No programa Prós &
Contras de ontem, o último antes do Mundial e das férias, não se discutiu a
disputa no PS pelo lugar de secretário-geral, nem o chumbo do OE pelo Tribunal
Constitucional, nem as Eleições Europeias (onde apareceu a ameaça da
extrema-direita, entre outros sintomas). Não, nada disso, isso são questões de
somenos perante o tema que estava em discussão e que faz salivar os jornalistas
como o cão de Pavlov: o celibato dos padres, ou melhor, a sexualidade dos
padres, ou, para ser mais exacto com as palavras da apresentadora e
coordenadora do programa, Fátima Campos Ferreira, “a genitalidade dos padres”
da Igreja Católica. O assunto, é certo, foi levantado pelo papa Chico. Mas o
tema é recorrente por parte dos meios de comunicação social. Como um cão (pode
ser o de Pavlov) que não larga um osso, assim os jornalistas não largam a
Igreja católica em relação a assuntos de sexualidade. A isto chama-se agenda
setting: um assunto é de tal forma agendado pelos média que estes acabam por
ter influência nesse mesmo assunto. Um exemplo disso foi a invasão de
Timor-Leste pela Indonésia – a partir das imagens do massacre de timorenses num
cemitério os média internacionais acordaram para a situação de opressão que se
vivia em Timor. A independência de Timor-Leste ficou a dever-se em grande parte
à coragem de alguns jornalistas. Por vezes, raras, o jornalismo ainda vale a
pena, pode ajudar a criar um mundo com menos injustiça. Mas no caso da
genitalidade dos padres, que têm os jornalistas a ver com o caso? Porque razão
querem os jornalistas imiscuir-se na sexualidade dos padres? Não é isso um
problema da Igreja? Pela atitude tomada por jornalistas como Fátima Campos
Ferreira não é. Uma das grandes preocupações dos jornalistas é libertar os
padres do espartilho do celibato. A isto não é alheio um ambiente que desde os
anos 60 do século passado se vive – o de uma alegada libertação sexual, em que
o sexo se torna rei. Que essa libertação, e os agentes dessa libertação
(jornalistas, sexólogos, etc), não saibam distinguir entre sagrado e profano,
mostra o carácter acéfalo dessa mesma alegada libertação.
terça-feira, junho 03, 2014
sábado, maio 17, 2014
OS VAMPIROS
A passagem dos três ladrões da troika por
Portugal foi o pior que aconteceu a Portugal depois da ditadura de Salazar. E
quem trouxe a troika foi Passos Coelho - lembram-se do PEC 4, quando não só a
direita mas também o PCP e o BE votaram, irresponsavelmente, contra Sócrates?
Sim, foi Passos e Teixeira dos Santos, e não Sócrates que fez tudo para evitar
que a troika viesse, até ser traído pelo seu ministro das finanças, quem abriu
a porta aos vampiros. Há três anos havia tanta gente a desejar a entrada dos
bandidos da troika Portugal adentro. Eles eram a garantia de uma política de
destruição. Agora a troika foi embora, mas a política de destruição, de
empobrecimento, de cortes, vai continuar, pelo menos até ao fim desta
legislatura.
Em 3
anos a dita troika ajudou a aumentar o desemprego para níveis nunca vistos,
aumentou a dívida para 130 % do PIB, a emigração voltou aos níveis dos anos 60
salazaristas, tentou-se destruir o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança
Social, acabar com a ciência e a cultura, enfim destruiu-se a vida de muitos
portugueses (a lista de todas as maldades não cabem aqui). A troika foi
embora, mas Passos Coelho e Portas ficam, eles que fizeram questão de ir além
da troika, de empobrecer Portugal, de cumprir a ideologia neoliberal reinante.
Quanto aos portugueses, ao bom povo
português, ao “povo sereno”, comportaram-se até agora como bois mansos: não
gostam dos políticos, é certo, mas é só porque acham que os políticos o que
querem é tacho. Os políticos, não todos, representam altos tachos, muitos
tachos, mais tachos que os que Joana Vasconcelos utilizou para construir o seu
sapato de Cinderela. Tachos invisíveis e imensos. Agora, nas Europeias a AP
(Aliança Portugal – PSD e CSD-PP coligados) terá, infelizmente, muito mais de
20 % dos votos. E é ai que estão os serviçais dos tachões.
sexta-feira, abril 25, 2014
quarta-feira, abril 23, 2014
IMAGINE QUE VOLTAVAMOS PARA TRÁS 40 ANOS
Imagine que a qualquer altura, e sem justificação, o podem
despedir.
Imagine ficar sem o subsídio de férias e sem o 13º mês.
Imagine ficar desempregado e não ter qualquer ajuda do
Estado.
Imagine ficar sem a casa que paga ao banco (e não ter onde
viver).
Imagine ficar sem uma parte da reforma que lhe prometeram.
Imagine viver sob um governo que obedece cegamente a
interesses estrangeiros. Imagine que o Estado fica com o “lixo” dos bancos.
Imagine viver num país cujo primeiro-ministro faz tudo para
que os cidadãos empobreçam.
Imagine ser governado por alguém que faz exactamente o
contrário do que prometeu na campanha eleitoral.
Imagine ter de emigrar porque não consegue arranjar emprego.
Imagine não poder estudar porque não tem dinheiro para pagar
as propinas, e o Estado não lhe dá uma bolsa de estudo.
Imagine que o serviço nacional de saúde começa a ser
desmantelado.
Imagine que fecham as escolas e as repartições públicas na
zona onde vive. Imagine que querem baixar ainda mais os salários.
Não precisa de imaginar mais. Abra os olhos para a
realidade. Esta é a realidade a que chegamos em três anos de governo PSD/PP.
segunda-feira, abril 21, 2014
DULCE MARIA CARDOSO
[...] As crianças pintaram ainda mais as caras com um toco de madeira ardida, fizeram bigodes e barbas a carvão na pele, tudo isso se passou na terça-feira gorda, um dia frio e chuvoso, um dia feio e tão diferente do dia luminoso do mês de Maio em que nos apareceu um anjo com uma cesta de cerejas para nos oferecer.
As crianças foram as primeiras a reagir. A sua pouca sabedoria não lhes permitia completo entendimento do milagre. Rodearam Dóris e a cesta das cerejas com saltinhos de animais domésticos que também eram. Trincaram a medo a primeira cereja, a segunda, e perdido o medo começaram a devorá-las. O sumo vermelho escorria-lhes pelos queixos e pelas mãos, e as crianças não paravam de sorrir. As mães receosas pelos filhos logo os imitaram, como é instinto de qualquer fêmea. Se as crias se perderem, perca-se também quem as pariu que, em caso de perda daquelas, estas cá não ficam a fazer nada para além de sofrer. Começaram então as mães a comer cerejas e a cuspir os caroços, que se enterravam na areia ao lado dos pés de Dóris. Chegou a vez de os homens se baixarem e, com as mãos em concha, servirem-se das cerejas. Devoraram-nas com gula e com o mesmo sorriso das crianças. À nossa frente, ao nosso lado, no meio de nós, o anjo vestido de branco continuava a sorrir com os pés enterrados na areia, decerto para não fugir da terra a que não pertencia.
O sumo das cerejas escorria nas mãos das crianças, das mulheres, dos homens, nas minhas mãos, que fui o último a provar do pecado da gula, tão perdido estava a desrespeitar o mandamento que proíbe a cobiça da mulher alheia, ainda que, em vez de mulher, visse um anjo. Não me lembro se o Matias comeu cerejas mas deve ter comido, naquele sítio a comunhão dos gestos era obrigatória. E da comunhão dos gestos à dos pensamentos, palavras, actos e omissões vai menos que um passo. Nem sempre por nossa culpa, tentávamos convencer-nos"
Dulce Maria Cardoso, Tudo são Histórias de Amor, Tinta-da-China, Lisboa, 2014, pp. 16-17.
sexta-feira, abril 18, 2014
GABRIEL GARCIA MARQUEZ (1927-2014)
Gabriel Garcia Marquez não nasceu em Macondo,
lugar imaginário onde se passa a acção do seu mais conhecido livro de ficção – Cien Años de Soledad (1967). Gabo, como
era afectuosamente tratado, nasceu em Aracataca, na Colômbia, a 6 de Março de
1927. Morreu ontem na cidade do México, onde vivia há vários anos. Tinha 87
anos.
Antes de ser
o consagrado autor que cunhou a expressão realismo mágico – que tantos
escritores viria a influenciar –, o Prémio Nobel da Literatura em 1982, foi repórter.
Mas o escritor que considerava o jornalismo “o melhor ofício do mundo” tornou-se
crítico da forma como nas últimas décadas o jornalismo era praticado. Por
exemplo, criticava o uso de gravadores e recusava dar entrevistas.
O ofício da
escrita onde criou um mundo imaginário repleto de maravilhoso, o realismo
mágico, terá sido bebido nas histórias que a sua avó Tranquilina e o avô,
coronel Nicolás Marquez lhe contaram na infância. Se um contava o real da
guerra civil, o outro contava o imaginoso mundo cheio de superstições. Desta
mistura terá nascido o realismo mágico que em Cem Anos de Solidão atinge o seu cume. Esse realismo mágico que foi,
entre outros, também praticado pelo escritor mexicano Juan Rulfo, e por muitos
outros – entre os quais se poderiam referir alguns escritores portugueses.
Em 1947
estreia-se na literatura com um conto publicado no jornal El Espectador, de Bogotá. Abandona o curso de direito para ser
jornalista (a Obra Periodista de Gabriel Garcia Marquez está publicada em
vários volumes). Em 1955 publica o romance La
hojarasca (1955) e o livro de contos Olhos
de Cão Azul. Ao todo são cerca de uma vintena de títulos, de entre os quais
se destaca Cem Anos de Solidão, lido
por cerca de 30 milhões de pessoas, mas também Amor nos Tempos de Cólera (1985).
A obra de
Gabriel Garcia Marquez não beneficiou, junto de certa intelectualidade, de ser
um best-seller. Muito pelo contrário,
como é natural nestes casos, onde um certo preconceito se estende sobre tudo o
que obtém sucesso. No entanto, o estilo de Garcia Marquez marcou leitores e
criou epígonos. E nem sempre foi um fogo-de-artifício de realismo mágico –
leia-se a pequena novela Ninguém Escreve
ao Coronel (1957), perfeita na sua secura.
sábado, abril 05, 2014
JORGE FALLORCA (1949-2014)
Percorro a praia dividido entre a memória e a ausência. Todos
os sentidos me contrariam as pegadas na areia molhada.
As bibliotecas.
Sento-me de frente para o mar, com um saco de laranjas ao
lado. A loucura é uma arte menor.
(Longe do Mundo, p. 76)
os sentidos me contrariam as pegadas na areia molhada.
As bibliotecas.
Sento-me de frente para o mar, com um saco de laranjas ao
lado. A loucura é uma arte menor.
(Longe do Mundo, p. 76)
quarta-feira, março 26, 2014
ANTÓNIO REIS
Aos domingos
aos domingos o golo no estádio
chega até minha casa
e até ao mar
O próprio sol
é uma imagem de couro no espaço
a chuva
uma imagem de redes batidas
Ah Que fazer
senão esperar pela semana
dormindo
António Reis, Telhados de Vidro / 18, Averno, Lisboa, p. 7 (poema retirado do livro Poemas Quotidianos, Ed. do Autor, 1957)
aos domingos o golo no estádio
chega até minha casa
e até ao mar
O próprio sol
é uma imagem de couro no espaço
a chuva
uma imagem de redes batidas
Ah Que fazer
senão esperar pela semana
dormindo
António Reis, Telhados de Vidro / 18, Averno, Lisboa, p. 7 (poema retirado do livro Poemas Quotidianos, Ed. do Autor, 1957)
quinta-feira, fevereiro 27, 2014
sábado, fevereiro 22, 2014
DA FOME OLHANDO O BANQUETE
Vivemos uma
época de crise económica que talvez seja a maior que atinge os portugueses
depois do 25 de Abril de 74. Essa crise tem levado muitas famílias a privações
alimentares, ou dito doutra forma, a passar fome. A RTP tem uma longa história
de programas culinários de duvidosa intenção. Nos últimos anos esses programas
têm sido protagonizados por alguns "chef's" proprietários de
restaurantes a que só uma minoria pode aceder. Os mesmos chefes tornaram-se
figuras públicas (Sá Pessoa, Avilez, etc), pretendendo-se passar a imagem de
que a alta cozinha é uma arte. Para cúmulo, a RTP apresenta agora um concurso,
Chefs Academy, apresentado por Catarina Furtado onde se pretende "formar"
Chefes. Tudo isto é ridículo e vergonhoso. Porquê tanto programa que pretende
ensinar os portugueses a cozinhar quando muitos passam fome? E não seria mais
natural, mais próprio de um serviço público de televisão, que fossem
nutricionistas que dessem alguma informação sobre uma alimentação saudável, com
alimentos baratos? Parece que não. Porque estes programas não são inocentes -
eles têm uma função política que decorre da ideologia neoliberal que está por
todo o lado. E a televisão é por excelência uma máquina de propaganda política.
Nestes programas os telespectadores são remetidos para a função de esfomeados
que se tornam mirones dos banquetes dos senhores. É este o estado a que
chegamos, e para o qual a televisão como aparelho ideológico do Estado dá o seu
importante contributo.
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