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quinta-feira, junho 29, 2017

ELOGIO DAS LÁGRIMAS DE CONSTANÇA

Desde a Idade Média que as lágrimas são um dom. A modernidade, com a sua racionalidade, tentará calar manifestações emotivas: lágrimas, prantos, carpideiras. Hoje vive-se uma ambivalência: se por um lado a psicologia fala em inteligência emocional, a televisão é “emoção e espectáculo”; por outro permanece uma atitude, herdeira de um positivismo, que condena a expressão do dom das lágrimas – “um homem não chora”. E se um homem não chora, pelo menos em público, uma mulher que hoje ocupa lugares públicos também não chora. Para muitas/os seria uma fraqueza, uma indignidade na igualdade de género.
Na política, de Margaret Thatcher a Angela Merkel temos vários exemplos de mulheres que adoptaram uma postura masculina, ou uma caricatura de uma posição masculina. Aliás, é difícil encontrar uma mulher, na actividade política, que tome uma posição feminina, podendo-nos interrogarmos sobre o que é a feminilidade em política. É o género independente da ideologia? Não me parece.
Um ou outro caso sai fora da regra. Penso no caso da Ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa. Não será na atitude política que Constança marca a diferença – aliás difícil numa pasta como a administração interna –, mas será na postura. Podem considerar a emotividade, traduzida nas lágrimas de Constança, como algo kitsch, como um sinal de fraqueza ou até como uma imitação exagerada da atitude política de Marcelo Rebelo de Sousa. Pode-se ainda pensar que as lágrimas de Constança Urbano de Sousa são de actriz, que são usadas para proveito político. Não me parece que estejamos perante qualquer destas hipóteses cínicas. Creio que as lágrimas de Constança perante a tragédia de Pedrogão Grande, são genuínas. Aliás, não é a primeira vez que a ministra se emociona em público.
O grande repórter Ryszard Kapuściński dizia que o jornalismo não era profissão para cínicos. Mas o que mais encontramos no jornalismo é cinismo: o cinismo dos directores de informação que se aproveitam das grandes tragédias para aumentar as audiências. Passaram já quase duas semanas sobre o trágico fogo de Pedrogão Grande, e os meios de comunicação social ainda não se calaram sobre quem teve a culpa das 64 vítimas mortais. PSD e CDS-PP agarraram-se ao caso, esquecendo que a existir culpas eles também são culpados porque passaram nos últimos 15 anos por dois governos. Enfim, se o jornalismo é muitas vezes cínico, mais vezes é a política partidária em que vivemos.

Mas no caso de Constança Urbano de Sousa parece existir uma genuinidade política que se embrenha com a vida das pessoas. Só assim se compreendem as lágrimas de Constança: ela tomou os mortos de Pedrogão como seus mortos, por isso disse ontem no Parlamento que aquele Sábado tinha sido o “momento mais difícil” da sua vida. Este tipo de política é estranho e pode causar confusão em quem anda na política. Mas é de políticos como estes que precisamos para uma nova política, uma política da imanência, uma política que verdadeiramente sirva as pessoas. 

quarta-feira, maio 31, 2017

FRANÇA: DEMOCRACIA EM ESTADO DE SÍTIO


Resultado de imagem para bandeira francesa rasgada       Desde o ataque terrorista de Novembro de 2015 que a França está sob estado de emergência. O estado de emergência foi prolongado por cinco vezes pelo presidente Hollande. Agora, o novo presidente francês, Emmanuel Macron, prepara-se para pedir ao parlamento o prolongamento do estado de emergência pela sexta vez. A França está há mais de 18 meses em estado de emergência, o que condiciona gravemente a democracia francesa. Ontem, a Amnistia Internacional divulgou um relatório onde aponta o uso político do estado de emergência: “medidas de emergência destinadas a proteger o povo francês da ameaça do terrorismo estão, em vez disso, a ser usadas para restringir o seu direito de protestar pacificamente", lê-se no relatório da Amnistia Internacional (AI).
Tudo isto é demasiado grave. E, no entanto, com excepção de um ou outro órgão de comunicação social (Lusa, DN, TSF, Antena 1), este relatório da AI passou ao lado da agenda dos meios de comunicação social (como se estes precisassem do relatório da AI para fazer o seu trabalho). Durante a campanha e durante as eleições, a França estava sob estado de emergência, e esse facto, aparentemente simbólico, foi escamoteado pelos média. O perigo, nas eleições presidenciais francesas, segundo os comentadores, residia em Marine Le Pen e Jean-Luc Melonchon, nos extremos da direita e da esquerda, respectivamente. Mas o perigo, para a democracia, não está só na fascista, xenófoba e racista Marine Le Pen, também está no centro, em Hollande e agora em Macron.
Custa ver como um país de tradições democráticas e de protesto como a França, tem vivido em estado de sítio, como se se tratasse de uma república da América Latina. Mas não, é a França, no centro da Europa civilizada; a França dos grandes movimentos artísticos do século XX, a França da Comuna, a França do Maio de 68, e é certo, a França que cedeu à ocupação nazi, mas também a outra França que resistiu a essa ocupação.
A França laica, a França da “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, cede ao terrorismo radical islâmico. Pior: os seus medíocres e mesquinhos políticos aproveitam-se de um ataque terrorista para fazer o que os terroristas querem: aniquilar a democracia. Que democracia resta nesta França em estado de emergência há mais de ano e meio? Que França resta com a democracia sitiada?   

domingo, abril 30, 2017

AS VINHAS DA IRA










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As Vinhas da Ira é um romance de John Steinbeck que teve adaptação cinematográfica de John Ford. O livro e o filme relatam, e de certa forma testemunham, a vida no campo depois da grande depressão de 1929. Até 2008 e à falência de um importante banco norte-americano, a grande depressão de 1929 era um marco histórico, algo que pairava sobre a economia e os mercados como uma assombração, algo que não podia voltar a acontecer. Mas aconteceu, e ainda está a acontecer. A partir de 2008 deixou-se de falar da grande depressão de 1929 – afinal os tempos eram outros. Estes tempos que vivemos são tempos de recalcamento, de varrer para debaixo do tapete o que é importuno. O que se constata é que em países como Portugal, que foi dos que mais sofreram com as consequências da crise económica iniciada em 2008, praticamente não existem narrativas dessa mesma crise. Nem a nível jornalístico, nem a nível artístico. É como se existisse uma censura interna – ou será mesmo uma censura externa de forma subtil? A verdade é que as empresas de comunicação social, mesmo as que ainda dão lucro, têm despedido dezenas, ou mesmo centenas, de jornalistas. Que liberdade sobra para o actual jornalismo fazer o devido relato da crise? Quanto à vertente artística é mais difícil de perceber. Escritores, cineastas, músicos, encenadores, apenas por vezes têm esboçado gestos tímidos. Os novos músicos, com uma ou outra excepção parecem ter medo que lhes fique colado o rótulo de cantores de intervenção; os cineastas que estão mais perto de estética do real, como João Canijo, preferem temas como Fátima; os escritores e poetas, também com uma ou outra excepção, continuam como se nada se passasse à sua volta, numa torre de marfim. A crise e suas consequências na vida das pessoas parece ficar sem relato, sem testemunho. Mas urge insistir, perguntar: porque não temos nós as nossas Vinhas da Ira?

sexta-feira, março 31, 2017

A ESCUMALHA BANCÁRIA



 
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No início deste século, e nos anos posteriores, o sector bancário era dos que mais investia em publicidade nos meios de comunicação social. Existia crédito para tudo, e os clientes dos bancos quase eram forçados a contrair crédito. A banca vivia à fartazana dos lucros dos créditos que tinha imposto às pessoas. E a economia não ia mal. Eram ainda tempos de vacas gordas. Mas sobretudo importa sublinhar que nesses tempos os bancos, através da concessão de crédito para compra de casa, carro, ou outros tipos de consumo, se foram apoderando da vida das pessoas.
Foi algo que aconteceu não só em Portugal mas em quase todos os países capitalistas, a começar, naturalmente, pelos Estados Unidos. Desta forma selvagem de concessão de crédito, mas também de criar agressivos produtos bancários, nasceu a crise do sub-prime com a consequente falência do banco de investimentos Lemham Brothers. Iniciou-se, em 2008, a crise financeira.
Durante o período pré e pós-crise, os banqueiros cometeram todo o tipo de atropelos legais (para não falar dos éticos) que puseram em causa a sustentabilidade dos bancos por eles geridos. É assim que o BPN vai falir, ao qual se vão juntar o BPP, o BES (tido como um dos principais bancos portugueses e o mais antigo), o Banif… A lista pode não acabar aqui. Todo o sistema bancário ficou abalado. Mas o fundamental disto tudo é que quem pagou a factura de toda esta malvadez e incompetência foram os contribuintes. Em Dezembro de 2015 o Diário de Notícias estimava em 13 mil milhões de euros (7,3 por cento do PIB) o dinheiro que o Estado português (ou seja, os portugueses) deu para salvar bancos. O período contabilizado vai de 2007 a 2015, e o valor já terá aumentado com a recapitalização da CGD.
Neste antro de crimes em que se envolveram os banqueiros, apenas um esteve em prisão: Oliveira e Costa presidente do BPN, onde avultavam ex-ministros de governos de Cavaco Silva. Alguns, como Dias Loureiro, desapareceram de circulação, outros foram constituídos arguidos, como o “Dono Disto Tudo” Ricardo Salgado, que o máximo que teve foi prisão domiciliária. Estranha-se que os mesmos juízes que prendem políticos preventivamente por indícios, sejam tão brandos quando se trata de banqueiros.
***
Alguém me contava que por volta de 1950 (?), um homem rico, o que então era designado como proprietário rural, ao morrer, tinha em casa 4 mil contos. Para a época era bastante dinheiro. É claro que já existiam bancos, mas o dinheiro que passava por eles era em muito menor escala (percentual) ao que acontece hoje: para quê ter o dinheiro num banco? Hoje toda a economia, mesmo a economia paralela, passa pelos bancos. As pessoas vivem, de certo modo sem consciência disso, reféns dos bancos. O ordenado de um trabalhador – quer seja o salário mínimo ou o do gestor de uma empresa – passa pela banca. E no entanto, neste momento, não há razão para as pessoas terem dinheiro no banco (com excepção das grandes fortunas): os bancos aumentaram as comissões que constituem 40 por cento do seu rendimento e os juros estão a zero. Se a banca não serve para emprestar dinheiro, em condições razoáveis, quando as pessoas precisam, nem para obter ganhos através de poupanças, para que serve a banca? Porque não começar a pensar em extinguir a banca como programa político? Ou, pelo menos, estabelecer um caderno de encargos que se os bancos não os cumprissem implicariam a sua passagem para o Estado ou a sua extinção.
Porque, o que a banca fez nos últimos anos foi destruir a vida de milhares de pessoas. Pessoas que alinharam no canto da sereia do marketing bancário, pessoas que de facto precisavam de uma habitação com dignidade, tal como a nossa Constituição estabelece. Pessoas que de repente ficaram sem emprego, na cavalgada da crise pela ideologia do capitalismo selvagem neoliberal. Pessoas que deixaram de puder pagar a prestação da casa (ou de outros bens) ao banco, e que de repente ficaram sem casa. Curiosamente, ou talvez não, dessas vítimas da crise não houve notícia, nem reportagens nos meios de comunicação social. Enfim, destas vítimas dos bancos e da finança internacional que atacou Portugal e o sul da Europa, não há ainda uma narrativa – jornalística ou literária ou fílmica –, como as Vinhas da Ira de Steinbeck, entre outras narrativas, para a grande depressão de 1929.
Eis o duplo crime da escumalha banqueira: arruinar os bancos que geriam levando a que os contribuintes, através do Estado, dessem quantias astronómicas para salvar esses bancos; levar ao desespero, à miséria, à depressão, ao sem-abrigo milhares de pessoas. E tudo isto feito impunemente, com a subserviência da política perante a banca.

terça-feira, novembro 29, 2016

UM PALHAÇO NA CASA BRANCA

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E de repente, na noite eleitoral americana de 8 de novembro, tudo mudou. O impossível, que era completamente possível mas os média não queriam ver, aconteceu: Donald Trump ganhou a corrida à casa branca como a tartaruga ganhou à lebre. A Europa não percebeu como foi possível a derrota de Hillary Clinton – nem ela percebeu. O escândalo ainda dura. Os próximos quatro anos podem ser perigosos para o mundo com um palhaço de implante capilar esquisito à frente do mais importante país do mundo. Como foi possível, continuam a interrogar-se os americanos bem-pensantes. Donald Trump tinha tudo contra ele: desde as sondagens que davam a vitória à senhora Clinton, até todos os disparates xenófobos, racistas e sexistas que afirmou durante a campanha. Para além disso Trump é um homem de negócios, sem experiência política – o que vai ele fazer na casa branca? Como é possível que alguém tão patético como Trump seja presidente dos Estados Unidos? Como pode um palhaço ter o código do maior arsenal nuclear do mundo? Enfim, multiplicam-se as interrogações. Mas embora a maioria dos americanos não tenha votado nele – Trump ganhou porque o sistema antiquado e imperfeito, mas tão valorizado pelos europeus, da democracia americana assim o permite –, demasiados americanos votaram nele. Porquê? Porquê tanta gente a aderir a um discurso como o de Trump depois de há quatro anos terem reelegido Barak Obama? A pergunta parece não ter resposta. Ainda mais se a tudo isto juntarmos o facto dos média norte-americanos (e claro, dos europeus) estarem a favor Hillary Clinton. Perante este último facto, parece-me estarmos frente a uma estranha desobediência mediática colectiva. Ou seja, muitos eleitores votaram contra as elites. O problema é que as elites não parecem perceber que são um problema – é contra elas que aparecem os discursos populistas. E o problema real que o mundo vai enfrentar, com ou sem elites, com ou sem populismo é o de ter Donald Trump na Casa Branca.

domingo, outubro 30, 2016

A GERINÇONÇA OU “O QUE ELES QUEREM É TACHO”



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A solução de um governo de esquerda, inédita na democracia portuguesa de governos constitucionais, a que Paulo Portas chamou “geringonça”, leva quase um ano à frente do país. É certo que é um governo PS, em que o Bloco e o PCP apenas dão o apoio parlamentar, mas mesmo assim não deixa de ser inédita esta geringonça. Mas a questão fundamental reside em saber em quê este governo mudou o país nestes quase doze meses. Havia muito a esperar de um governo PS, e muito mais de um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP. Esperava-se que as medidas draconianas impostas pelo governo anterior de Passos Coelho fossem invertidas, principalmente a nível das políticas fiscais. Ora nada disso aconteceu: o colossal aumento de impostos, anunciado pelo então ministro das finanças Vítor Gaspar, continua em vigor, sem que os escalões de IRS sejam alterados. Na verdade, o governo de António Costa criou mais impostos a juntar aos que tinham sido inventados pelo governo PSD/CDS.  Este governo, com o apoio da chamada esquerda radical tem vivido de uma ou outra reposição que em nada muda a crise criada pelos especuladores do grande capital com a ajuda de uma direita neoliberal traidora de Portugal. Essa direita que quis prescindir da soberania nacional para entregar o país a uma troika de interesses capitalista. E as pessoas, que deviam ser o cerne de um governo, que se lixem.
O certo é que a crise continua, a dívida externa não diminuiu, o desemprego se baixou foi à custa de medidas criadas pelos centros de emprego para riscar os desempregados que não cumprem as ordens atentatórias da sua dignidade. As prestações sociais, como o RSI continuam em valores indignos; há pessoas – algumas centenas, pelo menos – cujo rendimento é zero, vivendo da ajuda e dependência de familiares ou amigos. O país não recuperou do empobrecimento imposto pelo governo de Passos Coelho e pela troika.
Perante isto o Bloco de Esquerda e o PCP, cuja atitude até aqui tinha sido sempre crítica de tudo, murcharam. Vão tecendo uma ou outra crítica, mas no essencial apoiam o governo de António Costa, com uma disciplina militar. BE e PCP estão por isso irreconhecíveis. E assim a geringonça funciona, perante uma oposição impotente que é responsável pela criação da crise que vivemos.
Porque mesmo que a palavra crise tenha deixado de ser usada no discurso mediático, é esse o sentimento que continua a vigorar entre os portugueses – o país continua em crise. A direita fez tudo para que a crise se instalasse na cabeça das pessoas, e por consequência na economia real. Conseguiu. Graças ao governo Passos Coelho, instalou-se uma mentalidade austeritária em Portugal que prolonga a anemia económica. É uma mentalidade salazarenta que mostra que o ditador ficou entranhado no país como uma nódoa.
Volto à geringonça. O que ela mostra são duas coisas essenciais: 1) que mesmo entre partidos da chamada esquerda radical, Bloco de Esquerda e PCP, que tinham uma atitude essencialmente crítica, chega uma altura em que a sede do poder é maior. E para isso estão dispostos a engolir sapos, a abdicar das soluções que apresentavam (como a renegociação da dívida) em favor de um lugar ao lado do poder que talvez, se a solução geringonça funcionar, pode vir a tornar-se num lugar no poder, uma cadeira no governo. Como a história do Bloco prova, na política nunca se pode ser eternamente Peter Pan. 2) Não correspondendo esta solução a uma real melhoria da vida dos portugueses, e agora que todos os partidos com representação parlamentar passaram pelo poder, sem apresentarem soluções para a vida das pessoas, mas sobretudo interessados no poder pelo poder, seguindo o conselho de Maquiavel, como reagirão os votantes em próximas eleições? Os portugueses são cordatos, conservadores mesmo quando votam no Bloco ou no PCP – a tal nódoa ou nuvem salazarista que paira sobre o país – e não têm comportamentos “perigosos” como os islandeses. Mas o que fica de uma democracia parlamentar quando se perde a confiança nos partidos que estão no hemiciclo? Fica, talvez, a expressão popular que é uma atitude e crítica anarquista a este sistema político: “o que eles querem é tacho”.  

quinta-feira, junho 30, 2016

VASCO GONÇALVES

 
É verdade que, em toda a nossa história, houve sempre portugueses que, por espírito mesquinho de classe, estiveram de cócoras diante do estrangeiro, prontos a sacrificarem  os interesses da Pátria a interesses não-nacionais. Todos nós conhecemos os nomes de tais homens, e execrámo-los. Durante séculos e séculos, como bicho dentro da maçã, o partido castelhano corrompeu e desfibrou o País até levar aos opróbios de 1580; mais perto de nós, foram os integralistas (ora de imitação francesa, ora de figurino germanófilo e nazi) que se entregaram à mesma tarefa. Hoje, erguem-se vozes a cantar loas à Europa - não à Europa dos trabalhadores, claro, mas à Europa dos monopólios e das sociedades multinacionais. Ontem, houve quem servisse Castela contra a arraia miúda; hoje há quem há quem deseje colocar as classes laboriosas portuguesas na situação de fogueiros da fornalha da Europa capitalista...

Vasco Gonçalves, excerto de discurso de 18 de Agosto de 1975 em Almada (era então primeiro-ministro), in Exortação aos Poetas, col. Memória Perecível, da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2015, p. 39

sábado, abril 16, 2016

O JORNALISTA NÃO MORDE O DONO

 
Sexta-feira foi noticiado no Jornal de Notícias a discussão e aprovação de uma lei que partiu de um projecto de iniciativa cidadã com cerca de 157 mil assinaturas. O projecto de lei dizia respeito ao fim do período de fidelização de 24 meses dos serviços das operadoras de telecomunicações. Como bem escrevia o subdirector do JN, David Pontes, "sempre que vierem à baila os interesses de grandes empresas, preparemo-nos para a sintonia entre os dois grandes blocos [PS e PSD] e a completa nulidade da ação dos reguladores". Portanto, a referida tentativa de acabar com o abuso que é o período de fidelização de 24 meses saiu em parte gorada porque PS e PSD formam, ainda, um bloco central que serve os interesses das grandes empresas. No entanto, algo mudou. O que não mudou, antes pelo contrário, foi a forma como os média noticiam estes acontecimentos. Se o JN deu relevo a esta iniciativa, que mobilizou 157 mil pessoas, já o Público a ignorou por completo (não falo dos outros jornais e telejornais que não consultei nem vi). Torna-se fácil perceber porque razão esta notícia não saiu no Público: o jornal é propriedade da sonae, o mesmo grupo empresarial que detém uma das operadoras de telecomunicações em Portugal, a actual Nos. O que está em questão é a independência editorial de um jornal que se tem como jornal de referência perante o seu dono. Mais: sendo as operadoras de telecomunicações um dos principais clientes, a nível publicitário, de televisões e jornais, qual a independência editorial dos média perante estas grandes empresas? Ou estamos todos, desde consumidores a partidos políticos, reféns dos interesses destas empresas? Na resposta a esta pergunta, creio, está também a resposta à pergunta sobre a nossa liberdade, e em última instância sobre quem verdadeiramente nos governa.