Eduardo Prado Coelho (EPC) foi,
principalmente nos anos 1980 e 1990 e ainda no início deste século, o
intelectual por excelência. Sendo também professor universitário, não era, no
entanto, um académico fechado na produção de papers para os seus pares.
O seu mundo era muito mais cosmopolita que o mundo por vezes fechado e
compartimentado da universidade. Era um mundo de vastos interesses: da
literatura (contemplando a poesia, o romance, o ensaio), da política (sobre a
qual fez análise, mas também participou através da escrita, da militância e de
cargos que ocupou), do cinema ou das ciências da comunicação – área onde
leccionou, mas também da polémica que por vezes alimentava, outras extinguia. Era,
essencialmente, um ensaísta que encontrou nas páginas do jornal Público, durante
17 anos, um lugar de prazer para si e para os seus leitores. Porque EPC foi o
que se pode considerar como o último intelectual (português): pelas temáticas
que abordava, pela forma como se tornou numa autoridade que tanto falava com
espantosa à-vontade sobre a poesia de determinado autor, como deslizava para um
comentário político, ou contava uma história passada com a sua amiga Marguerite
Duras. Em quase todas as suas intervenções, escritas ou orais (várias vezes era
requisitado para falar de algo na televisão), acrescentava algo de novo. A sua
crónica semanal – e também a diária –, no suplemento cultural do jornal Público
acabou por se tornar única numa altura em que os jornais portugueses já não
tinham suplementos literários que convocassem essa figura do intelectual para
as suas páginas, como aconteceu noutras alturas com jornais como O Comércio do
Porto ou O Primeiro de Janeiro (meados do século XX, para referir apenas dois
jornais da cidade do Porto).
Filho do também professor universitário e
ensaísta Jacinto Prado Coelho, Eduardo nasce em Lisboa em 1944. Em 1967 já o
podemos encontrar a escrever recensões no Diário de Lisboa, e nesse ano
organiza uma antologia de textos teóricos sobre o estruturalismo. O primeiro
livro escrito pelo seu punho, O Reino Flutuante, é publicado em 1972.
Durante o PREC filia-se no Partido Comunista, e publica o livro Hipóteses de
Abril (1975); colabora com a RTP onde é autor de vários programas. Em 1982
publica a sua tese de doutoramento, Os Universos da Crítica, uma
aplicação do conceito de paradigma de Thomas Kuhan aos estudos literários, e um
ano mais tarde saí um livro sobre o cinema português: Vinte Anos de Cinema
Português:1962-1982. Embora afirme, numa entrevista à RTP, em 2004, que
gostaria de ter tempo para escrever romances, a sua incursão mais funda como
criador literário será o diário que escreveu aquando da sua residência em Paris
como adido cultural da embaixada portuguesa, Tudo o Que Não Escrevi
(1992, 2 volumes).
Apesar de em 2004 ter publicado cinco livros
– entre os quais uma antologia das crónicas que publicou quase diariamente no
Público (Crónicas no Fio do Horizonte) – a obra de EPC tem vindo a ser
publicada pela Imprensa Nacional desde 2010. Sob a organização de Margarida
Lages, foram até 2023 publicados cinco volumes da Biblioteca Eduardo Prado
Coelho. Desses cinco volumes, dois são reedições das obras: A Mecânica dos
Fluídos (1984/2012) e Os Universos da Crítica (1982/2015); um outro
– A Poesia Ensina a Cair (2010) – estava já preparado por EPC, antes
deste falecer em 2007. Os dois volumes que podemos considerar organizados por
Margarida Lages são Crónicas – Política e Cultura (2019) e Jogos
Infinitos – Ensaio e Crítica (2023). É sobre este último volume que
aqui escrevo algumas notas de leitura.
Importa, sobretudo para o leitor que não leu
E. Prado Coelho, citar o autor na sua introdução a A Poesia Ensina a Cair:
“Embora traga o meu nome associado ao estruturalismo, não tive nunca uma
abordagem secamente estrutural. Sempre me deixei afectar por uma linguagem que
não chegava a ser poema – por incapacidade minha –, mas que se instituía como
crítica em que a poesia estava sempre presente.” Ora, esta citação resume bem o
estilo de Prado Coelho: uma linguagem que vai do poético à teoria. É essa
linguagem poética que permite seduzir o leitor, limpar a aridez da teoria. Pois
por estes Jogos Infinitos – título e texto desde logo poético – passam
nomes da filosofia, das ciências sociais e da literatura: José Miguel Silva,
Filomena Silvado, Maria Filomena Molder, Blanchot, Deleuze, Derrida, Foucault,
Silvina Rodrigues Lopes, Bernard Stiegler, Guy Debord, Kant, Agamben, Isabel
Allegro Magalhães, Nietzsche, Vergílio Ferreira, João Barrento ou Sartre, entre
outros. No final do livro existe um índice onomástico de cinco páginas. Ou
temas como a crítica entre a ética e a estética, o jogo, a modernidade e a pós-modernidade,
a fotografia, a “sociedade do espectáculo”, a técnica, Portugal, a tradução, a
dor ou um ensaio, “situações de infinito” – cujo título será aproveitado para
um outro livro –, que parte de uma frase de Vergílio Ferreira, “Da minha língua
vê-se o mar”, para construir uma série de variações.
A organização de uma obra como a de Eduardo
Prado Coelho pode ser uma tarefa quase ciclópica (o mesmo acontecendo com a de
Eduardo Lourenço, que tem vindo a ser publicada pela Fundação Gulbenkian). No
entanto, não se percebe que critérios presidem a essa organização e publicação.
EPC escreveu centenas de crónicas no Público; escreveu mais de duas dezenas de
livros, terá artigos publicados noutros jornais, em prefácios, em revistas
académicas, etc. O critério da Biblioteca Eduardo Prado Coelho parece ser antológico
– quer quanto aos textos quer quanto aos livros a reeditar. Mas será mesmo?
Haverá um critério?
A
organização de Margarida Lages peca por alguns erros um pouco irritantes: na
introdução escreve a organizadora que “(…) os textos se encontram na sua
maioria publicados no jornal Público. Quando tal não acontece, a referência
encontra-se no final de cada crónica ou artigo” (p. 8). Ora, não existe nenhuma
indicação no final de textos que não foram publicados no Público. Também os
textos não se encontram datados; as “notas de rodapé”, por vezes são escassas,
outras vezes estão a mais. Ainda uma referência para a bibliografia que
Margarida Lages decidiu incluir no final do volume e que não faz qualquer
sentido, a não ser o querer uma legitimidade académica para uma obra que nada
deve à academia, antes pelo contrário.