quinta-feira, outubro 01, 2009

PASCAL QUIGNARD


O aparelho de televisão que prescreve as modas e as sujeições era o seu inimigo pessoal. Aquele fundo sonoro divertia o sofrimento, adormecia a rebelião, desligava para sempre os que trabalhavam dos que governavam. O lugar medíocre dessa desconexão era o ecrã acinzentado rodeado de madeira de acaju: os políticos refractavam-se naquele pequeno espelho abaulado onde as massas procuravam seduzir-se. A sociedade expirava sobre aquele vidro leitoso. A vida social tornara-se uma abstracção sem lastro, sem corda de recurso para chamar, sem fim, onde o ideal já não era mais que um corante sarapintado na baixeza, onde a generosidade já não passava de um golpe publicitário de meio minuto.

Pascal Quignard, A Ocupação Americana, Quetzal, 1995, p. 69

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