1. A 1 deste mês Portugal ia a votos para as
autarquias locais. Mas a consequência política dessas eleições foi a clamorosa
derrota do PSD de Passos Coelho, que se viu forçado a convocar eleições para a
liderança do partido. Assim se espera que termine a carreira do político que
mais mal fez aos portugueses depois do 25 de Abril. Quanto ao PSD, deveria ser
um partido com o mesmo destino do PAZOK na Grécia ou do Partido Socialista
francês – e pelos resultados obtidos arrisca-se a transformar-se num partido
insignificante. Pelo mal que o PSD de Passos Coelho fez a Portugal merece-o; no
entanto, e apesar de os candidatos à liderança serem duas figuras que nada
trazem de novo (Pedro Santana Lopes e Rui Rio), o PSD conta com boa imprensa o
que o torna, num país como Portugal, difícil ou impossível de abater.
2. No mesmo dia em que Portugal elegia os
seus autarcas, a Catalunha organizava um referendo, à rebelia das autoridades e
da constituição espanhola, pelo sim ou não a um estado catalão independente. No
meio de uma votação quase clandestina, com intervenções da polícia que fizeram
centenas de feridos, acabou por naturalmente ganhar o sim com 90 por cento dos
votos. No entanto, só metade dos eleitores votaram o que não dá legitimidade a
este referendo convocado pelo governo independentista de Carles Puigdemont. O
mês de Outubro foi dos mais tumultuosos para a Espanha e para a Catalunha desde
a transição democrática, com Puigdemont a declarar a independência unilateral.
O governo de Rajoy accionou o artigo 155 e o líder independentista fugiu para a
Bélgica. O (primeiro) problema da independência da Catalunha reside na legitimidade
democrática quando existem manifestações a favor da independência e outras a
favor da manutenção da Catalunha no estado espanhol. Depois, há uma série de
situações iguais à da Catalunha, quer em Espanha quer noutros países da Europa
que poderão seguir o exemplo da Catalunha, redefinindo a geografia da Europa.
3. Ao fim de quase 3 anos depois da prisão
preventiva de José Sócrates, o Ministério Público apresentou finalmente a
acusação. O caso Sócrates, que agora é engrossado pelo alegado corruptor, o
banqueiro Ricardo Salgado, e conta ainda com dois ex-CEO da PT, Henrique
Granadeiro e Zeinal Bava, sofre de duas coisas que não deviam ser permitidas
num Estado de direito: 1) a prisão durante meses do ex-primeiro-ministro para
investigar e sem acusação e, 2) o tempo que demorou o MP a fazer essa acusação
com sucessivos dilatamentos nos prazos, permitidos pela PGR, muito para além do
que determina a lei.
4. Subitamente a 15 de Outubro, Domingo
quentíssimo e com vento forte por todo o país, as sirenes dos carros de
bombeiros dão o alarme: Portugal (pelo menos acima do Tejo) estava a arder. O
fogo atiçado por ventos ciclónicos saltava por entre as matas cheias de
vegetação, eucaliptos e pinheiros como um macabro dançarino. Ainda o país não
se tinha refeito da tragédia de Pedrogão e o inferno voltava – 45 mortes a
juntar às mais de 60 de Pedrogão. Nunca tal tragédia tinha acontecido em
Portugal, apesar dos fogos recorrentes no verão. Mas agora já não estávamos sequer
no verão. A questão politizou-se com a exigência – desde comentadores a
manifestantes na rua ou nas redes sociais – da demissão da Ministra da
Administração Interna. Afinal, soube-se depois da comunicação ao país de
Marcelo Rebelo de Sousa, que indirectamente demitia a ministra, que esta já
tinha pedido a demissão em Julho aquando da tragédia de Pedrogão. A politização
desta desgraça acaba por ser algo vergonhoso quer para Marcelo como para Costa.
Mas principalmente para o presidente da República que, no seu estilo irrequieto,
passou a percorrer o Portugal queimado e na sua magistratura de afectos andou a
distribuir abraços pelas vítimas dos incêndios. É como se o chefe de Estado se
tornasse num terapeuta de uma dessas terapias new-age, mas sobretudo quisesse
suspender a política, torná-la numa clínica, lugar despolitizado.
Penso que o que foi escamoteado na questão
dos incêndios é bastante mais simples: o mundo está a sofrer graves alterações
climáticas cujas consequências podem ser dramaticamente inesperadas. Só Donald
Trump ignora esse facto. É certo que pouco ou nada se fez durante os últimos anos
para ordenar a floresta – e nisto tanto os governos do PS como os do PSD têm
culpa. Mas o que aconteceu este ano foi demasiado anormal, como é ainda anormal
no final de Outubro estar uma temperatura de Agosto. As mudanças climáticas
estão aí, não são uma narrativa de ficção-científica, são reais e temos que
alterar o nosso modo de vida se não queremos destruir o planeta.
5. Em Outubro, pelo nosso calendário, há 100
anos, Lenine chegava à Rússia para por em prática uma nefasta utopia: o
comunismo. As crianças deviam aprender na escola ou na família que as utopias,
os desenhos totais (logo totalitários) de sociedades são algo de que se devem
afastar; são qualquer coisa como o homem do saco. A concretização da teoria de
Marx e Engels por Lenine na Rússia, em Outubro de 1917, foi o início de 100 anos
de terror, torturas, mortes. Ainda hoje a Coreia do Norte da dinastia Kim é a
prova disso, ameaçando não só os seus cidadãos mas todo o mundo com o seu
arsenal nuclear. Como pode tanta generosidade transformar-se em algo
absolutamente monstruoso? Esse homem novo, que ainda pouco depois do 25 de
Abril de 1974 Carlos do Carmo cantava (lembro: “São os putos deste povo / a
aprender o homem novo”) é a revelação de que antropológica e psicologicamente o
homem continua a ser um monstro, um bárbaro, se para isso lhe derem
possibilidades. E foram essas possibilidades que as revoluções comunistas
trouxeram a alguns homens (?) durante o século XX (e ainda neste século). Algo
que me espanta: que ao longo destes 100 anos algumas das cabeças mais
brilhantes do pensamento tenham insistido na teoria marxista – e nenhuma teoria
política foi tantas vezes experimentada e tantas vezes falhou (é certo que o
capitalismo fez as suas vítimas, tem o seu lado negro, invisivelmente negro,
mas isso não justifica que do outro lado da barricada ideológica o terror se
tenha manifestado em tal grau de pureza).
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