terça-feira, novembro 28, 2006
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas de neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam do esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gêlo
como se de gêlo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro negro e verde
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny, Pena Capital, Assírio & Alvim, 1982
domingo, novembro 26, 2006
MÁRIO CESARINY (1923-2006)



O QUE NÃO SE CHAMAVA ASSIM
Entre nós e as palavras há metal fundente
A revolução surrealista falhou há muito, aliás conotar Cesariny com o surrealismo bretoniano será um erro. Se de alguém Mário Cesariny (de Vasconcelos) estava próximo era de Antonin Artaud. Mas isso são outras contas. Contas do rosário da história da literatura, das minudências comparativistas. Acabam sempre por ser simples papéis ao vento perante o peso de uma obra poética onde habitam alguns dos maiores poemas da poesia portuguesa do século XX, e alguns dos principais versos dessa mesma poesia deveriam ser gravados a "metal fundente" por cima das porcas imagens dos placards publicitários.
Cesariny foi pouco amado e muito rotulado. Pelos literatos, e pela polícia por quem foi perseguido e tratado como uma puta. Surrealista e homossexual foram os rótulos de que os sistemas literários e político-políciais se serviram para arrumar a sua obra. Deixou-nos um aviso: eu vou nascer feliz numa cidade futura.
domingo, novembro 19, 2006
A AGONIA DO JORNALISMO

sexta-feira, novembro 17, 2006
sábado, novembro 11, 2006
PASOLINI #1: Sobre o 25 de Abril

quinta-feira, novembro 09, 2006
Artur Schopenhauer

O Estado não é mais do que o açaimo cujo fim é tornar inofensivo esse animal carnívoro que é o homem, e dar-lhe o aspecto de um hervívoro.
terça-feira, novembro 07, 2006
Maio de 68 na Sargadelos

sexta-feira, novembro 03, 2006
A BANCA QUE ROUBA

REVISTA DA IMPRENSA (DE ONTEM)
quarta-feira, novembro 01, 2006
LEVI CONDINHO
toda esta falta de viver
juro uma treva um nó de madeira obsessivo
uma mancha de podridão na abóbora
ou no pepino enroscado na terra aguada
juro uma unha roxa no rouxinol amado
um ponto negro nas tuas nádegas de concurso
um baque no peito uma recus no planeta mais visível
juro o estalar da pedra nas patas do sardão
juro o próprio sardão
juro os teus mamilos na raiva do silêncio
juro o bornal apodrecido de Kerouac em Bordéus
onde a viagem morreu na baiúca do vinho
juro o vinho (a) martelo no resvés das pedras calcárias
basalto cilício cortiço de zângões
juro as águas de velhas torneiras ferrugentas
e palavras e signos e símbolos sublimes
odeio Céline do meu lado esquerdo
e amo Céline do meu lado direito
ficando por cima como arcanjo astuto
juro mordendo este copo esta trégua este luxo
este ser disponível para tudo abrir
caixa de veludo calo do mindinho erva de plantar
no jardim falido de um ânus loiro profundo