quarta-feira, fevereiro 07, 2007

YUKIO MISHIMA


--Ouçam com muita atenção: «Código penal, Art.º 14», leu. --«Os actos dos menores de 14 anos não são puníveis pela lei».(...). O chefe passou o livro à volta e continuou: -- Podíamos dizer que os nossos pais e a ficção de sociedades em que acreditam fizeram esta lei para nosso benefício. E penso que lhes devíamos estar gratos por isso. Esta lei é a maneira de os adultos expressarem as altas esperanças que têm em nós. Mas também representa todos os sonhos que nunca foram capazes de realizar. Eles julgaram que, pelo facto de se terem atado com uma corda, tão fortemente que nem se podem mexer, nos impediriam também a nós de fazermos o que quer que seja; foram suficientemente imprevidentes para nos permitirem que estivéssemos aqui e apenas aqui, a ver um bocado de céu e a gozar duma liberdade absoluta.
(...) Se não agirmos agora, nunca mais seremos capazes de roubar, ou matar, ou fazer qualquer das coisas que testemunham a liberdade de um homem. Acabaremos a vomitar mentiras, passaremos os dias a tremer na submissão, no compromisso e no medo, preocupando-nos com o que estão a fazer os vizinhos, a viver como ratos. E um dia casamo-nos e temos filhos, e depois tornamo-nos pais, a coisa mais odiosa que existe à face da terra!


Yukio Mishima, O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, Assírio & Alvim, 2000, trad. de Carlos Leite, págs 162-164

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