terça-feira, outubro 31, 2017

OUTUBRO REVOLTADO

1. A 1 deste mês Portugal ia a votos para as autarquias locais. Mas a consequência política dessas eleições foi a clamorosa derrota do PSD de Passos Coelho, que se viu forçado a convocar eleições para a liderança do partido. Assim se espera que termine a carreira do político que mais mal fez aos portugueses depois do 25 de Abril. Quanto ao PSD, deveria ser um partido com o mesmo destino do PAZOK na Grécia ou do Partido Socialista francês – e pelos resultados obtidos arrisca-se a transformar-se num partido insignificante. Pelo mal que o PSD de Passos Coelho fez a Portugal merece-o; no entanto, e apesar de os candidatos à liderança serem duas figuras que nada trazem de novo (Pedro Santana Lopes e Rui Rio), o PSD conta com boa imprensa o que o torna, num país como Portugal, difícil ou impossível de abater.
2. No mesmo dia em que Portugal elegia os seus autarcas, a Catalunha organizava um referendo, à rebelia das autoridades e da constituição espanhola, pelo sim ou não a um estado catalão independente. No meio de uma votação quase clandestina, com intervenções da polícia que fizeram centenas de feridos, acabou por naturalmente ganhar o sim com 90 por cento dos votos. No entanto, só metade dos eleitores votaram o que não dá legitimidade a este referendo convocado pelo governo independentista de Carles Puigdemont. O mês de Outubro foi dos mais tumultuosos para a Espanha e para a Catalunha desde a transição democrática, com Puigdemont a declarar a independência unilateral. O governo de Rajoy accionou o artigo 155 e o líder independentista fugiu para a Bélgica. O (primeiro) problema da independência da Catalunha reside na legitimidade democrática quando existem manifestações a favor da independência e outras a favor da manutenção da Catalunha no estado espanhol. Depois, há uma série de situações iguais à da Catalunha, quer em Espanha quer noutros países da Europa que poderão seguir o exemplo da Catalunha, redefinindo a geografia da Europa.
3. Ao fim de quase 3 anos depois da prisão preventiva de José Sócrates, o Ministério Público apresentou finalmente a acusação. O caso Sócrates, que agora é engrossado pelo alegado corruptor, o banqueiro Ricardo Salgado, e conta ainda com dois ex-CEO da PT, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, sofre de duas coisas que não deviam ser permitidas num Estado de direito: 1) a prisão durante meses do ex-primeiro-ministro para investigar e sem acusação e, 2) o tempo que demorou o MP a fazer essa acusação com sucessivos dilatamentos nos prazos, permitidos pela PGR, muito para além do que determina a lei.
4. Subitamente a 15 de Outubro, Domingo quentíssimo e com vento forte por todo o país, as sirenes dos carros de bombeiros dão o alarme: Portugal (pelo menos acima do Tejo) estava a arder. O fogo atiçado por ventos ciclónicos saltava por entre as matas cheias de vegetação, eucaliptos e pinheiros como um macabro dançarino. Ainda o país não se tinha refeito da tragédia de Pedrogão e o inferno voltava – 45 mortes a juntar às mais de 60 de Pedrogão. Nunca tal tragédia tinha acontecido em Portugal, apesar dos fogos recorrentes no verão. Mas agora já não estávamos sequer no verão. A questão politizou-se com a exigência – desde comentadores a manifestantes na rua ou nas redes sociais – da demissão da Ministra da Administração Interna. Afinal, soube-se depois da comunicação ao país de Marcelo Rebelo de Sousa, que indirectamente demitia a ministra, que esta já tinha pedido a demissão em Julho aquando da tragédia de Pedrogão. A politização desta desgraça acaba por ser algo vergonhoso quer para Marcelo como para Costa. Mas principalmente para o presidente da República que, no seu estilo irrequieto, passou a percorrer o Portugal queimado e na sua magistratura de afectos andou a distribuir abraços pelas vítimas dos incêndios. É como se o chefe de Estado se tornasse num terapeuta de uma dessas terapias new-age, mas sobretudo quisesse suspender a política, torná-la numa clínica, lugar despolitizado.
Penso que o que foi escamoteado na questão dos incêndios é bastante mais simples: o mundo está a sofrer graves alterações climáticas cujas consequências podem ser dramaticamente inesperadas. Só Donald Trump ignora esse facto. É certo que pouco ou nada se fez durante os últimos anos para ordenar a floresta – e nisto tanto os governos do PS como os do PSD têm culpa. Mas o que aconteceu este ano foi demasiado anormal, como é ainda anormal no final de Outubro estar uma temperatura de Agosto. As mudanças climáticas estão aí, não são uma narrativa de ficção-científica, são reais e temos que alterar o nosso modo de vida se não queremos destruir o planeta.

5. Em Outubro, pelo nosso calendário, há 100 anos, Lenine chegava à Rússia para por em prática uma nefasta utopia: o comunismo. As crianças deviam aprender na escola ou na família que as utopias, os desenhos totais (logo totalitários) de sociedades são algo de que se devem afastar; são qualquer coisa como o homem do saco. A concretização da teoria de Marx e Engels por Lenine na Rússia, em Outubro de 1917, foi o início de 100 anos de terror, torturas, mortes. Ainda hoje a Coreia do Norte da dinastia Kim é a prova disso, ameaçando não só os seus cidadãos mas todo o mundo com o seu arsenal nuclear. Como pode tanta generosidade transformar-se em algo absolutamente monstruoso? Esse homem novo, que ainda pouco depois do 25 de Abril de 1974 Carlos do Carmo cantava (lembro: “São os putos deste povo / a aprender o homem novo”) é a revelação de que antropológica e psicologicamente o homem continua a ser um monstro, um bárbaro, se para isso lhe derem possibilidades. E foram essas possibilidades que as revoluções comunistas trouxeram a alguns homens (?) durante o século XX (e ainda neste século). Algo que me espanta: que ao longo destes 100 anos algumas das cabeças mais brilhantes do pensamento tenham insistido na teoria marxista – e nenhuma teoria política foi tantas vezes experimentada e tantas vezes falhou (é certo que o capitalismo fez as suas vítimas, tem o seu lado negro, invisivelmente negro, mas isso não justifica que do outro lado da barricada ideológica o terror se tenha manifestado em tal grau de pureza).

sábado, setembro 30, 2017

A CRISE, AINDA

Resultado de imagem para alta finança
A crise que a finança mundial criou há 10 anos e que atingiu Portugal e os portugueses como nunca, ainda não acabou. Lamento, mas isto tem que ser dito. Têm que ser lembradas as vítimas da crise – as que morreram por suicídio, por falta de cuidados médicos –; as vidas despedaçadas (algumas até tinham bons empregos, ganhavam bem, mas ficaram na miséria, subitamente caídas num buraco negro). Há muito por investigar, muito trabalho para os historiadores futuros sobre esta crise. Mas não é difícil apontar os seus responsáveis: as agências de rating que criminosamente levaram Portugal para o lixo – literal e metafóricamente –; Passos Coelho e o seu governo neoliberal que quiseram ir além da troika; Angela Merkel ou Durão Barroso, que criaram uma Europa não democrática, que a partir de uma Alemanha que nunca deixou de ser nazi (veja-se como agora o resultado do partido AfD – cerca de 13 por cento – faz estalar o verniz que cobria o nazismo alemão), impuseram a via única (diziam) da miséria aos países do sul – os PIIGS (PORCOS, assim éramos chamados).
Mas a crise não acabou. Ela continua na vida de centenas de milhar de pessoas que não têm nenhum rendimento; continua nas reformas de miséria; na miséria do RSI; no “colossal aumento de impostos” que não foi revertido por este governo de esquerda. A crise continua, estacionou mansamente em vidas caladas pela depressão, pela miséria de vender o recheio da casa no olx, por uma oferta de trabalho precária, escrava. A crise permanece, apesar dos bons resultados económicos, de Portugal ter saído do lixo na classificação da Standard & Poors (o que é isso de uma agência rating chamar lixo à dívida de um país? Têm eles coragem de colocar os EUA abaixo de AAA?). A crise permanece no Estado social com os cortes a continuarem. Perante isto, os partidos de esquerda que sustentam este governo calam a permanência da crise, calam objectivos que eram urgentes como impor a renegociação da divida. Os média, vivem em crise (quanto tempo aguenta o grupo Impresa na família Balsemão?), directores de informação, como Paulo Dentinho na pública RTP, despedem mais de metade da redacção, em silêncio, substituída por jovens que sabem que existe um risco vermelho que não pode ser pisado. O resultado disto é uma nova censura: há demasiados licenciados em jornalismo e afins, por isso os jornalistas que se tornam incómodos podem ser despedidos, como aconteceu no Público.

Esta semana morreu o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, o bispo que em meados da década de 1980 denunciou a fome existente no seu distrito. Nessa altura, dez anos passados sobre o 25 de Abril, com o FMI em versão light em Portugal, era possível escutar e dar voz ao “bispo vermelho”, confirmar as suas denúncias. Estranhei a notícia da sua morte, porque há muito que não ouvia falar dele, pensei que já tivesse morrido. D. Manuel Martins tinha 90 anos, não sei em que condições de saúde estava, mas desde o início desta crise, há quase 7 anos, que a sua voz, o seu exemplo, tinha que ser censurado. Porque não se pode dizer HÁ FOME EM PORTUGAL.