terça-feira, janeiro 31, 2023

A POLÍTICA DOS TOTÓS





1, Há um ano, O PS, inesperadamente, conseguia uma maioria absoluta com cerca de 41 por cento dos votos, numas eleições legislativas desnecessárias, provocadas pelo chumbo do Orçamento de Estado, em que os partidos da antiga geringonça tiveram um papel preponderante. Este ano de governo, ou melhor estes 10 meses do novo governo de António Costa foram dos mais desastrosos da democracia portuguesa, especialmente o último mês. A sucessão de "casos & casinhos" foi avassaladora e provocou a demissão de secretárias de Estado e de um Ministro. Por várias razões este governo já tinha um número anormal de demissões, cerca de dez, quando toda esta avalanche se deu. O caso da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, que recebeu uma indemnização de meio milhão de euros para sair da TAP foi o despoletar de toda uma bola de neve, que chegou à demissão do ministro responsável pela pasta da TAP,  Pedro Nuno Santos, apontado como possível sucessor de António Costa. Numa tentativa de pequena remodelação governamental, António Costa foi arranjar um outro sarilho: a nova secretária de Estado da Agricultura, uma aparente impoluta senhora, não chegou a estar 24 horas no governo. Afinal parecia que o marido tinha um caso com a justiça... mas na realidade a história era mais complicada. Demitiu-se depois de um comentário em directo de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente-jornalista-comentador mor, que demite governantes em directos para as televisões. Como consequência disto tudo, outro erro de António Costa: uma lista de 36 perguntas a apresentar a quem for chamado para funções governativas. Carla Alves demitiu-se a 5 de janeiro, e a secretaria de Estado da Agricultura parece que foi extinta, sem que alguém a quisesse ocupar. Ou seja, toda esta crise com múltiplos escândalos, levou a uma fragilização do governo, que apesar de ser de maioria absoluta é um governo a prazo. A lista das 36 perguntas e os "casos & casinhos" afastam qualquer pessoa com competência (ou mesmo sem ela) de um lugar no governo. Se ninguém quer ocupar um lugar no governo, é lógico que o mesmo esteja a prazo, dependente da próxima demissão, do próximo caso.

2, O que muda agora? Naturalmente, espera-se, e as sondagens já vão nesse sentido, que das próximas legislativas saia uma maioria de direita, ou pelo menos o partido que lidera a direita - que ao longo da democracia representativa portuguesa tem sido o PSD - ganhe as eleições. Só que nos últimos anos houve uma reconfiguração da direita. A direita portuguesa perdeu o CDS, ganhou um partido de extrema-direita, que já é o terceiro maior partido português,  e um outro de direita liberal - o Iniciativa Liberal. Para além disso, o PSD parece estar a perder força, o que só reforça os outros dois partidos de direita. Esta é a realidade: uma nova maioria de direita vai contar com a extrema-direita, e tanto PSD como IL não marcaram uma linha vermelha em relação ao Ch. Isto que pode acontecer em Portugal, e que parece ser inevitável, também pode acontecer em Espanha com o Vox, e já aconteceu em Itália com os Frateli d' Italia de Georgia Meloni. 

3, Ora parece que a esquerda quer que a direita (com a extrema-direita) governe. E, na verdade, isso já aconteceu aquando da rejeição do PEC IV, o que levou à demissão de Sócrates, e consequente governo PSD/CDS com Passos Coelho a ir além da troika. Os portugueses, e principalmente os políticos portugueses parece que já se esqueceram do que se passava há 10 anos. Neste caso, e perante este descrédito do governo de António Costa, creio que a tentativa para uma solução passava por um congresso extraordinário onde fosse eleito um sucessor de Costa, continuando este no governo mas abrindo a possibilidade de ser substituído como primeiro-ministro. Para além disso, se já existisse um sucessor de Costa, seria mais fácil o PS apresentar-se a eleições. Mas nada parece mover-se no PS ou sequer na esquerda portuguesa. No fundo, e isto de certa forma é dramático, a classe política portuguesa tem perdido capacidade. Ou seja, ser dupla o triplamente escrutinado é coisa que certamente ninguém quer para a sua vida, por isso pessoas que podiam estar na política não estão. E este escrutínio não é já só mediático, é também o escrutínio que António Costa criou, agora, com as 36 perguntas, e é o escrutínio que o Ministério Público gosta de andar a fazer a políticos (repare-se que foi com a prisão de Lula da Silva que Bolsonaro chegou ao poder no Brasil). Este triplo escrutínio deixa a política para os totós, ou dito de outra forma, são os totós que se fecham num círculo político-mediático. que no caso português parece querer dar cabo do regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974.