A
solução de um governo de esquerda, inédita na democracia portuguesa de governos
constitucionais, a que Paulo Portas chamou “geringonça”, leva quase um ano à
frente do país. É certo que é um governo PS, em que o Bloco e o PCP apenas dão
o apoio parlamentar, mas mesmo assim não deixa de ser inédita esta geringonça.
Mas a questão fundamental reside em saber em quê este governo mudou o país
nestes quase doze meses. Havia muito a esperar de um governo PS, e muito mais
de um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP. Esperava-se que as medidas draconianas
impostas pelo governo anterior de Passos Coelho fossem invertidas,
principalmente a nível das políticas fiscais. Ora nada disso aconteceu: o colossal
aumento de impostos, anunciado pelo então ministro das finanças Vítor Gaspar,
continua em vigor, sem que os escalões de IRS sejam alterados. Na verdade, o
governo de António Costa criou mais impostos a juntar aos que tinham sido
inventados pelo governo PSD/CDS. Este
governo, com o apoio da chamada esquerda radical tem vivido de uma ou outra
reposição que em nada muda a crise criada pelos especuladores do grande capital
com a ajuda de uma direita neoliberal traidora de Portugal. Essa direita que
quis prescindir da soberania nacional para entregar o país a uma troika de
interesses capitalista. E as pessoas, que deviam ser o cerne de um governo, que
se lixem.
O
certo é que a crise continua, a dívida externa não diminuiu, o desemprego se
baixou foi à custa de medidas criadas pelos centros de emprego para riscar os
desempregados que não cumprem as ordens atentatórias da sua dignidade. As
prestações sociais, como o RSI continuam em valores indignos; há pessoas – algumas
centenas, pelo menos – cujo rendimento é zero, vivendo da ajuda e dependência de
familiares ou amigos. O país não recuperou do empobrecimento imposto pelo
governo de Passos Coelho e pela troika.
Perante
isto o Bloco de Esquerda e o PCP, cuja atitude até aqui tinha sido sempre
crítica de tudo, murcharam. Vão tecendo uma ou outra crítica, mas no essencial
apoiam o governo de António Costa, com uma disciplina militar. BE e PCP estão
por isso irreconhecíveis. E assim a geringonça funciona, perante uma oposição
impotente que é responsável pela criação da crise que vivemos.
Porque
mesmo que a palavra crise tenha deixado de ser usada no discurso mediático, é
esse o sentimento que continua a vigorar entre os portugueses – o país continua
em crise. A direita fez tudo para que a crise se instalasse na cabeça das
pessoas, e por consequência na economia real. Conseguiu. Graças ao governo
Passos Coelho, instalou-se uma mentalidade austeritária em Portugal que
prolonga a anemia económica. É uma mentalidade salazarenta que mostra que o
ditador ficou entranhado no país como uma nódoa.
Volto
à geringonça. O que ela mostra são duas coisas essenciais: 1) que mesmo entre
partidos da chamada esquerda radical, Bloco de Esquerda e PCP, que tinham uma
atitude essencialmente crítica, chega uma altura em que a sede do poder é
maior. E para isso estão dispostos a engolir sapos, a abdicar das soluções que
apresentavam (como a renegociação da dívida) em favor de um lugar ao lado do
poder que talvez, se a solução geringonça funcionar, pode vir a tornar-se num
lugar no poder, uma cadeira no governo. Como a história do Bloco prova, na
política nunca se pode ser eternamente Peter Pan. 2) Não correspondendo esta
solução a uma real melhoria da vida dos portugueses, e agora que todos os
partidos com representação parlamentar passaram pelo poder, sem apresentarem
soluções para a vida das pessoas, mas sobretudo interessados no poder pelo
poder, seguindo o conselho de Maquiavel, como reagirão os votantes em próximas
eleições? Os portugueses são cordatos, conservadores mesmo quando votam no
Bloco ou no PCP – a tal nódoa ou nuvem salazarista que paira sobre o país – e não
têm comportamentos “perigosos” como os islandeses. Mas o que fica de uma
democracia parlamentar quando se perde a confiança nos partidos que estão no hemiciclo?
Fica, talvez, a expressão popular que é uma atitude e crítica anarquista a este
sistema político: “o que eles querem é tacho”.
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