quarta-feira, julho 03, 2013

O DESMORONAMENTO DE PPC

Quando eu andava no que hoje é o actual 5º ano, existia na minha turma um rapaz que queria ser Presidente da República. Esta resposta, dada na sala aula era, claro, motivo de chacota. Mas creio que um professor, mais alerta para os reveses da vida, não terá descartado de todo a possibilidade, embora se tratasse do pior aluno da turma. Não sei por onde anda esse meu antigo colega, mas deverá ter ficado pela agricultura. Mais ou menos por essa mesma altura, um jovem já envolvido na política partidária, ao ver o grupo As Doces decidiu que haveria de casar com uma delas – e consegui. Passou à realidade o que deveria ser uma fantasia de muitos homens na época. Creio que esse jovem, já nessa altura, sonhava ser primeiro-ministro e talvez também Presidente da República. Esse jovem, agora perto dos cinquenta, é desde há dois anos primeiro-ministro de Portugal. E conseguiu ser mais que primeiro-ministro. Pedro Passos Coelho ficará na História de Portugal como o pior primeiro-ministro de sempre (abre-se uma excepção para Salazar, naturalmente), como aquele que executou um programa de destruição do país, ordenado por interesses mais ou menos obscuros, representados pela troika e pela Alemanha. Mas na ganância do poder quis “ir além da troika”, empobrecer Portugal, estrangular a economia. E, com a preciosa ajuda de Vítor Gaspar, como exterminador implacável da economia portuguesa, e o silencioso apoio do “palhaço” Cavaco, conseguiu o seu objectivo.
Nos últimos dois dias tudo se desmoronou com a demissão de Gaspar e depois de Paulo Portas. Ontem, nas televisões, Coelho fazia lembrar um general de Saddan Hussein que quando as tropas americanas já estavam em Bagdade insistia em dizer que tudo permanecia na mesma. O “não me demito” de Coelho faz parte já de um negacionismo da realidade que raia o psicótico ou a tragicomédia de um filme muito muito mau. A apoiar tudo isto está a múmia presidencial. Perante esta situação, de nada vale invocar os mercados – esses “deuses”, para quem Coelho, Gaspar e Cavaco sacrificaram a vida dos portugueses durante dois anos, não são tão estúpidos como parecem, e muito menos misericordiosos. Implacáveis estão a vender tudo que é produto financeiro português. A manutenção deste governo (?) de nada serve; a batata quente está nas mãos do presidente.
É necessário dizer, redizer, que, desde o 25 de Abril, nunca um governo faz tão mal aos portugueses. E mesmo agora, na hora que está prestes a sair de cena insiste em complicar as coisas, em fazer mais mal. Nunca um governo teve um primeiro-ministro tão estúpido, tão incapaz; nunca um primeiro-ministro mentiu tanto, tão colossalmente, entre aquilo que prometeu em campanha eleitoral e o que fez depois.

É agora altura de regressar à política e mostrar que os mercados são deuses com pés de barro. Mas essa é a mais difícil das tarefas, para a qual não servem pessoas inseguras.

quarta-feira, junho 26, 2013

UM GESTO POR INVENTAR



Em entrevista publicada no jornal i da passada segunda-feira, Rui Tavares admite a criação de um novo partido de esquerda. A forma tímida e demorada dessa admissão, que o texto de capa do jornal ilustra (“Em entrevista ao i, o eurodeputado Rui Tavares quebra um tabu e assume que a esquerda ‘não deve ter vergonha’ de formar um novo partido, afirmando em voz alta ‘o que outros dizem nos corredores’”), mostra como se tem feito política em Portugal nos últimos dois anos, ou seja, durante a vigência deste governo de destruição nacional. Ou dito doutro modo, como a oposição, a esquerda, perante uma situação política anormal, de emergência, que na História portuguesa recente só encontra paralelo no PREC de 1974-75, quase nada tem feito. Que algumas das vozes contra a escandalosa política deste governo, que nos manda empobrecer, venham da direita, como é o caso de Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix é sintomático – enquanto algumas personalidades da esquerda, com responsabilidades partidárias ou governativas nas últimas décadas, se mantém em silêncio ou só há pouco tempo acordaram (por exemplo: António Guterres, Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio, Ramalho Eanes). Pode-se dizer que os políticos, ou ex-políticos, estão em consonância com o povo que engole o barrete da dívida, em parte ajudado por uma longa série de comentadores televisivos, de Marcelo a José Gomes Ferreira, na versão soft, que nos explicam a sorte que temos em ter uma troika que nos ajuda, e como os pobres do tempo de Salazar, como devemos ser agradecidos para com a troika e a Chanceler Merkel (que se prepara para vencer as próximas eleições em Setembro, muito à custa dos países “intervencionados” do sul que renderam no último ano à Alemanha 80 mil milhões de euros).
De facto, os portugueses adormeceram ao som de um fado antigo. Estão, como nunca divorciados da política e dos políticos – e têm razão. Mas os portugueses enfiam ainda mais o barrete, tapam os olhos e assobiam para o lado. Enquanto isto, no Brasil, essa espantosa criação portuguesa, o povo saiu à rua e mostrou a sua força.
Neste momento, em Portugal – como também um pouco pela Europa do sul atingida pela agiotagem financeira da troika e da Alemanha – impera a inércia, o pasmo, a lentidão. Faz sentido criar um novo partido à esquerda, nesta situação? Faz todo o sentido se for para acordar o país, para enfrentar energicamente os tempos que vivemos, tempos difíceis e sombrios. Mas esse partido terá que ser diferente: a questão não é a ausência de um programa político – temos melhor programa político que a Constituição (que em muitos dos seus artigos nunca foi comprida)? A questão, essencial, está na atitude. E essa atitude é ainda um gesto por inventar que não se coaduna com a inércia e burocracia político-partidária existente.

terça-feira, junho 25, 2013

ELES FAZEM LÁ O QUE NÓS NÃO FAZEMOS AQUI

Enquanto o Brasil "pega fogo" há 19 dias, nós por cá vamos dormindo e sonhando com o euromilhões.

terça-feira, junho 11, 2013

LUÍS FILIPE DE CASTRO MENDES

OS DERROTADOS DE ABRIL

Preferiam a guerra, os anos de cinza,
a morte devagar distribuida
e os muros pintados a cal.

E eles pensam: terá voltado a nossa hora?
Mas é tudo diferente.
O dinheiro nunca teve cor, mas agora
não tem mundo nem maneiras.

Seja como for, por caminhos ínvios
ou por mecanismos que não se entendem,
mas que filhos de gente conhecida explicam,
ainda que fiquemos sem o nosso dinheiro
o importante é que os pobres vão perder a grimpa
e o arrojo: o nosso tempo voltou.

(Publicado no J. L.- Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 1113, de 29 de Maio de 2013, p. 36 e datado de "Estrasburgo, 25 de abril de 2013")

quinta-feira, junho 06, 2013

EDUARDO PITTA

Está um rapaz a arder
em cima do muro,
as mãos apaziguadas.
Arde indiferente à neve que o encharca.

Outros foram capazes
de lhe sabotar o corpo,
archote glaciar.
Nunca ninguém apagou esse lume.

*
As coisas são como são.
Sempre haverá uma mão senhora de exemplar
desprendimento, atenta ao sufoco
e à desoloção da alma.

Assim foi, por socalcos de tabaco,
o enredodos caminhos, ardente magia.
Pouco importa saber
que toda a paisagem mente.

Eduardo Pitta, Desobediência - Poemas escolhidos, Dom Quixote, Lisboa, 2011, pp. 147 e 173.

quarta-feira, maio 29, 2013

NUNO GUIMARÃES

[ACERCA DA POESIA]

Há um tipo de poesia em que a intenção é adjacente à escrita, uma poesia de púlpito, destinada a uma audiência que, como dizer?, age por simpatia a certos «slogans». Creio que isso é uma forma muito fácil de dizer as coisas em nome da poesia. Não é que eu pense numa arte aristocrática e muito menos destinada a um público aristocrata. O público ideal está ainda, infelizmente, em condições económicas e culturais muito deficientes e não parece que delas possa sair tão cedo. Eu acho que a expressão da ideologia [...] terá que fazer-se dentro da materia verbal. A linguagem poética [...] não é sinal de algo exterior. É ela mesmo um objecto. É um signo que vale por si próprio. Um signo inquieto mas perfeitamente circular.
[...] Terá que haver sempre uma revolução, digamos, interna. O envelhecimento inevitável do modo de dizer situa já essa poesia. A persistência na repetição é o suicídio. É claro, todos nós corremos esse risco, não é? Todos nós envelhecemos, pelo menos fisicamente. A renovação é indispensável, é a resistência, é a negação da morte física.
[...] Penso que todo o poeta é responsável, através da sua escrita. E acho mesmo que a prática da vida e a prática da poesia são coisas indissociáveis...
[...] O quotidiano é, por assim dizer, esquecimento, uma dissolução das suas funções. Todo o esforço de escrita é, portanto, uma reacção: esquecer o esquecimento. É uma actividade traumatizante, então. Não sei se estou a ser claro. Não quero dizer que possa ser algo de insuportável, messiânico. É, simplesmente, um risco próprio do ofício, da natureza da matéria. Um risco, digamos, profissional...
[...] Acho que a poesia é irredutível, tem a propriedade da irredutibilidade. Quando acontece uma redução, passará a ser outra coisa, passará a ser talvez a substância redutora, mas já é outra coisa...
[...] Quanto a mim a única posição coerente e revolucionária tem de iniciar-se dentro da matéria, numa renovação interna, em que forma e fundo sejam um só. [...] A partir de certa altura acreditei na inutilidade, por si só, das intenções. A intencionalidade não tem por si só, sentido.
[...] A poesia é feita de tensões. Isso é fundamental. É intencional mas sempre tensional. E isso implica uma atenção constante à linguagem, uma investigação permanente. O que por si só, é claro, também não é condição suficiente...
[...] Eu penso que quase toda a poesia, para não dizer a totalidade, mesmo a mais positiva, estabelece uma ruptura com as coisas, é de crise, e é crítica. No entanto estou longe de pensar que isso seja sinónimo de decadência. Antes pelo contrário.

[Publicado no J. L. nº 111, 1984, a partir de selecção feita por José do Carmo Francisco]
Nuno Guimarães, Poesia Completas, Org. e prefácio de Fernando Guimarães, Porto, Afrontamento, 1995, pp. 113-114.
Nuno Guimarães nasceu Vila Nova de Gaia a 29 de Agosto de 1942. Faleceu em 1973. Publicou Corpo Agrário (1970) e Os Campos Visuais (1973). A sua poesia inscreve-se na lógica dos poetas que publicaram em Poesia 61

sexta-feira, maio 10, 2013

A ALEMANHA AO ESPELHO



Wagner, Richard Wagner, o compositor alemão nasceu há 200 anos. Portanto, e como é natural nestas coisas comemoram-se os 200 anos de Wagner. E para comemorar os 200 anos do nascimento de Wagner a Deutsche Oper levou à cena Tannhäuser, em Düsseldorf. Até aqui tudo muito bem e normal. O problema surgiu no dia da estreia – o público não gostou da encenação da ópera. Não só não gostou como ficou em choque e pavor, tendo alguns espectadores recebido assistência médica (algo inédito num evento cultural). E porquê esta reacção tão reactiva a uma obra de arte? Porque o encenador resolveu colocar em cena figuras nazis, com execuções e tudo, tal como durante o Holocausto. De tal forma foram os protestos que a ópera continua apenas com a parte sinfónica.
Tudo isto é revelador do que é a actual Alemanha e da sua relação com o passado nazi. Esse passado, não tão distante, foi recalcado pelos alemães, de tal forma que quando é evocado numa versão de uma ópera de um compositor anti-semita, provoca reacções psicossomáticas. Os alemães para viverem no seu conforto e na sua eficiência trabalhadora, têm que enterrar o passado que vai sendo enterrado como memória viva à medida que os mais velhos, os que levaram Hitler ao poder e ajudaram a construir o Holocausto, vão morrendo. Ao mesmo tempo a Alemanha regressa a uma posição de hegemonia na Europa. É quando se enterra o passado, quando se perde a noção de culpa e vergonha, que algo parecido com esse passado pode regressar. É claro que a Alemanha de Merkel não é a Alemanha de Hitler, são incomensuráveis as distâncias. Mas, setenta anos depois, a Alemanha de Merkel é a que mais próxima está da Alemanha de Hitler. Agora não são os judeus, mas os povos do sul, os PIIGS, os porcos. Também não se trata do extermínio em câmaras de gás, mas do asfixiar de economias como a portuguesa ou a grega com a ajuda de governos colaboracionistas como o de Passos Coelho. Esta Alemanha quando se vê ao espelho, sem maquilhagem, vê o horror e desmaia.

segunda-feira, abril 29, 2013

ANTÓNIO BARAHONA

OS PASSOS DO COELHO

Ontem, 15 de Setembro de 2012,
efectou-se uma manifestação pacífica
do povo português, que, bem domesticado,
não partiu montras, nem agrediu a bófia,
talvez porque a fome ainda não é muita.

Mas houve uma excepção:
um jovem de vinte e um anos
partiu, aos cacos, a realidade em foco
e agrediu a própria vida
imolando-se pelo fogo.

*
Na margem de um rio
escruto a água e a linguagem
dos pássaros;
e vejo pairar na aragem
os meus próprios pensamentos.

António Barahona,As Grandes Ondas, Averno, Lisboa, 2013, pp. 61 e 119.