A crise que a finança mundial criou há 10
anos e que atingiu Portugal e os portugueses como nunca, ainda não acabou.
Lamento, mas isto tem que ser dito. Têm que ser lembradas as vítimas da crise –
as que morreram por suicídio, por falta de cuidados médicos –; as vidas
despedaçadas (algumas até tinham bons empregos, ganhavam bem, mas ficaram na miséria,
subitamente caídas num buraco negro). Há muito por investigar, muito trabalho
para os historiadores futuros sobre esta crise. Mas não é difícil apontar os
seus responsáveis: as agências de rating que criminosamente levaram Portugal
para o lixo – literal e metafóricamente –; Passos Coelho e o seu governo
neoliberal que quiseram ir além da troika; Angela Merkel ou Durão Barroso, que criaram
uma Europa não democrática, que a partir de uma Alemanha que nunca deixou de
ser nazi (veja-se como agora o resultado do partido AfD – cerca de 13 por cento
– faz estalar o verniz que cobria o nazismo alemão), impuseram a via única
(diziam) da miséria aos países do sul – os PIIGS (PORCOS, assim éramos
chamados).
Mas a crise não acabou. Ela continua na vida
de centenas de milhar de pessoas que não têm nenhum rendimento; continua nas
reformas de miséria; na miséria do RSI; no “colossal aumento de impostos” que
não foi revertido por este governo de esquerda. A crise continua, estacionou
mansamente em vidas caladas pela depressão, pela miséria de vender o recheio da
casa no olx, por uma oferta de trabalho precária, escrava. A crise permanece,
apesar dos bons resultados económicos, de Portugal ter saído do lixo na
classificação da Standard & Poors (o que é isso de uma agência rating
chamar lixo à dívida de um país? Têm eles coragem de colocar os EUA abaixo de
AAA?). A crise permanece no Estado social com os cortes a continuarem. Perante
isto, os partidos de esquerda que sustentam este governo calam a permanência da
crise, calam objectivos que eram urgentes como impor a renegociação da divida.
Os média, vivem em crise (quanto tempo aguenta o grupo Impresa na família
Balsemão?), directores de informação, como Paulo Dentinho na pública RTP,
despedem mais de metade da redacção, em silêncio, substituída por jovens que
sabem que existe um risco vermelho que não pode ser pisado. O resultado disto é
uma nova censura: há demasiados licenciados em jornalismo e afins, por isso os
jornalistas que se tornam incómodos podem ser despedidos, como aconteceu no
Público.
Esta semana morreu o antigo bispo de Setúbal,
D. Manuel Martins, o bispo que em meados da década de 1980 denunciou a fome
existente no seu distrito. Nessa altura, dez anos passados sobre o 25 de Abril,
com o FMI em versão light em Portugal, era possível escutar e dar voz ao “bispo
vermelho”, confirmar as suas denúncias. Estranhei a notícia da sua morte,
porque há muito que não ouvia falar dele, pensei que já tivesse morrido. D.
Manuel Martins tinha 90 anos, não sei em que condições de saúde estava, mas
desde o início desta crise, há quase 7 anos, que a sua voz, o seu exemplo,
tinha que ser censurado. Porque não se pode dizer HÁ FOME EM PORTUGAL.
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