[...] Há no entanto casos como o de Portugal, que tinha de deixar de ser uma nação severa, somítica, arcaica: resumindo, tinha de ser lançada no grande universo do consumo. Assim, provavelmente a América obrigou Spínola e Caetano a entenderem-se. Dos dois o pior fascista «real» é Spínola (que aliás me dizem ter combatido outrora com uma formação portuguesa ao lado das SS) porque considero pior o totalitarismo do capitalismo de consumo do que o totalitarismo do velho poder. De facto - que coincidência! - o totalitarismo do velho poder não conseguiu sequer beliscar o povo português: demonstra-o o 1º de Maio. O povo português festejou o mundo do Trabalho - ao cabo de quarenta anos sem o fazer - com uma frescura, um entusiasmo e uma sinceridade absolutamente intactas, como se a última vez tivesse sido ontem. É de prever contudo que cinco anos de «fascismo consumista» irão mudar radicalmente as coisas: começará também o aburguesamento sistemático do povo português, e já não haverá espaço nem ânimo para as ingénuas esperanças revolucionárias.
Pier Paolo Pasolini, Escritos Corsários, Cartas Luteranas: uma antologia, Assírio & Alvim, 2006, p. 56. Orig. entrevista ao Il Mondo, 11 de Junho de 1974.
Sem comentários:
Enviar um comentário