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sábado, novembro 13, 2010

JORGE ROQUE


CANÇÃO DA VIDA

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Quero que se foda o sublime. A minuciosa construção do absoluto literário. Assim sem emendas e em rigoroso vernáculo, parece-me mais exacto. Quero que se foda o sublime (desculpem-me a repetição). Prefiro portas fechadas, casas destruídas, chaves de pouco ou nenhum uso para gestos de pouca ou nenhuma glória que são o absoluto onde me posso sentar para beber mais um copo deste vinho que te pinta os lábios e te acende nos olhos esse fulgor de luz, esse pulsar de salto, onde me lanço para voltar ou não voltar, mas ter cumprido do sangue o impulso. Quero que se foda o sublime (começa a saber-me bem repeti-lo, o ritmo sincopado conjugado com a limpidez expressiva). Estou a falar contigo, a viver contigo, a morrer contigo. Estou a dizer-te ama comigo, sofre comigo, morre comigo um pouco mais devagar.

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Devias querer vida em vez de palavras. Devias saber que as palavras não choram, não riem. Devias, sobretudo, aprender que estas só. Nenhuma palavra poderá viver ou morrer no teu lugar. Escreveste na mensagem que me enviaste: eu não vou poder ser feliz. Senti que estavas a trocar a vida por poesia e nem a dor consegui ouvir. A violência do erro tudo calava e do grito que desesperado lançavas, nem dor nem poesia restavam.

Jorge Roque, "Canção da vida", Telhados de Vidro / 14, pp.89-90, Averno, 2010.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

PITTA & MEXIA


Há uma velha ladainha que fala de quão pequeno é o meio literário nacional. Críticos, escritores, editores, professores universitários, todos se conhecem ou até acumulam várias destas funções. Acrescente-se a isto que só quem aparece existe, ou seja, só quem actualmente ocupa as cada vez mais reduzidas páginas de jornal que falam sobre livros, existe – como crítico literário, escritor ou noutra função. Alguns blogues também contam, mas apenas aqueles em que os seus autores também escrevem na imprensa. Face a isto torna-se fácil fazer o recenseamento de quem existe no meio literário português. Daí a velha ladainha proposta por velhos generais das letras que assim justificam (justificavam, porque muitos já desapareceram por motivos mais ou menos naturais) a sua perpetuação no meio.
Escrevo isto a propósito da interessante e promíscua história entre Eduardo Pitta e Pedro Mexia. Quarta-feira, 10, na Fnac do Chiado, Pedro Mexia apresentou o livro de Eduardo Pitta Aula de Poesia (Quetzal, 2010). Na mesa, para além de Mexia e Pitta estava o editor da Quetzal, Francisco José Viegas (que além de editor é também director da revista Ler, onde escrevem Pitta e Mexia). Está tudo bem documentado aqui, no blogue Da Literatura, que agora é domínio exclusivo de Pitta. Ora no livro Aula de Poesia, uma reunião de pequenas recensões sobre poesia publicadas na revista Ler e no Público, existe um texto sobre Pedro Mexia. Não seria esta uma razão suficiente para Pitta não convidar Mexia para a apresentação do seu livro, ou para Mexia declinar o convite? Não, não foi. Mas o mais estranho é que o suplemento ípsilon do Público de hoje publica a crítica de Mexia ao livro de Pitta (reproduzida no blogue de Pitta). No Público, no final do texto de Mexia, uma pequena nota informa o leitor que «Este texto foi lido por Pedro Mexia na apresentação de “Aula de Poesia”». Mexia deu três estrelas ao livro de Pitta, sendo crítico em relação a este, principalmente na forma como o autor de Comenda de Fogo aborda a geração de Mexia, sendo o próprio Mexia nela incluído. Dando uma no cravo, outra na ferradura, é interessante a forma como Mexia termina o seu texto: «A última nota vai para esse hábito essencial ao sarcasmo de Eduardo Pitta: a referência constante ao “mainstream”, à “crítica estabelecida”, ao “mandarinato” cultural. Pena não haver nomes. Além disso, fica a sensação de que para Pitta escrever na LER e no PÚBLICO não é fazer parte do “mainstream”». Pena não haver nomes? Serão necessários? Será que Mexia se esqueceu do seu? É que a mesa de apresentação de um livro pode ser um lugar tão promíscuo como uma cama para três. E já agora, para evitar esta promiscuidade, será que não há outra pessoa para escrever sobre poesia ou sobre ensaios sobre poesia, no Público, senão Pedro Mexia? Será tão difícil ao Público arranjar outro colaborador que escreva sobre poesia? Ou Mexia tem cátedra?

(foto respigada do Da Literatura)

sexta-feira, outubro 02, 2009

ÉTICA A VIEGAS


Em Portugal não existem mais de uma dúzia de pessoas, que com o dom da ubiquidade, ocupam todos os lugares que não pertencem ao "povo". São gestores que têm cargos em dezenas de empresas, especialistas em comentário político que estão nos três canais televisivos ao mesmo tempo - e ainda preparam, ou alguém prepara para eles, um comentário para sair na edição de um diário no dia seguinte. Somos uma aldeia bastante pequena, apesar de termos 10 milhões. E temos esses que demasiado obesos ocupam muitas cadeiras. Por exemplo Francisco José Viegas. Actualmente é director da revista Ler e editor da Quetzal, além de escritor premiado. E também blogger (?). Imagino que dorme pouco, e se dormisse menos continuaria com os seus programas televisivos e radiofónicos sobre livros. Ora, nesta promiscuidade, Viegas utilizou o último número da revista Ler (o de Outubro) para promover o tão promovido 2666 de Roberto Bolaño, que o mesmo Viegas editou na Quetzal. Não é caso único - veja-se a promiscuidade que grassa na secção de Livros do Expresso -, mas é caso para pensar sobre o estado do meio literário português.
Note-se que o calhamaço (mais de 1000 páginas) que Bolaño deixou é o grande tema da actualidade literária. Mas é precisamente por sê-lo que se dá a ver a incompativblidade de funções que FJ Viegas ocupa. Imagine-se o que seria, agora, Paulo Portas ser ao mesmo tempo que é presidente do CDS director de um jornal.

quinta-feira, outubro 01, 2009

PASCAL QUIGNARD


O aparelho de televisão que prescreve as modas e as sujeições era o seu inimigo pessoal. Aquele fundo sonoro divertia o sofrimento, adormecia a rebelião, desligava para sempre os que trabalhavam dos que governavam. O lugar medíocre dessa desconexão era o ecrã acinzentado rodeado de madeira de acaju: os políticos refractavam-se naquele pequeno espelho abaulado onde as massas procuravam seduzir-se. A sociedade expirava sobre aquele vidro leitoso. A vida social tornara-se uma abstracção sem lastro, sem corda de recurso para chamar, sem fim, onde o ideal já não era mais que um corante sarapintado na baixeza, onde a generosidade já não passava de um golpe publicitário de meio minuto.

Pascal Quignard, A Ocupação Americana, Quetzal, 1995, p. 69

segunda-feira, agosto 24, 2009

JORGE LUIS BORGES (nascido há 110 anos)


BORGES E EU

Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essa páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo que é do esquecimento ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página.

Jorge Luis Borges, Obras Completas, vol. II, O Fazedor, tradução de Fernando Pinto do Amaral, Lisboa, Editoral Teorema, 1998, p. 181. (Via Bomba Inteligente)

sábado, fevereiro 07, 2009

JOSÉ AMARO DIONÍSIO


FINAL

Sente o coração bater contra o rio onde o rio já não existe. Que pode fazer um homem que desloca a fronteira nos seus passos? São sons que provocam corredores sem saída, e batem no ar, e roem, e voltam para trás, e recomeçam, e por cima há um odor a cadáver no céu em ruínas. Sim, nem de outrora um pouco de vida. É um esplendor de luto, ponto final. E isso paga-se todos os dias, mesmo quando o dia todo se gasta a fugir disso. No caminho taberna a taberna há sempre uma toalha ferida pelo exílio, e a proximidade das vozes só serve para esconder a manhã inútil. Quanto à literatura, francamente, o cheiro da montra não vale esta bifana em Vendas Novas. Acham pouco? Peçam duas.


Fonte do Sol, Outubro de 2007




José Amaro Dionísio, Nada Serve, Averno, 2008, p. 25

terça-feira, dezembro 30, 2008

LIVROS DE 2008


Musil, Pessoa e Herberto Helder marcaram, no campo editorial, o ano que agora finda. De Musil a Dom Quixote deu à estampa, em tradução de João Barrento, esse grande romance (pelo menos no número de páginas) que é O Homem sem Qualidades. Sobre Pessoa, que em finais de 2005 passou a domínio público, e do qual se comemoraram este ano os 120 anos do nascimento, foram lançadas uma série de edições importantes e monumentais, tal como a obra do poeta. José Blanco publicou na Assírio & Alvim a ciclópica bibliografia Pessoana em dois volumes de mais de mil páginas; em finais de Novembro a editorial Caminho publicou o Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenado por Fernando Cabral Martins e com a colaboração de cerca de 80 especialistas em Pessoa e no Modernismo (quer literário quer nas artes plásticas). Teresa Sobral Cunha publicou, na Relógio d’ Água, a sua versão desse livro maior da literatura portuguesa que é o Livro do Desassossego (recorde-se que esta pessoana participou na edição princeps do Livro, editada em 1982, sob a organização de Jacinto do Prado Coelho). E como a arca de Pessoa parece não ter fundo, Ana Maria Freitas organizou para a Assírio & Alvim as “novelas policiárias” do poeta sob o título Quaresma Decifrador. O ano Pessoano contou ainda com um congresso e um polémico leilão de uma parte do espólio do poeta dos heterónimos.
Se Pessoa é a figura mais importante da literatura portuguesa do século XX, há quem não tenha dúvidas em considerar Herberto Helder como a segunda figura. Ora este ano, e depois de um silêncio de 14 anos, Herberto voltou a publicar um livro com originais. A Faca não Corta o Fogo – súmula & inédita (Assírio & Alvim) terá sido o livro mais procurado do ano, esgotando a tiragem de três mil exemplares numa semana.
Em ano de crise na economia o mercado livreiro e editorial esteve agitado. Paes do Amaral, antigo patrão da TVI, mudou-se para os livros (embora do que goste realmente é de corridas de automóveis) e formou o grupo Leya que adquiriu editoras de peso no mercado livreiro como a Dom Quixote, a Caminho e a Asa. A estratégia agressiva do grupo causou polémica na Feira do Livro. Já no mercado livreiro um mega-projecto de livraria, a Byblos, acabou por falir enquanto a FNAC acabava com os descontos de 10 por cento.
Mas voltemos aos livros publicados em 2008. No que respeita ao romance Maria Velho da Costa publicou Myra (Assírio & Alvim), Mafalda Ivo Cruz apareceu com O Cozinheiro Alemão (Relógio d’ Água), Teresa Veiga, uma autora bastante discreta, publicou o livro de contos Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín (Cotovia), e continuando com mulheres, Ana Teresa Pereira publicou dois livros: O Fim de Lizzie (BI) e O Verão Selvagem dos Teus Olhos (Relógio d’ Água). Dois mil e oito foi também ano de Saramago e Lobo Antunes. Do Nobel, tivemos A Viagem do Elefante (Caminho), e do pretendente ao Nobel, Arquipélago da Insónia (Dom Quixote).
Na poesia portuguesa, para além do já destacado livro de Herberto Hélder, a colheita não terá sido das piores mas também não foi das melhores. Mesmo assim tivemos Armando Silva Carvalho com O Amante Japonês (Assírio & Alvim), Nuno Júdice com A Matéria do Poema (Dom Quixote), Luís Quintais com Mais Espesso que a Água (Cotovia), Manuel Gusmão com A Terceira Mão, o regresso que se saúda de Fátima Maldonado com Vida Extenuada (& etc) ou ainda a consolidação de um novo nome para a poesia portuguesa do século XXI: Bénédicte Houart com Vida: Variações (Cotovia). E, já agora a referência a três revistas: a Telhados de Vidro, que fez cinco anos de uma cuidada e criteriosa publicação, a Relâmpago que preserva a memória de Luís Miguel Nava dedicando números bi-anuais a alguns dos maiores poetas portugueses e também a temáticas relacionadas com a poesia, e a Criatura, revista que revelou novos poetas. Na poesia traduzida assinale-se o trabalho que a Cotovia vem fazendo (a editora de André Jorge comemorou este ano 20 anos de actividade) na tradução de clássicos – desta vez Pedro Braga Falcão traduziu as Odes de Horácio.
Na ficção traduzida, e para além do já referido Homem Sem Qualidades, há uma série de autores a referir, muitos dos quais foram alvo de destaque da cada vez mais parca imprensa literária portuguesa. Julio Cortázar com Rayuela (Cavalo de Ferro), Roberto Bolaño com Os Detectives Selvagens (Teorema), ou ainda, para continuarmos no mesmo idioma, Bomarzo do argentino Manuel Mujica Lainez foram alguns dos autores mais festejados pelo jornalismo cultural que se vai fazendo por cá. Mas também houve, entre muitos outros, dois livros de Thomas BernhardCorrecção (Fim de Século) e Árvores Abatidas (Assírio) – e mais de Robert Walser, Histórias de Amor (Relógio d’ Água), livro de micro-narrativas ou micro-ficção num ano em que se publicou a Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (Exudus) resultado, em parte, da blogosfera.
E para terminar, ou quase, o ensaio. Do que me lembro e do que constato por outros balanços, o ensaio (reunindo neste grupo livros de filosofia, ciências sociais, etc) tem vindo a perder terreno no mercado editorial. Refiro apenas dois títulos: Mil Planaltos de Gilles Deleuze e Félix Guatarri (Assírio & Alvim) e Camaradas – uma história mundial do comunismo de Robert Service (Europa-América). E lembro-me agora dois livros de George Steiner e um de Harold Bloom, Onde Está a Sabedoria (Relógio d’ Água).
Esta tentativa de fazer o balanço dos livros que se publicaram em 2008 é, como todos os balanços, imcompleta. Haveria muito mais para dizer, outros livros para acrescentar a esta já longa lista.










quinta-feira, novembro 20, 2008

DAVID LYNCH



BOB'S BIG BOY

Costumava ir ao restaurante Bob's Big Boy praticamente todos os dias desde a metade dos anos setenta até ao início dos oitenta. Pedia um batido, sentava-me e pensava.
Existe uma certa segurança em refletir num restaurante. Podemos tomar o nosso café ou batido e partir para zonas estranhas e obscuras e regressar sempre à segurança do restaurante.

TERAPIA

Fui a um psiquiatra uma vez. Estava a fazer uma coisa que se tinha tornado um padrão na minha vida e pensei: Bem, devia ir falar com um psiquiatra. Quando entrei na sala, perguntei-lhe: «Acha que este processo poderia, de alguma maneira, danificar a minha criatividade?» E ele respondeu: «Bem, David, tenho que ser sincero: acho que sim.» Apertei-lhe a mão e fui-me embora.

David Lynch, Em Busca do Grande Peixe, Estrela Polar, 2008

sábado, outubro 11, 2008

J.-M. G. LE CLÉZIO: O NOBEL PARA UM "ÍNDIO BRANCO"


Não sei muito bem como é possível, mas a verdade é esta: sou um índio. Não o sabia antes de ter encontrado os Índios, no México e no Panamá. Sei-o agora. Não sou talvez um índio muito bom. Não sei cultivar o milho nem afeiçoar uma piroga. O peiote, o mescal ou a chicha mastigada sobre mim não exercem grande efeito. Mas quanto ao resto, quanto à maneira de andar, de falar, de amar ou de ter medo, posso dizer o seguinte: quando encontrei esses povos índios, eu, que não julgava por aí além ter família, senti-me como se de repente tivesse conhecido milhares de pais, de irmãos e de esposas.

J.M.G. Le Clézio, Índio Branco, trad. de Júlio Henriques, Fenda, 1989, p.7

domingo, setembro 28, 2008

MACHADO DE ASSIS


Há 100 anos morria o escritor brasileiro Machado de Assis (1939-1908). Autor de inúmeros contos, poemas, crónicas, peças de teatro e de romances como Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, Joaquim Maria Machado de Assis foi considerado pelo crítico norte-americano Harold Bloom como o maior escritor afro-descendente de todo o mundo e um dos cem mais da História da literatura de todos os tempos. Esta afirmação do autor de O Cânone Ocidental, apesar de valer o que vale na sua subjectividade, coloca em K. O. Eça de Queiroz (ou Camilo Castelo Branco) numa disputa sobre o maior autor de língua portuguesa do século XIX. Autodidacta, mestiço, membro da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis foi além da ironia e humor em romances e contos: utilizou a sua obra literária como uma forma surpreendente de reflexão filosófica na linha de um Diderot. Um exemplo disso é o conto (ou novela) O Alienista (1882), uma crítica à psiquiatria e ao positivismo da época, quase um século antes do movimento anti-psiquiatria e das obras de Foucault, Deleuze e Thomas Szasz. Do final de O Alienista fica um pequeno excerto:



Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e cura de si mesmo. (...). Alguns chegam ao ponto de conjecturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí.

segunda-feira, junho 23, 2008

OSKAR KOKOSCHKA / ANA TERESA PEREIRA



Os quadros que Oskar Kokoschka pintou em Polperro. Um mundo em movimento, nuvens, mar, rochas, casas, barcos de pesca e uma ou duas gaivotas em primeiro plano. O meu pai tinha um álbum de Kokoschka e eu já conhecia os quadros muito antes de os descobrir nas galerias.

Os invernos eram longos e eu passava-os a folhear álbuns de pintura, a ler livros policiais, a desenhar, a ouvir os pescadores contarem histórias de piratas. E a pensar em Lizzie.

(imagem de Oskar Kokoschka, Polperro II; texto de Ana Teresa Pereira, do seu último livro, O Fim de Lizzie, ed. Biblioteca de Editores Independentes, nº 34, 2008, p. 133)

domingo, novembro 18, 2007

THOMAS BERNHARD NO CCB


A partir de hoje e até 16 de Dezembro Thomas Bernhard, o escritor austriaco que passava frequentemente por Portugal, estará em foco num ciclo que é dedicado à sua obra no CCB. Para hoje está prevista a inauguração de uma exposição, na galeria Mário Cesariny, sobre "Thomas Bernhard e as pessoas da sua vida". Um dos principais tradutores da obra de Bernhard para português, José A. Palma Caetano apresenta a conferência "Thomas Bernhard e Portugal", pelas 18 horas; às 21h00 a Companhia de Teatro de Almada lê a peça O Presidente. No dia 22 será apresentado o romance Correcção, editado pela Fim de Século; no dia 26 João Barrento apresentará outro livro de Thomas Bernhard, que será editado pela Assírio & Alvim: Derrubar Árvores. Nesse mesmo dia, pelas 21h00, Tiago Rodrigues lê O Náufrago e a seguir é exibido o filme Glenn Gould: Variações de Goldberg. Outras iniciativas acontecerão até 16 de Dezembro, mas será que Thomas Bernhard, iconoclasta e provocador, aceitaria este tipo de homenagens?