sexta-feira, agosto 01, 2008

FERNANDO GUERREIRO


AS CINZAS DE LENINE

Será desculpável a facilitação do discurso? A ligeireza
com que as águias passam, deixando cair as suas penas
sobre as acabrunhadas raízes (e ruínas) do absoluto?!
A partir de que ponto se altera (perde) o pensamento?
Quantas vezes é preciso repeti-lo até ele se constituir
como um símbolo capaz de assolar o futuro? Marx refere-se
ao «espectro do comunismo» (no Manifesto, em 1847) e tanto
para Burke (Reflections) como para Michelet (Le Peuple)
o fantasma da História reveste a forma de uma sanguinária
Medusa. Mas era verdadeiro o seu Terror face ao que ante
os seus olhos acontecia: o abismo que tornava o raciocínio
sempre inconcluso. Da mesma forma, as cinzas da Revolução
o nosso imaginário ainda perturbam. Putrefacta, seria mais
acessível à repulsa? É neve, neve, que o cérebro nos atulha,
enquanto lá fora os pássaros voam baixo, à procura
das sementes que nos resguardem do futuro.

Fernando Guerreiro, Toeria da Revolução, Angelus Novus Editora, 2000, p.31

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