segunda-feira, outubro 30, 2023

HELGA MORREIRA



Uma enorme perdição essa noite depondo rosas no teu peito.
Com mel me cobres, infindável.
Chegas do lado onde os pássaros rasgam
posturas irrecuperáveis, a boca quase chuva,
secretos instantes de muita brandura.

Deitas-te a meu lado, recolho-te num abraço,
és como uma anémona, tão de leve adormeces.

De claridade semeio esse perfil.
Uma folha, um gladíolo, sempre cobertos do teu nome

*

Era uma vagueza a sombra e um retalho no pôr-de-sol;
talvez não valha a espera essa espécie de música mulher
servidão ou rede de átomos;
será uma vantagem conhecer as perversões lunares, festividades
de orvalho, traições de inocentes lábios, o mistério álgido do mármore,
metonímicas seduções, outros lazeres.

Era um retrato pelo sol de rostos e sombra, lenta alquimia;
espreitas pelo óculo arestas de gaivotas, remotos signos,
devagar te acercas da luz.

A manhã que no rosto dispersa brevíssimos pássaros
havemos de encontrar.

in A Jovem Poesia Portuguesa/2, Limiar, Porto, 1985, pp. 45 e 49.
Helga Moreira nasceu em 1950, em Quadrazais, Sabugal (Guarda), Em 1978 publicou o seu primeiro livro de poemas, Cantos do Silêncio (edição de autor), a que se seguiram Fogo Suspenso (1980), Quem Vier do Sul (1983), Aromas (1985), Desrazões (2002) e Tumulto (2003), entre outros. Este ano, publicou na Tinta da China o volume A Arte de Perder, que reúne quase toda a sua poesia edita, acrescentada de alguns inéditos.