da ópera. Não só não gostou como ficou em choque e pavor, tendo alguns espectadores recebido assistência médica (algo inédito num evento cultural). E porquê esta reacção tão reactiva a uma obra de arte? Porque o encenador resolveu colocar em cena figuras nazis, com execuções e tudo, tal como durante o Holocausto. De tal forma foram os protestos que a ópera continua apenas com a parte sinfónica.
Tudo isto é revelador do que é a actual Alemanha e da sua relação com o passado nazi. Esse passado, não tão distante, foi recalcado pelos alemães, de tal forma que quando é evocado numa versão de uma ópera de um compositor anti-semita, provoca reacções psicossomáticas. Os alemães para viverem no seu conforto e na sua eficiência trabalhadora, têm que enterrar o passado que vai sendo enterrado como memória viva à medida que os mais velhos, os que levaram Hitler ao poder e ajudaram a construir o Holocausto, vão morrendo. Ao mesmo tempo a Alemanha regressa a uma posição de hegemonia na Europa. É quando se enterra o passado, quando se perde a noção de culpa e vergonha, que algo parecido com esse passado pode regressar. É claro que a Alemanha de Merkel não é a Alemanha de Hitler, são incomensuráveis as distâncias. Mas, setenta anos depois, a Alemanha de Merkel é a que mais próxima está da Alemanha de Hitler. Agora não são os judeus, mas os povos do sul, os PIIGS, os porcos. Também não se trata do extermínio em câmaras de gás, mas do asfixiar de economias como a portuguesa ou a grega com a ajuda de governos colaboracionistas como o de Passos Coelho. Esta Alemanha quando se vê ao espelho, sem maquilhagem, vê o horror e desmaia.

segunda-feira, abril 29, 2013

ANTÓNIO BARAHONA

OS PASSOS DO COELHO

Ontem, 15 de Setembro de 2012,
efectou-se uma manifestação pacífica
do povo português, que, bem domesticado,
não partiu montras, nem agrediu a bófia,
talvez porque a fome ainda não é muita.

Mas houve uma excepção:
um jovem de vinte e um anos
partiu, aos cacos, a realidade em foco
e agrediu a própria vida
imolando-se pelo fogo.

*
Na margem de um rio
escruto a água e a linguagem
dos pássaros;
e vejo pairar na aragem
os meus próprios pensamentos.

António Barahona,As Grandes Ondas, Averno, Lisboa, 2013, pp. 61 e 119.


quinta-feira, abril 11, 2013

Madalena de Castro Campos

Vocação poética

Faltava-lhe tudo.
O tempo, a forma, o tom,
a voz, o ritmo, o dom.
Sobrava-lhe a fome.

A princípio, talvez tivesse
sentimentos, mas não tinha linguagem.
Depois, talvez tivesse linguagem,
mas não tinha experiência.
Por fim, teria experiência
mas já não tinha nada para dizer.
Sabia ser inútil.

*
O critério

Ele elogiou-lhe a profundidade da escrita.
Não respondeu. Primeiro,
não se vendia por uns elogios. Segundo,
não sabia de que profundidade falava.
Se da da sua cona, se da sua própria penetração.
Quanto a esta,
ela mantinha as dúvidas.

Mafalda de Castro Campos, O Fardo do Homem Branco, Companhia das Ilhas, 2013, pp. 40 e 41.
O Fardo do Homem Branco é o primeiro livro de poemas de Mafalda de Castro Campos, que tem vindo regularmente a publicar a sua poesia no blogue les cahiers de la mariée. Poesia marcada por uma tonalidade feminista, irónica, assumindo o vernáculo de uma sexualidade dita no feminino e por vezes próxima do abjecto.

segunda-feira, abril 08, 2013

Margaret Thatcher (1925-2013)



Foi com esta "dama de ferro", e com um actor americano de segunda, que a situação de indigência e perigo para a democracia que vivemos actualmente em Portugal e na Europa começou. Foi ainda uma terrorista de Estado, não só ao deixar que Bobby Sands e outros membros do IRA morressem em greves de fome, mas sobretudo ao ordenar aos serviços secretos execuções de militantes do IRA. Além disso declarou uma ridícula guerra à Argentina pela posse de uma ilhota - algo que nenhum estado civilizado fazia desde o século XIX. Gostava de ditadores como Augusto Pinochet, mas para além do pai o seu grande amor, político, foi Reagan. Em 1970 iniciou funções governativas como ministra da educação – ficou célebre por uma medida: acabou com a distribuição de leite gratuito nas escolas, o que lhe valeu, na altura, a alcunha de “ladra de leite”. Foi, pelos "a preto e branco" anos 80 um alvo para a criatividade da época, especialmente a musical: Pink Floyd, Elvis Costello ou Morrissey, o movimento punk e mesmo indirectamente os Joy Division. Hoje, com os filhos de Thatcher no poder, perdemos as cambiantes de criatividade e resposta desse "a preto e branco". Uma vida lamentável a espezinhar os mais fracos.
(Na foto capa do disco de Elvis Costello)

sábado, março 30, 2013

ALBERTO PIMENTA

ao que parece
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta

segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem

os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não

ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem

outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem

por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer

Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca