INDECISÃO
O excesso dos sentimentos - a perda,
o desejo - é nocivo para o poeta.
Por isso ele se distância de si mesmo,
depois observa-se da outra margem do rio;
tenta então dominar o fluir das palavras.
As paixões são necessárias ao surgir
da linguagem e à poesia; mas se queimam
a mente e o coração, perturbam o espírito do
poeta e ele cala-se. Sem medida nem
peso, sem limites marcados, perdemo-nos
na extensão do vazio. Para aquele
que se encontrou consigo mesmo o
amor que já não é, deixa de ser e não
se transforma em nostalgia inútil; e o
amor que ainda não cresceu imobiliza-se
na sua indecisão.
Sozinho em casa, no refúgio do espírito,
o poeta aprende a respirar. Aguarda
a chegada da noite profunda e
recorda-se dos anos em que teve família
e foi feliz, há tanto, tanto tempo já.
João Camilo, Elogio do Silêncio, Casa do Sul Editora, 2005, pp. 75-76.
João Camilo nasceu em 1943. É desde 1975 autor de livros na área da ficção, ensaio e predominantemente poesia, onde o sujeito lírico se ocupa do quotidiano. Tem leccionado em várias universidades estrangeiras. Recentemente publicou o ensaio Reflexões Sobre a Poesia (edição Do lado esquerdo).