terça-feira, fevereiro 28, 2023

O ESPESSO EXPRESSO

 


1, O semanário Expresso fez 50 anos. Número redondo como se gosta nos meios jornalísticos, portanto ocasião para comemorar: uma edição especial com o formato e o grafismo originais, um pequeno caderno com as primeiras páginas e uma conferência em participou, entre outros o presidente Marcelo Rebelo de Sousa – que foi director do Expresso –, e ainda um livro do seu fundador e primeiro director, Francisco Pinto Balsemão, dividido em três volumes. Na verdade, o livro, cujo título é Memórias. Expresso 50, não é um livro original, mas o que alguém aproveitou e adaptou de um calhamaço de mil páginas em que Balsemão escreve as suas Memórias (Porto Editora, 4ª edição 2021). Estes 3 volumes perfazem 237 páginas, pelo que, não tendo lido esse recordatório, talvez podemos supor que cerca de 20 por cento do livro de memórias de Balsemão é dedicado ao Expresso, e também ao Diário Popular, jornal vespertino, já extinto como muitos outros, e de que um tio de Pinto Balsemão – “o tio Xico” – era accionista e gestor.

2, Se escrevi acima que Francisco Pinto Balsemão foi o fundador e primeiro director do Expresso, sendo essa a verdade oficial, pela leitura das Memórias do Expresso facilmente se fica a perceber que, ressalvando o período em que Balsemão foi ministro do governo AD, e depois, Primeiro-Ministro, ou seja, entre 1980 e 1983. Balsemão assumiu sempre um papel de liderança dentro do jornal, embora não voltasse ao cargo de director. Uma espécie de director não executivo, ao mesmo tempo que era o gestor do jornal, papel que continua a desempenhar.  

3, O que essencialmente estas Memórias oferecidas aos leitores do Expresso revelam é o espirito medíocre de Francisco Pinto Balsemão, o seu egocentrismo, os seus tiques de uma alta burguesia preocupada essencialmente com a rentabilidade, com os aspectos económicos. Balsemão acha-se o pai do Expresso, o que na realidade é, mas não percebe que o bom pai é aquele que quer que os filhos cresçam. Por isso acha-se acossado quando pessoas que pertenceram ao jornal o abandonaram para criar outros projectos. E refere-se a isso “numa interpretação freudiana” como “matar o pai”. E quem quis matar o pai? Desde logo Marcelo Rebelo de Sousa, “um dos fundadores do ‘Semanário’, em 1983”, mas também Augusto de Carvalho que fundou o diário Europeu, em 1988, Miguel Esteves Cardoso, que com Paulo Portas vai fundar nesse mesmo ano o Independente, e que Balsemão admite que “nos anos áureos, foi um perigoso e válido concorrente do Expresso”. Mas também José António Saraiva, que depois de 21 anos como director do Expresso funda o Sol, ou ainda jornalistas como Maria João Avillez, ou o administrador Henrique Granadeiro. Mas o grande “golpe” para o Expresso terá sido a saída de Vicente Jorge Silva acompanhado de um grupo de 20 jornalistas que faziam a Revista, para fundar o diário Público, cujo accionista era Belmiro de Azevedo, à altura o homem mais rico de Portugal. O que Balsemão na sua cultura contabilística não consegue perceber é que o Expresso é, apesar de tudo, um jornal muito maior do que a estreita mente do seu fundador. É certo que foi ele que escolheu algumas das pessoas para redactores ou para a direcção editorial, mas o Expresso terá ganho uma outra dimensão com a contribuição de Vicente Jorge Silva, que nos finais da década de 60 tinha fundado na Madeira o Comércio do Funchal. Vicente Jorge Silva, quer com o Comércio do Funchal, quer com a Revista do Expresso, quer com o Público, foi um grande criador de jornais, jornais de qualidade, de referência, com um sentido cultural, político, de visão da sociedade e do seu tempo. Jornais que talvez fossem um pouco megalómanos para o estreito espaço português, mas fizeram com que Portugal tivesse produtos jornalísticos que podiam colocar-se lado a lado com os grandes jornais europeus. E, para além de saber rodear-se dos melhores colaboradores e jornalistas, Vicente Jorge Silva era alguém cujos editoriais, assinados no Público, tinham um peso na sociedade portuguesa.

4, E hoje, o que é o Expresso? Com uma ou outra excepção é um jornal medíocre, com a direcção editorial a obedecer ao “pai” e “fundador” Balsemão, à sua estreiteza mental de quem é sobretudo um empresário e ex-político. É certo que os jornais, no seu estertor, perderam qualidade. Mais: perderam-se e continuam-se a perder jornais, e é de temer o que pode acontecer à Imprensa escrita portuguesa – e não só – na era do digital, das redes sociais. Mas a perda de qualidade também atinge o Público, e talvez jornais internacionais como o El País, o Le Monde, o Libération ou mesmo o tão seguido pelos jornalistas The Guardian (será o único “grande” jornal em regime totalmente aberto na sua edição on-line). O Expresso ainda mantém nomes como Gonçalo M. Tavares (sem dúvida o melhor escritor português actual), Miguel Sousa Tavares, Clara Ferreira Alves (que resvala muito nas suas longas crónicas para um certo pedantismo), Pedro Mexia (que está muito longe de ocupar o lugar de um Eduardo Prado Coelho na Imprensa portuguesa). Refira-se ainda correspondentes em vários pontos do globo, mas não em regime de exclusividade.

5, O Expresso é um dos jornais que mais vende em Portugal, quer no on-line, quer na sua edição em papel, vendido num saco que outrora foi de plástico e agora – por razões ecológicas – é de papel. Já pesou quase 2 kg, mas agora está mais magro: primeiro caderno, revista E, e caderno de economia. O público a que se destina são classes A e B, ou seja, doutores & engenheiros, profissões liberais e posicionamento político. Aliás o preço do jornal em papel, quase cinco euros, assim o justifica. E quem pensa que tem leitura para toda a semana é porque lê pouco, ou aguenta com prosas chatas de especialistas nisto ou naquilo – algo visível na actual edição da revista E, onde existe uma pomposidade no título com que alguns articulistas escrevem quatro ou cinco páginas, como se vê nestes exemplos: "Nuno Galopim / Diretor de programas da Antena 1 e curador musical do Festival da Canção" (Revista E, 24 de fev. 2023) ou este: "Henrique Raposo / Licenciado em História, mestre em Ciência Política e cronista do Expresso"; de facto Raposo é cronista semanal na edição em papel do primeiro caderno e ainda cronista da edição diária digital, mas só mais risível que toda esta pompa de apresentar o CV dos articulistas ao lado da sua fotografia em caracteres maiúsculos, é mesmo este Henrique Raposo, e o artigo que assina na edição de 20.01.2023 intitulado "A cura dos pobres". Vale a pena transcrever a entrada: "Através da revolução da epigenética, uma nova neurociência da pobreza mostra-nos que a miséria extrema é sobretudo a manifestação de um grupo de doenças mentais. Aquilo que sempre foi visto como o 'comportamento à pobre' é, na verdade, um conjunto de sintomas do campo da saúde mental. Ou seja, a pobreza pode ter um tratamento ou mesmo cura". Fantástico este Raposo, cujas prosas tanto devem agradar ao pretenso citizen Kane Francisco Pinto Balsemão. 

(Nota: na imagem, parte da capa do 1º número do Expresso, saído a 6 de Janeiro de 1973)