As Vinhas da Ira é um
romance de John Steinbeck que teve adaptação cinematográfica de John Ford. O
livro e o filme relatam, e de certa forma testemunham, a vida no campo depois
da grande depressão de 1929. Até 2008 e à falência de um importante banco
norte-americano, a grande depressão de 1929 era um marco histórico, algo que
pairava sobre a economia e os mercados como uma assombração, algo que não podia
voltar a acontecer. Mas aconteceu, e ainda está a acontecer. A partir de 2008
deixou-se de falar da grande depressão de 1929 – afinal os tempos eram outros.
Estes tempos que vivemos são tempos de recalcamento, de varrer para debaixo do
tapete o que é importuno. O que se constata é que em países como Portugal, que
foi dos que mais sofreram com as consequências da crise económica iniciada em
2008, praticamente não existem narrativas dessa mesma crise. Nem a nível
jornalístico, nem a nível artístico. É como se existisse uma censura interna –
ou será mesmo uma censura externa de forma subtil? A verdade é que as empresas
de comunicação social, mesmo as que ainda dão lucro, têm despedido dezenas, ou
mesmo centenas, de jornalistas. Que liberdade sobra para o actual jornalismo fazer
o devido relato da crise? Quanto à vertente artística é mais difícil de
perceber. Escritores, cineastas, músicos, encenadores, apenas por vezes têm
esboçado gestos tímidos. Os novos músicos, com uma ou outra excepção parecem
ter medo que lhes fique colado o rótulo de cantores de intervenção; os cineastas
que estão mais perto de estética do real, como João Canijo, preferem temas como
Fátima; os escritores e poetas, também com uma ou outra excepção, continuam
como se nada se passasse à sua volta, numa torre de marfim. A crise e suas
consequências na vida das pessoas parece ficar sem relato, sem testemunho. Mas
urge insistir, perguntar: porque não temos nós as nossas Vinhas da Ira?
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