sexta-feira, maio 06, 2011

A DITADURA ECONÓMICA



Os chamados mercados financeiros, comandados pelas agências de rating, com a ajuda da oposição que vetou o PEC IV, conseguiram instaurar uma ditadura em Portugal, 37 anos depois do derrube do Estado Novo. De facto, o que são as imposições feitas pela troika (FMI, BCE, CE) senão uma ditadura? Como pode o próximo governo governar se tem que se reger pelas imposições da troika? Mais: para que servem as próximas eleições se, como todas as sondagens apontam, o partido vencedor (PS ou PSD) não terá maioria, mas a troika exige que o próximo governo seja maioritário – e aqui surge um problema: como fazer com que Sócrates e Passos Coelho se entendam para a formação de um governo maioritário (um governo PSD + CDS possivelmente não terá maioria e um entendimento do PS com o BE e o PCP parece algo de completamente impossível). Perante este cenário, que o presidente da república nada fez para contrariar – antes parece ter fomentado – , Portugal, como já anteriormente a Grécia e a Irlanda, tornam-se alvos e reféns de uma determinada perspectiva economicista que está a minar as democracias parlamentares.
A economia, os mercados financeiros, a globalização estão a tornar as sociedades reféns de estúpidos critérios económicos onde lentamente as populações vão perdendo os seus direitos e as suas liberdades. São retrocessos civilizacionais num mundo idiota onde a única ideologia é o dinheiro acumulado por grandes empresas e empresários. E esse dinheiro, já incontável, de nada serve senão como afirmação de poder. Perante este “horror económico”, perante esta nova forma de ameaça à democracia chegou a hora de dizer BASTA. Mas um BASTA suficientemente sonoro que rompa os tímpanos da alta finança, que paralise a máquina financeira. Ou o mundo ocidental se congrega em força contra a nova ordem económica ou passamos todos a viver sob uma ditadura económica. Portugal já está nesta situação (juntamente com a Grécia e a Irlanda), outros países estão na mira das agências de rating.

terça-feira, abril 12, 2011

FMI


Hoje foi dia importante para o Silva e para o Coelho e restantes estarolas. Pena os foguetes que o Silva tinha preparado estarem molhados: o caniche da Carmelinda Pereira mijou neles. Hoje foi o dia tão esperado em que os senhores do FMI entraram em Portugal. “Que saudades eu tinha destes senhores. Vão pôr o povo em ordem”, disse Silva. “E eu vou poder despedir metade dos meus empregados e a outra metade reduzir os salários em metade” disse o Belmiro. “Pois é. Vamos ser todos mais felizes com o FMI. E eu finalmente vou ser primeiro-ministro, o meu grande sonho desde que fui desmamado. Onde estão os banqueiros?”, disse o Coelho.

terça-feira, março 15, 2011

A POLÍTICA SAIU À RUA











Sábado, 12, a política saiu à rua. Não foi uma manifestação de uma geração, foi a manifestação de muitas gerações. É rara esta espontaneidade, esta vontade de fazer da rua o lugar da política contra as instituições.

terça-feira, março 08, 2011

A CANÇÃO COMO ARMA HILARIANTE


Os Homens da Luta ganharam o Festival RTP da Canção. Algo escandaloso, que provocou o abandono da sala por parte de muitos espectadores. Mas, como salientaram Gel e Falâncio, foi o povo que votou - e o voto do povo veio desestabilizar a previsibilidade de um festival entre o nacional cançonetista e a música pimba. Os Homens da Luta não são cantores de intervenção como na sua altura foram José Afonso ou José Mário Branco. Os tempos são outros (mas muito parecidos com os de há 30 anos atrás), mas a canção de certa forma continua a ser uma arma – veja-se o caso dos Deolinda. Ao contrário de outros tempos a canção é uma arma hilariante: é pela ironia e pelo humor que hoje se pode intervir politicamente; é criando situações inesperadas (como os Homens da Luta já fizeram na últimas legislativas) que se conseguem efeitos políticos. Agora os Homens da Luta vão à Alemanha, mandar “a Merkel à merkel”.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

MILAN KUNDERA


Uma dezena de anos mais tarde, recentemente emigrado, conversava em França com um jovem que de repente me perguntou:«Gostas de Barthes?» Nesse tempo, já não era ingénuo. Sabia que estava a submeter-me a um exame. E também sabia que Roland Barthes já nessa altura figurava à cabeça de todas as listas de ouro. Respondi:«Com certeza que gosto. E gosto! Está com certeza a referir-se a Karl Barth, não é verdade? O criador da teologia negativa! Um génio! A obra de Kafka é inconcebível sem ele!» O meu examinador nunca ouvira o nome de Karl Barth mas, atendendo a que eu o relacionara com Kafka, o intocável dos intocáveis, nada mais tinha a dizer. A discussão derivou para outros temas. E eu fiquei contente com a minha resposta.

Milan Kundera, Um Encontro, D. Quixote, 2011, p. 56

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

PRAÇA THARIR


Nos últimos dias a Praça Tharir (Praça da Libertação) tem sido o ponto para onde convergem todos os manifestantes contra o regime de Mubarak. (Ontem apareceram os manifestantes pró-Mubarak, o que resultou em inevitáveis confrontos, com pelo menos 5 mortos e 800 feridos). A Praça Tharir, no Cairo, é o Egipto; é como se um país imenso se transformasse apenas numa praça, ai joga-se tudo politicamente. Dos edifícios junto à Praça da Libertação a comunicação social de todo o mundo observa a multidão, os confrontos. Como num teatro. Os militares assistem sem intervir.
Nestes dias a Praça Tharir tornou-se num misto de Agora grega e teatro. Aqueles que acedem à Praça transformam-se nos cidadãos, mas não os cidadãos como na antiga democracia grega que discutiam os assuntos da cidade. É através da sua presença física contra um regime fraudulento e ditatorial que os manifestantes se tornam cidadãos, homens e mulheres dispostos a tudo, inclusive a sacrificar as suas vidas. Fazer política num regime ditatorial implica arriscar o corpo (à tortura, às balas, ao cansaço, etc), é a vida de cada um que se joga. Foi assim em Tianamen há vinte anos, é agora – para já de forma diferente – na Praça Tharir.

segunda-feira, janeiro 31, 2011

Catarina Nunes de Almeida


Três moças cantavam d'amor
os braços debulhados dispostos no lençol.

A casa era um corpo
invertebrado.
Um bicho sem concha
à sombra das coxas mas moças
que d'amor cantavam

e sobrevoavam o linho
de pernas para o mar
uma de dentro da outra para dentro da outra

e trocavam de sapatos
e teciam véus e vulvas
como quem ensaia a perfeição de um delito.

***

Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago u eu vi andar
a las aves meu amigo.

Vamos carregadas de braços
lavrar as aves tardar nas aves
do meu amigo.

Vamos, irmã, vamos folgar
pingar com as aves
nós duas estreitas
para o amigo.

Vamos carregadas de noites
acender as aves pousar as aves
boca a boca
no amigo.

Catarina Nunes de Almeida, Bailias, Deriva, Porto, 2010, pp. 14 e 15.

Catarina Nunes de Almeida nasceu em Lisboa em 1982. Licenciada em Língua e Cultura Portuguesa pela FLUL, foi docente na Universidade de Pisa (Itália).Como poeta estreou-se com o livro Perfloração (Quasi, 2006) que obteve o Prémio de Poesia Daniel Faria e o Prémio do PEN Clube Português para a Primeira Obra. Em 2008 publicou A metarmofose das Plantas dos Pés (Deriva) e, no ano passado, Bailias (Deriva) que faz uma revisitação dos Cancioneiros medievais.